A Medida Provisória 910 perde sua validade hoje, 19 de maio. Conhecida como a MP da grilagem ou da Regularização Fundiária, foi transformada no Projeto de Lei 2633/20 e pretende legalizar, até 2022, cerca de 600 mil imóveis rurais.
O PL 2633/20 é de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), relator da MP 910. Ele repete todo o conteúdo da MP no PL que apresentou. O deputado amazonense Marcelo Ramos (PL/AM) é o relator do PL da Grilagem e quer votá-lo com urgência.
Se aprovado, o PL permitirá a regularização de terras invadidas e desmatadas, mesmo após o marco temporal de 22 de julho de 2008. O projeto pretende reduzir o risco e os custos das operações de grilagens, com aumento da lucratividade dos negócios com terras públicas no país. Como um todo, é inconstitucional e configura ato de improbidade administrativa. Se aprovado, o PL trará danos sociais, ambientais e econômicos.
“O PL 2633 (antiga Medida Provisória 910) prejudica a defesa ambiental e consolida a prática de crimes tipificados no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive incentivando o aumento da violência no campo. É muito nocivo para o Brasil. Caso seja votado e aprovado, temos condição clara de judicializar e impedir as consequências nefastas que essa norma inconstitucional, ilegal e antiética vai gerar no País”. A afirmação é da promotora de Justiça e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Cristina Seixas Graça, que alerta para os riscos de eventual votação do texto do Projeto de Lei 2633 pelo Congresso Nacional.
Além de promotora titular da 6ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente e Urbanismo, Cristina também é presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – Abrampa. Para a especialista, o caso em si não pode ser encaminhado como uma MP, e este assunto de grande importância para o país não deveria tramitar em regime de urgência. “Não se pode fazer nada na área fundiária dessa forma abrupta, pois envolve questões socioambientais e socioculturais. O texto, da maneira que está, favorece o grande proprietário e estimula uma cadeia criminosa a continuar operando. E os povos tradicionais ficam em situação vulnerável, pois não têm como combater e nem contam mais com instituições públicas legais fortalecidas para defendê-los”.
Dados divulgados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite – Prodes do INPE, demonstram que a grilagem foi responsável por 35% das áreas desmatadas na floresta Amazônica entre agosto de 2018 e julho de 2019. A grilagem em áreas públicas é uma das principais causas do desmatamento na Amazônia.
Hoje, a maior parte do desmatamento na Amazônia tem origem na invasão de terras públicas. Com o PL, o governo anistia grileiros e lhes oferece uma série de benesses.
Se seu texto for aprovado, aumentará em cerca de 300% a regularização dessas terras. Isso significa que dos atuais 19,6 milhões de hectares, a Amazônia terá 65 milhões de hectares ocupados por criminosos.
Um acórdão do Tribunal de Contas da União – TCU confirma que a MP 910 (agora PL 2633) trará danos sociais, ambientais e econômicos para o país. De acordo com o TCU, não existe uma fiscalização efetiva da ocupação de áreas na Amazônia Legal, o que acarreta, na prática, perda de receitas públicas, grilagem e desmatamento.
Presidentes de oito partidos assinaram uma nota conjunta contra a antiga MP 910 (agora transformada em PL 2633), afirmando que “não se pode admitir a votação da MP da Grilagem e do Desmatamento em meio à crise do covid-19”. O documento foi assinado pela Rede, PSB, PV, PSol, PDT, PT, PCdoB e PCB. (Veja a íntegra da nota abaixo)
Para explicar melhor os efeitos do PL, a revista Brasil de Fato fez a simulação de um caso de invasão de terra que pode ser regularizado pela Medida:
“Tem um processo valendo que vai garantir terra pública regularizada deixando cada pessoa e até empresa com até 15 módulos fiscais, na Amazônia isso chega até 1650 hectares. É só apresentar para o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], o CAR [Cadastro Ambiental Rural], que nem exige comprovação de título de posse ou propriedade, basta nossa declaração. Aí é só tirar a madeira e vender, botar fogo no resto para esconder e construir uma casa e uma roça para o satélite ver que tem ocupação e exploração da terra, eles nem vão vir vistoriar. E o desmatamento e o fogo também não vão dar bandeira pra vir a vistoria, porque eles só vem se tiver uma multa que for confirmada depois de todos os recursos julgados pelo órgão ambiental, e mesmo assim, se eles vierem vistoriar, é só assinar esse tal de PRA [Programa de Regularização Ambiental] ou um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta], nem precisa aprovar um plano de recuperação, nada. E eles não vão pedir assinatura dos vizinhos no processo de regularização, é tudo por declaração só nossa!
Bom, mas depois disso tem que pagar, mas muito abaixo do valor do mercado, que é uns R$ 1.500 por hectare aqui na região, chegando a R$ 2,25 milhões os 1.500 hectares.
Se invadirmos agora, e falarmos para o Incra que entramos até dezembro de 2018, tem que pagar o valor máximo da terra nua pela tabela do Incra, nesse caso pode até ser dono de outra área, o que deve dar na nossa região uns R$ 1.178 reais o hectare. Para 1.500 hectares dá um total de R$ 1.767.000,00 milhões, que podemos pagar em até 20 anos, sendo a primeira parcela depois de 3 anos, só. Mas é tranquilo porque o Incra desde 2017 abaixou o valor máximo e médio da terra nua em 10 vezes!
Agora, para as ocupações de antes de 5 de maio de 2014, podemos pagar o valor mínimo da pauta de valores, cerca de R$ 700/ha só e ainda com descontos entre 10% e 50% deste valor, o que ficaria em torno de R$ 70 a R$ 350 reais o hectare. No total, no máximo, ficaria R$ 525.000,00 mil reais os 1.500 ha. Mas para revender logo, podemos pagar à vista o valor médio da terra nua, cerca de R$ 942/ha, que dá um total de R$ 1,413 milhão, e então depois de 3 anos já pode vender. Considerando o valor de mercado atual, sem valorização da terra no período desses 3 anos, já tiramos um lucro de uns R$ 840 mil”.
NÃO SE PODE ADMITIR A VOTAÇÃO DA MP DA GRILAGEM E DO DESMATAMENTO (MP 910/2019) NA CRISE DO COVID-19
A MP 910/2019 representa grave ameaça ao patrimônio público e às florestas, pois premia grileiros e desmatadores ilegais e estimula novas invasões de terras públicas. Mesmo reconhecendo a relevância dos problemas fundiários no país, não é com regras voltadas a consolidar as ocupações mediante sistema meramente declaratório, sem vistorias, e a beneficiar ocupantes de áreas de até 2,5 mil ha, que se solucionarão esses problemas. Cabe lembrar que as normas sobre esse tema foram alteradas em 2017. Sucessivas mudanças normativas impostas sem o devido debate, inviável em um quadro de crise sanitária, somente responderão por agravar os problemas com os quais a sociedade tem de lidar. É inadmissível votar uma lei como essa agora.
Segue um resumo com alguns dos principais problemas da MP que foram amplificados com o relatório do Senador Irajá Abreu, nas duas versões de seu relatório que foram publicadas até agora. O texto protocolado em 31/03:
Aumenta o risco de titular áreas em conflitos ou com demandas prioritárias, pois elimina a vistoria prévia à regularização;
O relatório do Senador Irajá mantém a anistia ao crime de invasão de terra pública àqueles que o praticaram entre o final de 2011 e 2014 (a MP em vigor até 10 de dezembro de 2018);
Reduz valores cobrados na titulação de quem já possui outro imóvel;
Permite titular áreas desmatadas ilegalmente até dezembro de 2018 sem exigir assinatura prévia de instrumento de regularização de passivo ambiental, nos casos em que não houve autuação ambiental;
Permite reincidência de invasão de terra pública, pois autoriza nova titulação a quem foi beneficiado com a regularização e vendeu a área há mais de dez anos;
Dispensa cobrança de taxas de registro do imóvel e de certificação de cadastro no Incra para invasores de grandes e médios imóveis em terras públicas (até 2,5 mil ha, em alguns casos mais de 50 módulos fiscais);
Incentiva a continuidade de ocupação de terras públicas e o desmatamento, pois cria preferência na venda por licitação a quem estiver ocupando área pública após dezembro de 2014, sem limite de data de ocupação.
Nós, dirigentes dos partidos políticos abaixo listados, requeremos que as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal afastem qualquer possibilidade de votação da MP nº 910/2019. O país e o Parlamento têm de direcionar todos os esforços possíveis para o controle da pandemia do COVID19 e seus efeitos. Não está na hora de viabilizar mais conflitos no campo, injustiça social e mais desmatamento.
Brasília, 2 de abril de 2020
Pedro Ivo Batista e Laís Garcia, Rede
Carlos Siqueira, PSB
José Luiz Penna, PV
Juliano Medeiros, PSOL
Carlos Lupi, PDT
Gleisi Hoffmann, PT
Luciana Santos, PCdoB
Edmilson Costa, PCB