Você provavelmente o conhece como Jack McCoy, o promotor público que durante 16 anos defendeu vítimas na série Law & Order. Talvez também como Sol, na divertida Grace & Frankie, que terá sua sétima e última temporada na Netflix em 2021. Enquanto colecionava papéis de sucesso, prêmios, indicação ao Oscar e uma estrela na calçada da fama em Hollywood, o norte-americano Sam Waterston mantinha uma vida longe dos holofotes dedicada a salvar os oceanos.
Aos 80 anos, o ator acompanha de perto as vitórias de ativistas contra a pesca predatória, a poluição de plástico nos mares e o embranquecimento dos recifes de corais mundo afora. “Está se tornando uma tendência muito positiva na América Latina”, conta em entrevista a Ecoa realizada no fim do ano passado.
A paixão pelos oceanos se transformou em propósito quando seu amigo e ator Ted Danson e o ambientalista Keith Addis apresentaram o trabalho da Oceana, ONG que fundaram em 2001 e atualmente é a maior organização não-governamental para preservação dos oceanos. Em setembro, Waterston foi eleito presidente do conselho diretor da iniciativa. Além de gravar vídeos para campanhas de conscientização, ele participa de eventos, vai a manifestações e faz pressão política por mudanças. Durante a conversa com Ecoa, esteve acompanhado pelo diretor geral da Oceana Brasil, o oceanólogo Ademilson Zamboni, para falar sobre ações locais voltadas ao rastreamento de pesqueiros e captura sustentável.
O ano passado foi agitado para o ator. Antes da pandemia, Waterston e a amiga e ativista Jane Fonda foram presos durante uma manifestação contra o aquecimento global em Washington D.C. A ideia, ele conta, era justamente essa: “fazer com que o nosso megafone ficasse ainda maior.”
Assim como Fonda e Lily Tomlin, vetaranas ativistas com quem contracena em Grace & Frankie, ele quer usar a fama engajar mais pessoas na demanda por políticas que possam atacar problemas estruturais, sem deixar o ônus da transformação nas mãos de escolhas individuais de consumo. “Podemos ajudar os políticos que querem fazer a coisa certa pressionando-os. Eles ficarão felizes”, afirma.
Simpático e de jeito pacato, o ator capricha nos adjetivos para descrever sua relação com a natureza e a causa ambiental. A linguagem, para ele, é importante, e faz questão de dar a gravidade da situação: vivemos uma disrupção do clima. “Mudança climática parece muito benigno”, diz ele.
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Ecoa: É sempre um desafio não só discutir os problemas, mas também tentar encontrar soluções e jogar luz em pessoas e iniciativas que estão ajudando a construir um futuro melhor…
Sam Waterston: Essa é a via principal da Oceana, desde sua concepção ela tem definido objetivos e medido seu sucesso pela realização dessas metas. Tem sido bastante difícil, mas alguns de seus resultados gigantescos têm sido espantosos para mim, como a oposição à extração de petróleo offshore nos Estados Unidos que teve um grande sucesso – e sou o primeiro a admitir que no começo pensei “bem, somos muito pequenos e eles são grandes demais”. Mas, no fim das contas, a ciência é persuasiva e a persistência, bastante encorajadora. A história da Oceana deveria ser estimulante para todo mundo, porque é baseada em ciência e em fatos e tem alcançado resultados imensos num mundo que inicialmente se mostrou indiferente a ciência e fatos. Então, mesmo nesse contexto tem feito um ótimo trabalho. Me sinto privilegiado demais de fazer parte disso.
E como você se envolveu com eles?
Waterston: Eu sabia que havia problemas, porque cresci em New England e sei exatamente quando tive essa noção. Estava sentado numa praia em Rhode Island, para onde eu ia todo ano desde criança e eu cresci durante e depois da 2a Guerra Mundial, e naquele período, por causa da guerra, os píeres de pesca se desenvolveram demais porque estavam sob pressão. Então, quando eu estava crescendo praticamente tudo que você quisesse, você conseguia pegar do mar e por quase nada. Lembro que minha mãe se recusou a comprar aquelas lagostas pequenas quando elas ficaram mais de um dólar, porque ela achava que era um roubo. Então foi nesse mundo que eu cresci. Então, eu estava sentado na praia, lendo o jornal, e vi que a pesca de bacalhau tinha entrado em colapso na região nordeste. Não sei o que isso significaria para as pessoas no Brasil, talvez se a tainha desaparecesse de repente. Seria surpreendente. E tinha se escrito muito sobre isso e, é claro que os europeus se interessaram pela América do Norte primeiro por causa do bacalhau… Então, eu não podia acreditar!
Mas eu não sabia o que poderia fazer a respeito, e muitos anos se passaram até que meus amigos Keith Addis, que é membro do conselho, e Ted Danson, que é um dos “pais fundadores” da Oceana, me apresentaram. E, então, tinha algo que eu podia fazer sobre esse problema gigantesco que não era exclusividade do nordeste [dos EUA], mas que acontecia em todo o mundo. E não era visto como um problema porque a ideia de que o oceano é inesgotável e que você jamais conseguiria esvaziá-lo ainda era vista como sabedoria. E, na Oceana, eu conheci um homem extraordinário, o Dr. Daniel Pauly, que tinha suposto já há algum tempo que as estatísticas que diziam que havia peixe o suficiente e que haveria peixe o suficiente não importava o quanto fosse pescado, tinha algo de falso nesses números. E ele descobriu o que era: que há algumas décadas o peixe disponível estava em declínio. E isso era novidade para o mundo e ainda é. Foi chocante. E foi assim que me envolvi com a Oceana e me sinto muito sortudo.
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Quais você diria que são as três maiores ameaças ao futuro da humanidade?
Waterston: A disrupção do clima é um guarda-chuva de ideias que inclui um monte de coisas e a ameaça desse tipo de rebentamento [do clima] coloca sobre o oceano, mesmo supondo que a gente faça todas as outras coisas que devemos fazer… Protegendo áreas de maternidade no oceano para que os peixes tenham uma chance de sobreviver, e reduzindo a poluição, deixando de usar o oceano como despejo de plásticos de uso único e toda a longa lista de coisas que precisamos fazer e deveríamos estar fazendo em relação aos oceanos — não permitirmos que a temperatura suba nos oceanos ou continuarmos a jogar gases do efeito estufa neles, porque estamos queimando combustíveis fósseis – então esses esforços vão tornar o oceano mais resiliente, mais forte contra as ameaças que a disrupção do clima traz. A disrupção do clima é a primeira, a segunda e a terceira ameaça para a nossa existência. Além do nosso apetite para matarmos uns os outros.
E isso não é apenas uma questão de vontade política, é preciso que a população se envolva também. Como engajar as pessoas e mostrar quão urgente é a necessidade de mudarmos o curso das coisas?
Waterston: Fazendo o que nós dois estamos fazendo. Estamos usando as nossas vozes para levar a informação. É surpreendente, porque o que está acontecendo é tão evidente quando o nariz no seu rosto, não deveria ser tão difícil de vender essa ideia. Mas há obviamente muitos interesses em jogo que estão fazendo a sua própria contribuição para a maneira como o mundo muda e que não querem que essas notícias sejam disseminadas. Então é uma luta árdua, mas não há outra coisa a se fazer. Se você sabe de algo, se sabe que a sua vizinhança está sob alguma ameaça e alguém te dá um megafone, você não usaria? É claro que usaria. Então todos nós precisamos usar a voz que temos para que sejamos ouvidos. Outra coisa que precisamos fazer é nos juntarmos uns com os outros, porque quando trabalhamos juntos aumentamos as chances de sermos ouvidos. Eu sou um ótimo exemplo: li sobre o fim da pesca de bacalhau nos anos 1970, mas só quando me juntei à Oceana foi que comecei a fazer algo de verdade.
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Você mudou os seus hábitos de consumo desde que ganhou consciência sobre os problemas ambientais?
Waterston: Bem, há um monte de painéis solares por toda a minha casa e dirigimos carros elétricos, mas tenho total consciência do fato de que essas ações pessoais “virtuosas” entre aspas são fichinha perto dos problemas sistêmicos com os quais temos de lidar num nível estrutural. É ali que o trabalho precisa ser feito. Eu tive essa conversa com o Dr. Daniel Pauly sobre se você deve ou não comer peixe. E a resposta é fácil quando se trata de um peixe em uma produção sustentável. Mas e os outros peixes? Você deveria se recusar a comê-los? E o Dr. Daniel Pauly, que é um realista, diz que quando o peixe está morto você poderia muito bem comer, porque não vai fazer diferença. O ato irreversível é tirá-lo da água e esse é que precisa ser mudado.
É difícil saber a origem dos peixes vendidos no mercado. Como isso é possível?
Waterston: A Oceana tem programas para isso. Eles não foram aplicados em todo o mundo, mas há maneiras de saber. Você consegue saber se estão te vendendo uma cioba ou algum outro peixe no qual você não se interessaria tanto. Imagino que a sua pergunta implica a resposta que é: poderíamos fazer um trabalho melhor em descobrir a origem [do que é comercializado].
Recentemente publicamos uma reportagem sobre como as fazendas de salmão estão afetando a costa do Chile e parte dos nossos leitores não ficou muito feliz. Muita gente parece não querer refletir sobre como o seu consume pode afetar o meio ambiente. Como fazer com que as pessoas se importem?
Ademilson Zamboni: O Brasil é o maior importador de salmão do Chile, 100.000 toneladas por ano.
Waterston: Não sabia disso. De novo o realismo do Dr. Daniel Pauly se aplica aqui. Se todo o Brasil se recusasse a comprar salmão do Chile, a não ser que fosse criado de maneira responsável lá, isso daria força para a população do Chile seguir nessa mesma direção. A Oceana tem um escritório no Chile e ficaria muito feliz de ter os brasileiros apoiando esses esforços… É uma tragédia para as pessoas com menos poder aquisitivo no Chile. Estou apenas repetindo o que você já sabe, mas os peixes viveram nas águas chilenas ao longo da história e eram alimento para as pessoas empobrecidas no Chile. Agora eles estão sendo extraídos em grandes proporções para virar comida para o salmão, e o salmão é caro demais para as pessoas empobrecidas poderem comprar. Então, elas estão sendo privadas de sua herança nacional para que a pesca comercial do salmão seja viável. É horrível.
Carlos Minguell/Oceana
Você tocou num ponto importante, como os problemas ambientais estão conectados a problemas sociais. Mas nem sempre fazemos essa conexão quando falamos sobre meio ambiente. Qual sua visão sobre essa relação?
Waterston: É o lema da Oceana: “Salve os oceanos, alimente o mundo”. É um propósito ambiental com um propósito social ou é um propósito social com consequências ambientais. Você pode fazer de um jeito ou de outro, como preferir. Estão totalmente unidos, são um só na verdade. É a defesa da Oceana há anos, porque se os oceanos voltassem a serem saudáveis – e não estou falando no máximo da saúde, estou falando em produção sustentável, que é bem abaixo do que os oceanos poderiam produzir se fossem deixados quietos. Uma das histórias sobre bacalhau que me veio à mente quando li sobre notícia no jornal em Rhode Island foi uma de Thoureau, Henry David Thoreau, nosso grande americano naturalista, o primeiro naturalista, que contava histórias de que era possível andar do seu barco até a praia em Maine, caminhando sobre os bacalhaus. Eles eram tão grandes que seus pés não ficavam molhados. Não estamos falando disso, mas se atingíssemos o máximo da produção sustentável mundialmente, você poderia alimentar um bilhão de pessoas uma comida saudável todos os dias (pausadamente) ATÉ. O. FIM. DOS. TEMPOS. E sem fertilizantes e sem arar a terra, sabe?
E o plástico? É algo preocupante e que tem se tornado um problema mais grave, mesmo que a gente saiba que é um problema…
Waterston: Sim, tem se tornado um problema cada vez maior. E parte do motivo é que mesmo para pessoas conscientes, a solução da reciclagem proposta até agora não chega a ser nem uma solução para esse desastre crescente que é o plástico. Reciclagem é algo totalmente inapropriado para o problema. Quando eu estava me preparando para essa conversa, a Oceana me mandou uma estatística que diz que globalmente apenas 9% de todo o plástico produzido está sendo reciclado. E no Brasil isso é ainda pior: só 7 e pouco por cento. A quantidade de plástico tem crescido exponencialmente enquanto a reciclagem está chegando a uma porcentagem muito pequena. Então é uma receita para o desastre.
E o efeito do plástico nos oceanos, não sei se as pessoas sabem exatamente a respeito. Eu não estava completamente ciente de que o plástico é meio que para sempre. Ele vai sendo quebrado em partículas menores e menores e quando chegam a um determinado tamanho peixes e algumas aves marinhas muitas vezes confundem com comida e comem. Seus estômagos acabam cheios desse material não digerível e eles morrem por inanição. É um horror pensar nisso.
Quando o plástico é quebrado em partículas menores ainda, ele continua ali, mesmo quando está microscópico continua sendo algo que a gente criou e não existia antes. Quando ainda consegue ser reconhecido como plástico, aves têm suportes de cerveja preso no pescoço e acabam enforcadas até a morte, baleias ficam presas em redes de pesca de plástico e morrem de exaustão porque estão arrastando essas redes por quilômetros.
E quando falamos em microplásticos, eles estão até nas nossas roupas… Quando colocamos uma peça de poliéster na máquina de lavar, por exemplo, eles vão parar no oceano.
Waterston: Que surpresa! Quem diria?
Bem, muita gente.
Waterston: Muita gente sabe agora que é uma indústria gigantesca e fortemente estabelecida. A vida de muita gente vai ser afetada, então temos de nos mexer — nós, pessoas da Oceana, nós, pessoas ambientalmente conscientes, — e compartilhar a informação. A primeira ambição da Oceana é agir com os plásticos de uso único, porque você usa uma vez e os tem para sempre, é um péssimo negócio. Esse é o foco da Oceana agora. Pegar essas coisas que você tira de um pacote e joga fora. Acabando com isso faremos uma diferença imensa. Não sou cientista, não sei muita coisa sobre ciência ou plásticos, não sei muito sobre ciência, ponto. Mas o que eu sei, eu aprendi com o Dr. Daniel Pauly, com o Zamboni e com as pessoas que trabalham na Oceana e realmente conhecem o assunto.
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Para as pessoas que leram essa entrevista, se sentiram inspiradas e querem fazer algo, quais dicas você daria? Por onde começar?
Waterston: Estaria me repetindo, mas junte-se a pessoas que pensem da mesma maneira. Muitas vezes é colocado como apoio apenas apoiar sua organização ambiental local, mas apoio é também mais do que isso, é unir vozes. Se a Oceana vai até um governo e diz que tem 70 pessoas interessadas nessa questão e que estão nos apoiando? Tem outro peso se a Oceana vai até um governo e diz que 5,5 milhões de pessoas estão apoiando e questionando sobre este e aquele ponto. Acho que as pessoas não entendem que quando elas apoiam algo, estão realmente se tornando um membro operante daquela organização. Então, essa seria a primeira coisa. Depois, compartilhe a mensagem. Use o seu megafone, não importa o tamanho dele, mas use.
E falando em megafones, como é que uma pessoa acaba presa durante uma manifestação contra a crise climática?
Waterston: Ligue para a Jane Fonda e pergunta para ela como se faz! (risos) Eu nunca tinha sido preso em toda a minha vida. Eu já fui parado por um policial por andar acima do limite de velocidade, não sou um santo. Mas nunca tinha sido preso ou coisa do tipo. É uma coisa maravilhosa a se fazer, eu recomendo. Nós fizemos na circunstância mais civilizada possível. A Polícia do Capitólio, em Washington DC, já tinha visto isso antes e sabem como agir. Então, fomos tratamos suavemente, mas perder a sua liberdade mesmo que por um pouquinho de tempo é como um banho frio, é realmente educativo. E você aprende algo muito importante sobre si, que é você se preocupa o suficiente com aquela causa para fazer isso, para atravessar aquela linha que ninguém ultrapassa voluntariamente, não nunca, mas raramente e com um bom propósito.
O que motivou a prisão? Só de estar lá isso aconteceu?
Waterston: Parte do propósito do que estávamos fazendo era sermos presos, porque é uma maneira de falar, um jeito de fazer com que nosso megafone ficasse ainda maior.
Não estaríamos falando sobre isso se você não tivesse sido preso.
Waterston: Exatamente! Mas, aí, eu meio que peguei o bichinho. Fui preso duas vezes. Uma pelo Fire Drill Fridays [movimento da atriz Jane Fonda em parceria com o Greenpeace] e depois minha filha — que, como eu, estudou em Yale — me ligou e disse que uns colegas de classe dela estavam planejando algo durante o jogo Harvard contra Yale e perguntou se eu queria me juntar a eles. Então, eu fui. Eles ficaram pasmos que tinham “yalies” [como são chamados os alunos da universidade de Yale] tão velhos e ainda vivos por aí. Mas foi um dia absolutamente emocionante. Nós fomos pro meio do campo no intervalo, e conseguimos passar nossa mensagem. Era por isso que estávamos ali. Mas todo mundo não precisa ser preso. Eles podem apoiar a Oceana, podem apoiar você.
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Você mencionou a Jane Fonda… “Grace & Frankie” deve ser um set bem fervilhante com você, Lily Tomlin e ela. Sobre o que vocês conversam? Conseguem falar de algo que não seja política e planos para salvar o mundo?
Waterston: Você ficaria impressionada de quão divertido é estar naquele set! Elas são ativistas engajadas, e muito mais veteranas do que eu nesse aspecto, mas também estão entre as pessoas mais engraçadas do planeta. É divertido, de verdade. E você não consegue estar com a Jane sem se perguntar que diabos você esteve fazendo na sua vida. Mais que um set fervilhante, é um set propositivo. Ela é tão cheia de propósito e tem sido assim a vida inteira. É incrível.
Pode parecer um pouco óbvio que pessoas com um alcance tão grande usem suas vozes para compartilhar mensagens que possam ajudar os outros, mas não vemos tanta gente fazendo isso. Por que não?
Waterston: Falando de uma maneira mais ampla, isso não é bem-vindo. E existem pessoas que deveriam estar cuidando dessas coisas para que o resto, nós, cidadãos comuns, pudessem apenas tocar o nosso dia a dia. E quando as pessoas, cujo trabalho deveria tomar conta disso, não o fazem, elas não ficam contentes de ouvir gente com megafones conjecturando. Então, se elas podem, tentam dificultar as coisas para você. Por isso mais gente não se manifesta. Mas o antídoto para isso é ter mais e mais gente se expressando publicamente, porque aí teremos segurança na multidão. E, aí, o trabalho acontece.
Abraham Lincoln [presidente norte-americano entre 1861-1865], que eu interpretei algumas vezes, disse que a pessoa mais importante do mundo é a pessoa que muda a opinião pública, e a maior habilidade que um político pode ter é criar as condições para que seja pressionado. É bom, né? Então, podemos ajudar os políticos que querem fazer a coisa certa pressionando-os. Eles ficarão felizes.
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Você já visitou o Brasil?
Waterston: É meu azar e minha sorte que o único lugar do Brasil que eu visitei tenha sido o Rio de Janeiro. Foi uma experiência espetacular. Eu fiz o filme “O Grande Gatsby” [a versão de 1974], muito tempo atrás e quando estreou no Brasil, me mandaram para lá. Ficamos apenas alguns dias, iríamos para Brasília também, mas não conseguimos. Eu amei. Que país maravilhoso? O micro grãozinho que pude ver.
E quais são os planos para trabalhar com a Oceana por aqui?
Waterston: O grande objetivo agora é ajudar o governo brasileiro a ter o máximo de dados sobre o que eles têm no oceano. Essa é a grande coisa na qual a Oceana está trabalhando agora, e com bastante sucesso. Conte mais sobre isso, Zamboni. É melhor você falar do que eu.
Zamboni: Sim, você está correto. Nosso principal objetivo no Brasil é oferecer dados dos pesqueiros, porque ninguém sabe quanto estamos pescando ou de onde estão vindo e qual o tamanho da frota, coisas assim. Nosso país, nosso governo não tem todos os instrumentos para administrar a indústria da pesca. Acho que o papel do nosso conselho, liderado pelo Sam, nos colocou na direção de aprimorar nossas ações aqui no Brasil e pressionar o governo para que faça a sua parte. Também começamos nossa campanha contra o uso de plástico. Talvez o Sam não saiba ainda, mas o vídeo narrado por ele foi um grande sucesso no Brasil. Então você já está nos ajudando.
Waterston: Isso é ótimo.
Zamboni: Provavelmente para o segundo semestre de 2021, quando esperamos que a pandemia já esteja ok, estamos organizando um grande seminário, talvez no Museu do Amanhã no Rio. E vamos retomar as campanhas para redução da poluição de plástico. Esperamos que seja uma boa oportunidade também para aumentar a transparência do governo, que é uma campanha que nunca acaba. Então, Sam, esperamos ter você aqui com certeza, assim como tivemos o Pauly um ano e meio atrás.
Waterston: Espero que aconteça!
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Pensando no fornecimento de dados, temos visto governos que negam a ciência. Como fazer com que algo seja feito, a partir do momento que essas informações são fornecidas?
Waterston: O governo [brasileiro] já tem alguns dados. E estamos indo na direção de compartilhá-los com o Global Fishing Watch [iniciativa fundada pelo Google para rastrear e oferecer informações sobre a pesca comercial]. Havia entendido que o presidente Bolsonaro faria isso.
Zamboni: Sim, ele se comprometeu.
Waterston: Bem, isso é melhor do que nada. Uma das coisas surpreendentes que te faz ter orgulho de estar envolvido com a Oceana é que, mesmo neste momento realmente difícil, as coisas estão acontecendo. Só no ultimo ano, na América Latina, deixa eu ler isso para você: Belize está protegendo seu recife de corais, que, como você sabe, é o segundo maior do mundo, e sua vida marinha da pesca de emalhe [forma de pesca passiva em que crustáceos e peixes ficam presos em suas malhas graças a seus próprios movimentos], isso foi em agosto de 2020. O Brasil está disponibilizando online seus dados sobre captura, junho de 2020. Abril 2020, o Chile impede novas concessões de fazendas de salmão na Patagônia – exatamente o que estávamos falando antes. Em janeiro 2020, Belize acaba com plásticos de uso único e isopor. Outubro de 2019, México oferece acesso público a dados de rastreamento de embarcações, que é a mesma coisa que Brasil está fazendo. Em maio de 2019, Chile também publica dados de embarcações pesqueiras, promovendo transparência no mar. Então, está se tornando uma tendência muito positiva na América Latina. Parte disso foi pré-Covid-19, mas muita coisa aconteceu no meio da pandemia e no meio dessa, digamos, situação política.
É difícil fugir do tema política hoje em dia. Li que você tentou criar alianças bipartidárias no passado, e a luta climática parece ser um dos tópicos que pode unir tanto a direita quanto a esquerda. Você ainda acredita que essa abordagem apartidária é possível no atual cenário?
Waterston: Acho impressionante que isso não aconteça automaticamente. Mas é muito desanimador nesse país [Estados Unidos], porque um partido [republicano] está dedicado a negar totalmente a ciência do clima. Como isso é possível? Sendo que estamos rodando o alfabeto grego de furacões no Caribe, as temperaturas estão subindo, as florestas estão queimando na Califórnia, as terras dos fazendeiros estão sendo alagadas em Iowa, e mais um monte de coisa. As provas da disrupção do clima estão por todo lado. Como é possível continuar a negar tudo isso, quando estamos vendo consequências terríveis para os cidadãos do país e eleitores do próprio partido? Todo mundo está sendo afetado por isso. Então, temos de esperar enfrentar resistência para progredir, porque é a condição atual. No entanto, isso te mantém em forma, sabe? Você sabe contra o que está lutando e o que precisa fazer. E partindo das experiências anteriores, nós sabemos que podemos lidar com essas circunstâncias e progredir, fazer a diferença. Eu tenho netos, e é comum querer que eles herdem um mundo legal, isso é chave. Não sou o único avô no mundo. Todo mundo tem de levar isso a sério.
Enrique Talledo/Oceana
Notei que você usa as palavras “disrupção do clima” em vez de “mudança climática”, o que é uma escolha interessante. Poderia falar sobre isso?
Waterston: Por muito tempo eu chamei de “surto global do clima”, mas não soava sóbrio o suficiente. Mas mudança climática soa como algo benigno. Afinal de contas, tudo muda. Eu sou de New England, onde se diz “se você não gostou da previsão do tempo, espere um minuto”. Então, quando você fala sobre “mudança climática” parece muito com algo “normal”, e não há nada de normal nisso. Você tem uma palavra melhor do que disrupção?
Acho que é uma boa palavra. E dialoga com a ideia de que as pessoas não percebem que há um choque em curso. Você se acostuma com um dia um pouco mais quente, e o seguinte está um pouco mais… não parece que algo está acontecendo.
Waterston: Vocês têm aqui a história do sapo em que você vai aumentando a temperatura da água aos poucos? Somos nós.
E como nos expressamos é importante.
Waterston: Eu acredito que sim. E, de qualquer maneira, se servir para algo, vamos chamá-lo pelo nome exato. Ou tentar chegar o mais perto possível disso. Mas estou aberto a sugestões. Apenas acho que “mudança climática” está sendo usada há tanto tempo, e as circunstâncias estão mudando com tanta rapidez, que precisamos pensar – aqui vamos nós de novo, Abraham Lincoln mais uma vez – precisamos pensar de uma nova maneira e agir de uma nova maneira e, então, salvaremos o nosso país. E então salvaremos o nosso planeta.
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