1. Os alertas de desmatamento da Amazônia têm batido seguidos recordes. Em abril, o índice foi 64% maior em relação ao mesmo mês do ano passado. É possível projetar o tamanho da devastação neste ano?
Os alertas são feitos por um sistema chamado Deter, que é tradicionalmente mais conservador do que o Prodes, a ferramenta que mede o desmatamento em si. A estimativa é que o Prodes aponte uma devastação de 12 mil quilômetros quadrados da floresta entre agosto de 2019 e julho de 2020. Ou seja, será ainda pior do que o constatado nos 12 meses anteriores, quando foram dizimados quase 10 mil quilômetros quadrados.
2. Esse aumento já é esperado?
Sem dúvida. O governo insiste em dizer que estaria promovendo o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Esse discurso é uma balela. O Exército foi chamado para ajudar no controle do desmatamento, mas o efeito ficou muito aquém do esperado. Fiquei muito surpreso quando ouvi o vice-presidente (Hamilton) Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia, afirmar que a redução do desflorestamento só ocorrerá se houver uma medida de regularização fundiária — em outras palavras, uma legislação que favoreça a grilagem. Achei que ele fosse mais sensato, porque essa é a mesma fala do ministro (do Meio Ambiente) Ricardo Salles. Eles ignoram que o desmatamento caiu em mais de 80% entre 2004 e 2012 baseado em apenas dois fatores: controle e punição.
3. Na reunião ministerial que veio a público, Salles disse que seu ministério deve “ir passando a boiada” e “simplificar normas” enquanto a cobertura da imprensa está voltada para a pandemia do coronavírus. O que o senhor acha sobre isso?
Essa reunião foi um circo de horrores. Essa conversa abjeta só mostra como, na área ambiental, o governo dará continuidade a uma agenda de destruição. Foi o caso quando, por exemplo, aprovou a exploração da cana-de-açúcar na Amazônia.
4. O senhor acredita que a política ambiental do governo Bolsonaro possa afetar a imagem da economia brasileira no exterior?
Já afetou. Há produtos brasileiros que sofrem boicote em vários países. Setores responsáveis do agronegócio reivindicam que o governo modere o discurso, mas foram avisados por Salles de que o presidente foi eleito com 100% de apoio de madeireiros e mineradores. Portanto, nossa imagem no exterior poderia ficar em segundo plano. E isso só piorou com a forma rudimentar como estamos tratando o coronavírus.
5. Mais de 140 indígenas morreram e aproximadamente 1.250 foram contaminados por Covid-19 até a última terça-feira. É possível evitar a invasão de Unidades de Conservação por pessoas contaminadas?
A tendência é que o contato entre indígenas e invasores só aumente. Isso não é uma surpresa. Em abril do ano passado, quando era diretor do Inpe, alertei ao Ministério do Meio Ambiente sobre o desmatamento crescente em terras indígenas. Era possível ver nas imagens de satélite. Nenhuma providência foi tomada.
6. Diversos órgãos do governo, como o Ministério da Saúde, o núcleo de fiscalização do Ibama e a cúpula do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) são comandados por militares. O mesmo poderá ocorrer com o Inpe?
Sim. Em breve haverá a escolha do novo diretor do Inpe e, a cada eleição, a Aeronáutica tenta “puxar” o Inpe para sua alçada. A militarização do Inpe seria uma péssima notícia. Este é, e deve continuar, um instituto civil, encarregado de funções como o desenvolvimento de satélites.
7. Depois de deixar a direção do Inpe, o senhor voltou a dar aulas na USP. Como seus alunos veem a situação atual do país?
São jovens mentes brilhantes que estão se sentindo sem perspectivas. Eles não veem a sociedade preocupada com o desenvolvimento do país, que deveria ocorrer baseado no conhecimento científico, e não na interferência política. A Covid-19 piorou ainda mais essa situação.
8. E o senhor?
Sinceramente, eu tinha uma certa esperança de que os militares coibissem os desatinos de Bolsonaro. Há cerca de 3 mil deles no governo, e o que vejo é que eles estão simplesmente aceitando as diretrizes propostas pelo presidente. Isso, para mim, é uma grande decepção.
9. O ministro deveria ser afastado de seu cargo?
Sem dúvida. Na verdade, Salles nem sequer deveria ser indicado para o ministério. O problema é que não sei se existe uma pessoa com bons princípios em relação ao meio ambiente que consiga trabalhar diante das ideias de Bolsonaro para a área.
10. O senhor se arrepende de denunciar o desmatamento e as queimadas? Acha que seu papel foi cumprido?
Não me arrependo, eu fiz o que devia ter feito. E não só por mim, mas porque o governo afirmou que os dados do Inpe eram mentirosos. Isso é a pior coisa que se pode dizer a um cientista. Todos os pesquisadores do Inpe sentiram esse ataque.
11 .Mas, se o senhor não fosse exonerado, estaria até agora no cargo. Não conseguiria fazer diferença e contribuir para combater o avanço do desmatamento?
Não conseguiria permanecer no governo até agora. É meu jeito de ser. Eu municiava o ministério com todas as informações necessárias para seu trabalho, mas era ignorado. Não estava dando certo.
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