Luto: MARCO ANTONIO RAUPP (1938-2021)
Luto: MARCO ANTONIO RAUPP (1938-2021)

Luto: MARCO ANTONIO RAUPP (1938-2021)

Descanse em paz, Raupp. Todavia, a palavra descansar não fazia parte do vocabulário de Marco Antonio Raupp. Mesmo aposentado continuou muito ativo. Foi Ministro de Estado aos 74 anos e desde 2014 estava à frente do Parque Tecnológico de São José dos Campos, SP, do qual foi um dos criadores em 2006. Tinha um humor refinado e um sorriso sempre presente, com o qual abria as portas de sua casa para os filhos, netos e amigos. Mas o seu grande coração parou de bater na madrugada deste último sábado, 24 de julho de 2021, aos 83 anos de idade.

O vice-presidente do SindCT, Acioli Antonio de Olivo, que integrou o staff de Raupp no MCTI, cita: “O Ministro Raupp teve uma gestão profícua e inovadora no MCTI, com excelentes relações intergovernamentais e também com o Parlamento, sempre com as portas abertas para receber todos os parlamentares, independente de qual partido fossem”.

Seus companheiros de lutas lembram que o seu despertar para a consciência de cidadão teve início na Universidade de Brasília. Nascido em 9 de julho de 1938 em Cachoeira do Sul (RS), cursou Física na UFRS e em 1968, durante a sua passagem pela UnB, ocorreu a invasão e a intervenção da ditadura, motivada pelo que o Estado considerava “rebeldia dos estudantes da UnB”, uma das universidades mais engajadas do país à época. Muitos alunos e professores da UnB foram presos, torturados e até mortos. Alguns deles eram conhecidos de Raupp. Foi o seu batismo de fogo diante do arbítrio.

Sua carreira acadêmica continuou quando fez o doutorado na Universidade de Chicago (EUA) e depois como professor livre-docente na Universidade de São Paulo, onde atuou como professor-associado do Instituto de Matemática e Estatística. Mas o que fazia os seus olhos brilharem era a sua luta permanente em defesa da Ciência e da Democracia.

Em 1985, o primeiro Ministro da Ciência e Tecnologia, Renato Archer, o designou para ser diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde criou o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e foi um dos responsáveis pelo acordo de cooperação entre o Brasil e a China, em 1988, para o desenvolvimento dos satélites CBERS-1 e CBERS-2, pioneiro nas parcerias espaciais com somente países do hemisfério Sul. Ainda no INPE, em tempo recorde conseguiu implantar o Laboratório de Integração de Testes (LIT).

“Raupp se filiou ao SindCT desde a sua fundação e, como Ministro, sempre recebia o Fórum de Ciência e Tecnologia e o SindCT. Atendia e dava andamento às nossas reivindicações. Respeitava as nossas representações sindicais. Lamentável perda”, observou o Presidente do SindCT, Fernando Morais Santos.

Na sua admirável carreira como pesquisador e gestor, foi um dos fundadores do LNCC e diretor da instituição por duas vezes, entre os anos de 1980 e 1985 e novamente entre 2000 e 2006, onde criou o Laboratório de Bioinformática. Foi diretor-geral e um dos mentores da criação do Parque Tecnológico de São José dos Campos (PqTec), organização que dirigiu inicialmente entre 2006 e 2011 e depois de 2014 até junho de 2021, atuando de forma decisiva para a implementação de projetos inovadores.

Sócio ativo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) desde 1993, Raupp teve uma atuação muito importante na gestão da entidade, atuando em diferentes cargos em várias gestões. Presidente de honra da SBPC desde 2013, ele foi presidente da entidade de 2007 até fevereiro de 2011, membro do Conselho de 2001 a 2005, vice-presidente de 1999 a 2001 e primeiro-tesoureiro em dois mandatos de 1993 a 1997. O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, ressalta que Raupp foi crucial para muitas áreas da pesquisa brasileira: “Ele exerceu alguns dos cargos mais importantes da área. Sua morte é uma grande perda para o país e para a ciência brasileira.”

Raupp presidiu a Agência Espacial Brasileira (AEB) de 2011 a 2012, instituição para a qual levou sua larga experiência em temas da política e tecnologia do Espaço. Como Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) do governo de Dilma Rousseff, entre os anos de 2012 e 2014, deixou a sua marca com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), em 2013.

Armando Zeferino Milioni, professor aposentado do ITA, que também fez parte da equipe de Raupp no MCTI, lembra: “Eu estava na China, em 2015, e Raupp estava hospedado no mesmo hotel, embora estivéssemos em missões distintas. Descobri ali que meu amigo tinha outro hábito parecido com o meu: ele acordava muito cedo e era um dos primeiros a chegar para o café da manhã. Tomamos café juntos, sempre muito cedo, por vários dias seguidos. Em uma das conversas, eu disse a ele que tudo indicava que Ricardo Galvão seria o próximo reitor do ITA. Ele disse: ‘Será ótimo para o ITA, mas seria ainda melhor se ele fosse para o INPE’. Acho que nasceu aí a ideia de convencer o Galvão a aceitar a direção do INPE. O resto, é história. Adeus, meu admirável amigo”.

José Bezerra, servidor aposentado do DCTA, ressalta o seu espírito democrático: “Eu o respeitava porque ele era um democrata nato, jamais se recusando a debater e discutir questões junto àqueles que dele discordavam, como foi o meu caso, certa vez, em relação à Alcantara Cyclone Space (ACS) e ao Satélite Geoestacionário (SGDC).

Pedro Cândido, servidor aposentado do INPE, lembra que Raupp era Diretor do INPE quando foi contratado. “Nossa relação de amizade se estreitou através de nosso grande amigo em comum, Luis Carlos Moura Miranda. Estivemos em várias batalhas pela Ciência e Tecnologia, principalmente em favor da área Aeroespacial. Uma grande perda para o Brasil e para os brasileiros”.

Victor Pellegrini Mammana, atualmente pesquisador do CEMADEN recorda: “Estive à frente do CTI Renato Archer quando o Dr. Raupp era Ministro da Ciência e Tecnologia. O que mais me marcou naquele período foi o compromisso do Ministro Raupp com as questões de grande impacto social. Lembro-me, por exemplo, do dia em que me ligou no celular para solicitar apoio para o estabelecimento da rede observacional do CEMADEN, que estava em criação. Sempre muito cordial e respeitoso, tinha essa capacidade de mobilizar a comunidade para grandes causas do país, criando as condições para que complementássemos as tarefas que nos passava. A gente sentia prazer em seguir sua liderança. Lembro-me, também, de seu apoio ao Projeto Viver Sem Limites, quando colocou a pauta da inclusão das pessoas com deficiência com grande prioridade dentro do ministério. Mais recentemente, tive a alegria de me encontrar com ele no Parque Tecnológico de São José dos Campos, para discutir a extensão do Projeto WASH de alfabetização científica nas imediações do parque, quando novamente colocou a estrutura do parque à disposição. Foi um grande líder e uma figura inspiradora, comprometida com a ciência, tecnologia, inovação e educação.”

Gilberto Câmara, ex-diretor do INPE destaca o importante papel que Raupp teve no cenário científico brasileiro: “Raupp foi um visionário na criação e fortalecimento de instituições de C&T. Sempre acreditou que, em países em desenvolvimento, é preciso ir além da Ciência apenas focada em produção acadêmica. Em sua concepção, instituições de C&T precisam combinar pesquisa, desenvolvimento, inovação e serviços. Almejava uma Ciência relevante para apoiar a redução das desigualdades brasileiras. Ao criar o programa CBERS e fundar o CPTEC, Raupp coloca o INPE como protagonista na relação entre Ciência e Sociedade. Por isso, seu legado no INPE é permanente. Cabe a nós, seus sucessores, persistir na defesa e fortalecimento de instituições que façam diferença para o povo brasileiro.”

Marco Antonio Raupp foi membro titular da Academia Internacional de Astronáutica e tinha os títulos de Comendador da Ordem do Rio Branco, Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico e Oficial da Ordem do Mérito das Forças Armadas. Ele deixa a esposa, Elisabeth Alves Mendonça, 7 filhos (mais uma filha falecida), três genros, quatro noras e 13 netos.

A diretoria do SindCT, consternada, se solidariza com os amigos, familiares e entes queridos de Raupp e, nesse momento de tristeza, reverencia o grande homem público que Raupp foi; lamentando a perda dele, que foi um dos imprescindíveis.

Autor

  • Fernanda Soares é jornalista profissional formada há 28 anos. Em 2012 recebeu o prêmio Beth Lobo de Direitos Humanos das Mulheres, oferecido pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, por sua cobertura da desocupação do Pinheirinho. É autora do livro “A solução Brasileira - História do Desenvolvimento do Motor a álcool no Brasil”, publicado e distribuído pelo SindCT, de nove livros paradidáticos infantis, da editora Todolivro, e do livro "Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira", publicado pelo SindCT. Em julho de 2022, Fernanda ofereceu, gratuitamente, os direitos autorais do livro sobre a urna eletrônica ao TSE. Em 2023, recebeu a Medalha Cassiano Ricardo, oferecido pela Câmara Municipal de São José dos Campos.