Que papel tem, ou terá, o diretor do INPE neste enredo?
Nesta semana, o SindCT denunciou a direção do INPE, a direção do MCTI e o Governo Bolsonaro por não divulgarem os dados da taxa de desmatamento anual, ou seja, a taxa prévia medida pelo sistema PRODES para o período de 1º de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021.
Até 2020, a prévia dos dados era divulgada logo após o recebimento do relatório pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Ciência Tecnologia e Inovação.
Em anos de COP – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, essa informação é aguardada por negociadores, cientistas e sociedade civil. Este foi o ano da COP-26, realizada em Glasgow (Escócia), no mês de novembro. Os dados de desmatamento da Amazônia não apareceram na Escócia, ficaram “trancados” na forma de um documento sigiloso, que foi registrado neste modo no SEI – Sistema Eletrônico de Informações do MCTI pelo diretor do INPE, Clézio de Nardin. O ministro Joaquim Leite, do Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, omitiu esta informação em seu discurso e mentiu sobre o seu desconhecimento do relatório.
Jornalistas especializados buscaram informações com membros do governo brasileiro e foram informados de que o PRODES ainda não tinha concluído o seu relatório anual. Pura mentira!
Coube ao SindCT apresentar os fatos e a verdade sobre o relatório.
A matéria foi reverberada por vários jornalistas em diferentes mídias. A pressão cresceu tanto que os dados apareceram!
O documento, como afirmou o SindCT, estava pronto antes da COP-26 e já havia sido comunicado ao diretor do INPE, como aponta a data que consta do mesmo, dia 27 de outubro de 2021. Fontes seguras nos afirmaram também que o documento foi prontamente enviado ao MCTI e colocado sob sigilo no SEI.
Uma reportagem do Jornal Nacional, no dia 18 de novembro, apurou que o relatório técnico foi recebido também pelo MCTI no dia 27 de outubro.
Sob pressão e muitos questionamentos da imprensa especializada, o INPE divulgou os dados do relatório, apresentando um aumento absurdo de 22% no desmatamento da Amazônia, o maior índice desde 2006. O Observatório do Clima apontou que essa é a primeira vez, desde o início das medições em 1988, que a taxa de desmatamento sobe por 4 anos consecutivos. Lembrando que os números divulgados ainda podem aumentar, já que são uma estimativa da taxa de desmatamento do período 2020/2021 e o valor consolidado será apresentado no primeiro semestre de 2022.
O desmatamento está completamente descontrolado!
Na noite do dia 18 de novembro, o ministro do Meio Ambiente convocou uma coletiva e rapidamente responsabilizou o INPE e sua direção pela não divulgação dos dados do PRODES, afirmando que o órgão, através de seu diretor, tinha autoridade e autorização para fazer a divulgação. Segundo o ministro, o governo não omitiu nenhum dado, foi o INPE que se “esqueceu” de divulgá-los.
Lembramos que Ricardo Galvão, ex-diretor do INPE, foi repreendido, demitido e acusado de atuar em benefício de ONGs, por esse mesmo governo, numa crise gerada após a divulgação dos dados do desmatamento em 2019.
Surgiu então a pergunta óbvia: por que o diretor do INPE, em vez de liberar os dados do PRODES antes da COP, uma vez que ele tinha autorização e autoridade para fazer isso, não o fez?
Descobrimos, então, que o diretor, rapidamente e na tentativa de ajudar esse (des)governo, escreveu uma nota introdutória, para apresentar o relatório, onde cria uma justificativa “técnica” para o “esquecimento” da divulgação apontado pelo Ministro. A razão técnica para a não divulgação antes do dia 18 de novembro teria sido a necessária revisão para os números apresentados no relatório.
Os fatos desmentiram essa versão. Vamos aos fatos:
1 – O documento foi registrado no SEI e datado em 27 de outubro!
2 – Para documentos registrados no SEI, em caso de documento revisado, a data final seria a data do texto revisado! As versões de documentos são preservadas no SEI. O histórico de transformação destes documentos também.
3 – Não existe nenhum documento no SEI (até agora!) que registre uma revisão no relatório.
O diretor do INPE também está mentindo? O fato é que não existe documento revisado e a versão final do documento é a versão divulgada e datada de 27 de outubro de 2021.
Com tantas mentiras e jogo de empurra-empurra sobre a responsabilidade da divulgação, o governo consolida sua marca: a arte do engodo!
Neste caso, com um agravante local preocupante: o diretor do INPE parece estar cooperando com esta farsa e colocando uma instituição sexagenária, uma instituição independente e de Estado, a serviço de governos do momento. O que esperaríamos, quando olhamos para os diretores do passado, seria ver um diretor cumprindo sua obrigação como servidor público federal e se colocando ao lado do serviço à sociedade brasileira.
A batalha ainda por vir
A nova fase, que virá em breve, será mais uma tentativa de desqualificação dos dados do PRODES. Serão iniciativas organizadas e coordenadas pelo próprio governo federal e alguns de seus apoiadores nos estados, na mídia e em setores pseudocientíficos que se alinham aos negacionistas deste governo.
Certamente, e mais uma vez, recorrerão a comparações entre os dados obtidos pelo DETER e a Taxa do PRODES obtida para o ano 2020-20211.
O DETER é um sistema expedito de Alerta de Desmatamento desenvolvido metodologicamente para suporte à fiscalização. A informação sobre áreas se destina às entidades responsáveis pela fiscalização, para auxiliar na identificação de polígonos prioritários para as suas ações de autuação. O DETER utiliza sensor com 64 metros de resolução espacial e taxa de revisita de 5 dias.
O PRODES é o sistema que realiza o inventário de perda de floresta primária, para toda a extensão da Amazônia Legal Brasileira – ALB. O principal objetivo do PRODES é estimar a taxa anual de desmatamento por corte raso da floresta primária na ALB. O PRODES utiliza sensores com resolução espacial entre 20 e 30 metros e taxa de revisita de 16 dias.
As datas de passagem das imagens analisadas pelo DETER e pelo PRODES são diferentes. A área dos polígonos no DETER, associadas ao desmatamento por corte-raso (que são as classes: desmatamento solo exposto e desmatamento vegetação secundária) não devem ser associadas a taxas mensais de desmatamento.
A taxa de cobertura de nuvens é diferente entre o DETER e o PRODES.
Enfatizar aspectos metodológicos relativos aos dois sistemas, DETER e PRODES, é fundamental para a correta interpretação dos dados produzidos por estes sistemas. O DETER se preocupa com a geração de ALERTAS para a fiscalização. O PRODES se preocupa com o inventário anual da perda de cobertura florestal.
O DETER depende da disponibilidade de imagens com cobertura de nuvens reduzida. Isto varia de um mês para outro. Por isso, a comparação entre dados do DETER de meses consecutivos, ou do mesmo mês em diferentes anos, é fortemente desaconselhada.
O DETER detecta mais áreas desmatadas quando temos mais queimadas. Por exemplo, no ano PRODES 2019-2020, o número de queimadas foi muito grande. O DETER foi capaz de detectar mais áreas associadas ao corte-raso. No ano PRODES 2020-2021, as queimadas foram menores, quando comparadas ao ano anterior, o que levou a uma diminuição na detecção de áreas desmatadas por corte raso pelo DETER.
Estas observações são essenciais para compreender que o desmatamento por corte-raso, observado pelos polígonos do DETER, não é um bom preditor da taxa de desmatamento estimada pelo PRODES.
Variáveis como cobertura de nuvens, datas das imagens, eventos de queimadas e resoluções espaciais diferentes se apresentam como fatores de confusão, quando se faz um uso direto de associações entre os dados DETER e os dados do inventário anual PRODES. Sem tratar estes fatores de confusão é totalmente inadequado pensar em avaliar o dado PRODES olhando para os dados do DETER no mesmo período.
Como é habitual, uma Nota Técnica (NT) sobre a consistência da taxa de desmatamento apresentada no relatório de 27 de outubro, já está pronta e foi encaminhada, através do SEI, ao Diretor do INPE, para publicação no site oficial da instituição.
A Nota Técnica sobre a consistência dos sistemas de monitoramento do desmatamento e degradação florestal do INPE, com uma análise mais detalhada para este ano PRODES 2020-2021, apresenta a metodologia utilizada para avaliar estes dados.
O trabalho afirma e traz evidências empíricas de que, apesar de existir uma relação entre os dois projetos, é necessário entender que a tendência anual do desmatamento observada pelo DETER não reflete, necessariamente, a tendência do PRODES do mesmo ano.
Quanto mais cedo esta NT estiver disponível, menos os problemas e as contestações sem base em evidências empíricas, portanto, contestações não-científicas, terão espaço para proliferar.
Em relação ao atual diretor do INPE, depois da imensa trapalhada com a divulgação dos dados da taxa prévia do PRODES, resta saber como se comportará nesta honrosa posição ocupada no passado por nomes de imensa envergadura técnico-científica e de grande espírito público. O último destes, o Professor Ricardo Galvão, tratando do mesmo assunto, preferiu perder o seu cargo a assumir posições dúbias sobre o trabalho dos técnicos e cientistas da instituição que comandava.
Que tamanho tem, e que tamanho terá, para a história, o atual diretor?
As batalhas, ainda por vir, nos trarão a resposta.
1 ALMEIDA, C. A.; MAURANO, L. E. P.; VALERIANO, D. D. M.; CAMARA, G.; VINHAS, L.; GOMES, A. R.; MONTEIRO, A. M. V.; SOUZA, A. A. A.; RENNO, C. D.; SILVA, D. E.; ADAMI, M.; ESCADA, M. I. S.; MOTA, M.; KAMPEL, S. A. Metodologia para Monitoramento da Floresta usada nos projetos PRODES e DETER. São José dos Campos: INPE, versão: 2021-01-26. IBI: <8JMKD3MGP3W34R/443GTAS>. Disponível em: <http://urlib.net/rep/8JMKD3MGP3W34R/443GTAS>
Veja outras matérias divulgadas:
Rubens Valente: Governo silencia sobre a denúncia de que esconde dados do desmatamento – 18/11/2021
Jornal Nacional: Amazônia Legal tem maior desmatamento desde 2006 – 18/11/2021
O Eco: Desmatamento na Amazônia sobe 21,97% e chega a 13.235 km², aponta INPE – 18/11/2021