Por que a Nasa passou quase dez anos sem realizar voo espacial nos EUA?
Por que a Nasa passou quase dez anos sem realizar voo espacial nos EUA?

Por que a Nasa passou quase dez anos sem realizar voo espacial nos EUA?

O lançamento espacial da Nasa e da SpaceX foi a primeira vez em quase dez anos que uma missão deste tipo — um lançamento de aeronave espacial tripulada — acontece em território dos Estados Unidos. Mas por que o país passou tanto tempo sem realizar uma missão assim dentro de suas fronteiras?

O último antes disso havia sido do ônibus espacial Atlantis, em 8 de julho de 2011, levando quatro tripulantes e material para a Estação Espacial Internacional.

Do pouso na Lua ao laboratório espacial

A última grande operação de exploração espacial nos EUA havia sido o programa Space Shuttle (“transporte espacial”). O projeto foi o sucessor da missão Apollo e da chegada do homem à Lua. Começou oficialmente em 1972 e, naquela década e a de 80, a Nasa concentrava quase todos os seus esforços em avançá-lo.

O sonho: construir a Estação Espacial Internacional (ou, em sua sigla em inglês, ISS). Para isso, seria necessário desenvolver uma forma reutilizável e, principalmente, eficiente (leia-se: de baixo custo) de transportar ao espaço os materiais necessários e as pessoas capacitadas para realizar o trabalho.

O programa atingiu alguns de seus objetivos. Em 1981, ocorreu o primeiro lançamento tripulado da nave Columbia. As naves Challenger, Discovery, Atlantis e Endeavour também logo estavam em atividade para os fretes, “carretos” e caronas interespaciais —foram 135 missões de sucesso.

Em um esforço coordenado com as agências espaciais russa, japonesa, europeia e canadense, que também realizaram lançamentos, os materiais necessários para a construção da ISS —desde as fontes de energia até todos os componentes da base— começaram a ser colocados em órbita em 1998.

Em 2000, a Estação já tinha seus três primeiros inquilinos, dois astronautas russos e um norte-americano que ficaram lá por 136 dias. O custo total estimado da construção da Estação é de US$ 150 bi.

A ISS é um laboratório flutuante do tamanho de um campo de futebol, que orbita a Terra a cerca de 400 km de distância, dando cerca de 15 voltas por dia em torno de nosso planeta.

A base é compartilhada entre os governos para que cientistas possam estudar o espaço e, principalmente, fazer experimentos em microgravidade, coisa que não pode ser realizada em nenhum outro lugar.

Mas a avaliação geral do programa Space Shuttle foi negativa. O projeto durou muito mais do que os 15 anos planejados inicialmente — foram 30 anos de missões. Fora isso, o custo estimado por voo em projeções iniciais era de US$ 10 mi. Na realidade, o custo por missão acabou passando de US$ 1 bi.

Além disso, os desastres com a Challenger, em 1986, pouco após a decolagem, e com a Columbia, em uma reentrada na atmosfera terrestre em 2003, custaram as vidas de 14 astronautas e deixaram um gosto amargo na opinião pública. O ciclo de missões do programa se encerraria em 2011.

Rússia vai lançar foguete?

A Nasa e o governo dos EUA ainda tinham interesse em explorar o espaço. O programa Constellation, iniciado em 2005, deveria tornar-se a nova operação principal. No entanto, considerado caro demais, atrasado demais e inovador de menos pela administração Obama, ele também não entrou no orçamento federal para 2011.

Para não perder a oportunidade imediata de ter cientistas em órbita e conduzir experimentos na ISS, o governo dos EUA passou a pegar carona nos lançamentos russos.

O recurso ainda é usado, mas isso deve acabar logo — cada “passagem”, ou assento a bordo de um foguete da Roscosmos, agência espacial russa, chega a custar aos EUA mais de US$ 90 milhões. A China é a única outra nação com a tecnologia para enviar e trazer humanos do espaço.

Desde 2011, ocorreu em solo norte-americano apenas alguns lançamentos de missões de carga, experimentos e lançamentos de teste (alguns dos quais falharam). Mas havia um plano.

Parceria no cosmos

Terceirizar seu programa espacial para outro país não é opção se você quer ser uma potência na exploração do Universo: a ciência e a tecnologia necessárias para isso precisam ser imaginadas, projetadas e testadas. Uma missão nada simples.

Já em 2010, antecipando o encerramento dos programas espaciais ativos, a administração Obama lançou o que podemos chamar de uma competição de design para as empresas mais inovadoras do segmento de transporte e aeronáutica no país.

As metas básicas para participar da concorrência eram: poder levar e trazer de volta uma tripulação de quatro pessoas mais equipamentos para a ISS; acoplar-se à ISS por 210 dias para garantir o retorno da tripulação em caso de emergência; servir como local de proteção em caso de emergência.

A licitação do Commercial Crew Development (“desenvolvimento de tripulação comercial”, CCDev na sigla em inglês) também previa recompensas extras para metas mais avançadas. Outro programa parecido, o Commercial Resupply Service (“serviço de re-fornecimento comercial”, ou CRS), para transporte de carga, também foi criado.

Às empresas e projetos escolhidos, o governo dos EUA daria um baita investimento inicial. Uma vez projetada e desenvolvida a tecnologia necessária, o governo pagaria pelo seu uso.

Os contratos do CRS foram assinados em 2008 e desde então renderam US$ 1,6 bilhões para a SpaceX e US$ 1,9 bi para a Orbital Sciences.

Já o CCDev, desde 2010, garantiu investimentos adiantados do governo dos EUA para a Boeing (US$ 4,8 bi), a SpaceX (US$ 3,14 bi), a Sierra Nevada Corporation (US$ 362 mi), a Blue Origin (US$ 25,7 mi), a United Launch Alliance (US$ 6,7 mi) e a Paragon Space Development Corporation (US$ 1,4 mi). O valor atualizado, na verdade, deve ser maior que isso.

Esse modelo de trabalho permitiu, no entanto, que várias empresas estivessem, ao mesmo tempo, desenvolvendo e testando diferentes designs e tecnologias de ponta em parceria com a Nasa.

Balanço espacial.

A Nasa pagou à SpaceX cerca de US$ 55 milhões por “passagem” a bordo da Crew Dragon, sem contar os investimentos adiantados que mencionamos. Foram anos de trabalho de design e engenharia de hardware e software, testes diversos, falhas diversas, até que o primeiro veículo tripulado finalmente fosse lançado. O lançamento é também a primeira vez que uma iniciativa deste tipo não é obra exclusiva da iniciativa pública.

A missão está em meio a seu teste mais rigoroso — já se acoplou à ISS, mas só no retorno seguro dos astronautas Robert Behnken e Douglas Hurley poderá ser declarado o seu sucesso.

Os veteranos Behnken e Hurley fizeram uma quarentena de duas semanas antes do voo, mas isso já era protocolo das viagens espaciais.

Mas a pandemia, claro, atrapalhou um pouco os planos. O lançamento foi atrasado, medidas extras de segurança foram tomadas e o evento não pôde ser aberto ao público. Ainda assim, a missão aconteceu em plena crise do coronavírus por ser considerada essencial para o país.

E agora?

Um novo lançamento está anunciado para agosto de 2020, uma missão de seis meses de duração com quatro astronautas — três norte-americanos e um japonês —, o primeiro de outros planos parecidos. A ideia das parcerias e dos investimentos massivos é abrir um novo mercado nos EUA, ligado à exploração espacial e iniciativas como a construção de bases e eventual população da Lua ou Marte.

Apesar do clima de celebração após o lançamento, as parcerias público-privadas entre a Nasa e o setor de tecnologia estão longe de ser unanimidade. Críticas ao alto custo dos investimentos, ao pouco retorno ao público e à desidratação da Nasa circulam desde o início da empreitada.

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