O Diário Oficial da União publicou, no dia 25 de março de 2020, a PORTARIA Nº 1.152, de 19 DE MARÇO DE 2020, assinada pelo Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Cesar Pontes, instituindo o Comitê de Busca, para subsidiar o Ministro na escolha do Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O Comitê de Busca será composto pelos seguintes membros: JOÃO LUIZ FILGUEIRAS DE AZEVEDO, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que o presidirá; ANTONIO JOSÉ ROQUE DA SILVA, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM); AUGUSTO CÉSAR GADELHA VIEIRA, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC); JOÃO PAULO RODRIGUES CAMPOS, da Visiona Tecnologia Espacial e JÚLIO HIDEO SHIDARA, da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB).
Desde a saída do prof. Ricardo Galvão, o ministro Pontes vem sendo cobrado por entidades representativas da C&T para designar um comitê de busca para o INPE. Mesmo recebendo manifestações do SindCT, Fórum Nacional das Entidades de C&T, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), parlamentares, cientistas e gestores de C&T, Pontes esperou oito meses para tomar esta decisão. Seria natural que tivesse usado esse período para refletir sobre a arbitrariedade que cometeu, retirando do cargo o seu legítimo detentor, o prof. Ricardo Galvão. O que a comunidade inpeana e todos aqueles que se preocupam com o futuro do INPE e do programa espacial brasileiro esperavam do ministro Pontes? Que ele buscasse ouvir cientistas, técnicos, gestores, dentro e fora do INPE, no sentido de achar um caminho suave e gradual para a volta à normalidade institucional. Esperava-se também que o gestor interino consultasse os vários setores do INPE e levasse as reivindicações e aspirações para o Ministro, em busca de uma solução negociada.
Nada disso aconteceu. Nas diversas ocasiões em que o ministro foi instado a se manifestar ou dialogar sobre o retorno aos trilhos da normalidade, se calou ou tergiversou. Não fez qualquer ação de diálogo com a comunidade ligada ao INPE, nem sequer apresentou uma proposta minimamente articulada para o programa espacial brasileiro.
Enquanto isso, a principal ação do interventor foi conduzir uma atrapalhada e autoritária proposta de “reestruturação” do INPE. Apresentou uma proposta sem fundamento, que não respeita a pluralidade do instituto, nem o histórico de cada área. Depois de receber críticas da comunidade, recolheu-se numa quarentena de silêncio. Esperava-se que ele refletisse sobre a posição da comunidade. Ledo engano. Ignorando qualquer discussão, insiste agora numa proposta ainda pior a qual concentra todo o poder na Direção, na contramão da história do INPE. A proposta do interventor para o INPE é exatamente o contrário da trajetória institucional das quatro últimas décadas.
Desde a década de 1980, o INPE vem, passo a passo, ampliando a descentralização de sua gestão. Isso aumentou a eficiência do instituto. Tanto a ações para execução do orçamento quanto as decisões de implementação de programas são tomadas pelas áreas, que contam com comitês assessores, nas quais as vozes da comunidade têm peso e são respeitadas. No “novo” INPE, desenhado pelo interino, de cima para baixo, são extintos os mecanismos de compartilhamento do poder através de conselhos consultivos e de assessoramento, avanços que a comunidade conquistou paulatinamente, com muito esforço e diálogo. A estrutura proposta leva a uma verticalização inédita na história do instituto.
Diretores anteriores do INPE, mesmo em tempos menos democráticos, sempre tiveram consciência de que a pluralidade e variedade de missões institucionais não condizem com uma gestão autoritária. Em maior ou menor grau, sempre houve um balanço entre a Direção e as áreas. Uma proposta como a feita atualmente pelo interventor só poderia partir de alguém que não conhece, e não respeita, o instituto e seu papel na sociedade brasileira. Traz um bloqueio à transparência e às decisões da Direção e constrói o espaço de gestão possível para o aparelhamento ideológico do instituto.
O INPE sempre teve como orgulho ser uma instituição do Estado brasileiro e de servir à sociedade brasileira, executando missões de longo prazo. Por isso passou pelos tempos agitados do início dos anos 60, pela ditadura militar, pela redemocratização e seus vários governos, seguindo vigilante da boa ciência e da prática de produzir evidências científicas sérias.
Vivemos agora uma experiência institucional inédita: temos um Diretor interino que rompe com a tradição dos diretores do INPE de ouvir e respeitar a comunidade. Mais ainda, esse interventor deseja tornar-se Diretor permanente, contando com a situação política confusa em nosso país e esperando que a comunidade inpeana aceite essa manobra sem reação.
Entendemos que o Comitê de Busca é composto por pessoas qualificadas, com experiência em gestão científica e tecnologia. No entanto, há uma falha grave em sua composição. Trata-se de um comitê que não contempla a visão dos servidores do INPE, na medida em que nenhum de nossos representantes foi indicado. A grande maioria dos comitês de busca de institutos do MCTIC conta com representantes dos servidores dos institutos. Essa inclusão é prova de respeito à vontade e à competência de servidores para opinar e auxiliar na escolha de pessoas que dirigirão por tempo razoável as suas instituições.
O desafio que se impõe à nossa comunidade é convencermos cientistas e gestores, dentro e fora do INPE, a se apresentarem como candidatos. Tarefa hercúlea, temos ciência, pois sempre existirá a possibilidade de ser apeado do cargo quando se manifestar, mesmo baseado em fatos, dados e resultados decorrentes de pesquisa reconhecida pela comunidade internacional. Este óbice não deve nos esmorecer, não devemos desistir e sim devemos sair, como novos evangelizadores, a pregar em busca de nomes que possam, além de ser capazes de gerir uma instituição tão complexa quanto é o INPE, também participar de um debate em torno do futuro do instituto e do futuro da Ciência e Tecnologia, pois nestes tempos sombrios, de obscurantismo, truculência e anti-ciência, jogar luz nesta escuridão é fundamental para sobrevivermos, como membros da comunidade científica e também como seres humanos.