O Governo Bolsonaro é uma fraude
O Governo Bolsonaro é uma fraude

O Governo Bolsonaro é uma fraude

Em março de 2020, o Professor de Filosofia da USP, Vladmir Safatle, em entrevista ao Ex-ministro Fernando Haddad, fez as seguintes considerações: “A esquerda é o último bastião da sociedade brasileira. É a única que realmente acredita na lei. A direita nunca acreditou, porque ela quebra (a lei) quando (julga) necessário. A gente acredita, vai até o fim”. (veja a entrevista clicando aqui)

Parece difícil discordar do Prof. Safatle, senão vejamos, a partir destes poucos e recentes exemplos.

1) O ex-Presidente Lula foi condenado num processo tão escandalosamente parcial que tem o dom de fazer corar quem o lê. As irregularidades tiveram início na escolha do foro, continuaram ao longo de todo o processo e se coroaram com a sentença que não apenas ignorou a absoluta ausência de provas, como também, por não haver crime, precisou aludir à criativa figura do “crime indeterminado”. Não obstante, com rapidez ímpar, um tribunal de homens brancos a referendou em segunda instância. Num país em que três séculos e meio de escravidão forjaram uma elite furiosamente preconceituosa, as principais culpas de Lula talvez tenham sido as de ter nascido nordestino, quase preto de tão pobre e, crime maior, ter praticado a meritocracia, valendo-se de cada uma das poucas oportunidades que teve para se transformar no melhor Presidente da República da história do Brasil, pela métrica do julgamento popular ao término do mandato. Lula obedeceu à ordem de prisão e recolheu-se a uma cela onde passou 580 dias.

2) Conquanto suas habilidades políticas e de gestor possam ser discutidas, a ex-Presidenta Dilma é sabidamente uma pessoa honesta. Seu processo de impeachment foi conduzido por Eduardo Cunha, o deputado notoriamente corrupto que presidia a Câmara. Conivente, o STF, que dispunha de fartas evidências para condenar Cunha, administrou cuidadosa e artificialmente a sua agenda, de forma a permitir a permanência do deputado no cargo, até a conclusão do processo. Se Dilma cometeu, ou não, crime de responsabilidade parece ser assunto de menor relevância. A hipocrisia nacional admite abertamente que impeachment tem menos relação com crime de responsabilidade e mais com a existência de “condições”. Quando há “condições”, encontra-se um crime, algo sempre possível na hermenêutica flexível praticada sobre as ações presidenciais, notadamente aquelas de natureza contábil. Dilma obedeceu à ordem de seu afastamento e entregou o cargo ao seu vice.

3) Na campanha presidencial de 2018, Lula foi proibido de se candidatar à presidência, uma decisão polêmica, que contrariou o Comitê de Direitos Humanos da ONU o qual, em decisão liminar, recomendou a autorização da candidatura do ex-presidente. O Brasil é signatário do Tratado Internacional de Direitos Humanos e está vinculado às decisões do colegiado, mas a proibição da candidatura de Lula foi mantida. Além disso, o ex-presidente foi censurado, proibido de falar, de conceder uma simples entrevista, em outra decisão polêmica do STF. Fernando Haddad assumiu a candidatura do PT e, docilmente, participou do pleito.

Foi um erro. Um grave erro.

Correto teria sido sair da disputa e denunciar, em todos os tribunais, nacionais e internacionais, a todos os observadores estrangeiros que acompanharam as eleições de 2018 no Brasil, as irregularidades que acabaram com a legitimidade do certame.

A proibição da candidatura de Lula, a desobediência ao Comitê da ONU e a censura absurda imposta ao ex-presidente são apenas alguns dos elementos da fraude que teve início em 2018 e que prossegue, continuamente, até os dias de hoje.

Há outras, tão graves que se pode até deixar de lado aquelas sobre as quais a Justiça ainda se debruça, como as fakenews, as mentiras via whatsapp e outras das muitas irregularidades na campanha. É suficiente se ater às óbvias e irrefutáveis, como os exemplos que seguem.

Paulo Guedes admitiu publicamente que, ainda durante a campanha, consultara o juiz Sergio Moro sobre a possibilidade de ele assumir o Ministério da Justiça sob a presidência de Bolsonaro, o qual, aliás, também admitiu que prometera a Moro uma vaga no STF. Como este agiu diante das propostas que recebera? O juiz que condenara Lula sem provas e vazara criminosamente áudios seletivos da Presidenta Dilma vazou, às vésperas das eleições, áudios de Palocci, que o próprio Ministério Público julgara imprestáveis. Em entrevista à Rádio Gaúcha, o insuspeito de petismo, ministro Gilmar Mendes, acusou Moro, com todas as letras, de ter feito isso porque “interessava ao adversário do PT”.

A fraude continuava. Empossado, o ministro Moro cruzaria os braços diante da confissão de crime de caixa dois do ministro Onyx Lorenzoni, justificando sua inércia com uma argumentação singela: “ele já admitiu o erro”.

E a fraude continua. Bolsonaro comete crimes de responsabilidade praticamente diários. Participa de atos que pedem o fechamento do Congresso, do STF e a reedição do AI-5. Boicota as ações dos governadores e prefeitos que tentam controlar a disseminação do coronavírus. Contraria as recomendações sanitárias de seus próprios Ministros – no plural, mesmo – da Saúde. Interfere nas ações da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, mirando interesses pessoais de seus filhos e “amigos” etc, etc, etc.

Todavia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não pauta as dezenas de pedidos de impeachment porque, embora os crimes sejam evidentes, públicos e irrefutáveis, faltam “condições”.

E como se comportam as Esquerdas diante disso tudo? Como bem observado por Safatle, aceitam tudo olimpicamente, como “último bastião da sociedade brasileira”.

Há simetria? Ora, pergunte-se: como Bolsonaro reagiria a uma cassação da sua chapa pelo TSE? Aceitaria a decisão placidamente e entregaria o Palácio do Planalto e a administração da Nação a quem de direito? Alguém acredita nisso? Ou, ainda: como Bolsonaro reagiria a uma eventual derrota nas eleições presidenciais de 2022? Acataria o resultado, celebraria a democracia, estenderia a mão e entregaria a faixa a, por exemplo, Lula? Ou denunciaria as eleições e mostraria as hipotéticas provas que afirmou publicamente ter contra as urnas eletrônicas, sem jamais exibi-las ou voltar ao tema, praticando, de uma forma ou de outra, mais um crime de responsabilidade, seja pela mentira gravíssima, seja pela prevaricação.

O Brasil vive sob um regime fraudulento. O fato de partidos políticos terem aceitado participar das eleições de 2018 não dá legitimidade ao pleito, apenas atesta o erro estratégico desses partidos. O fato de eles não denunciarem a fraude em andamento ou aceitarem que suas denúncias não tenham continuidade e nem sejam processadas corretamente não faz do governo menos fraudulento.

Cabe, portanto, acusar Bolsonaro daquilo que ele é;

Uma fraude.

Um presidente ilegítimo.

Consequentemente, são fraudulentos e ilegítimos, todos os seus atos e os atos de todos aqueles que aceitam participar de sua administração.

São fraudulentos os Ministros de Estado e seus Secretários.

O Presidente do CNPq é uma fraude, o da CAPES é uma fraude.

Foi uma fraude a exoneração do Diretor do INPE, Ricardo Galvão, que tinha um mandato a ser cumprido.

O comitê de busca do próximo diretor do INPE, ora em curso, é uma fraude. Foi fraudulenta a sua instalação e fraudulenta a sua ação de prorrogar as inscrições, consta, por ausência de inscritos.

Um erro, mais um grave erro. Correto teria sido expor essa ausência, usá-la como ilustração da ilegitimidade do certame e se desculpar publicamente, cada membro do comitê, por ter aceitado participar dele.

Finalmente, já que me dirijo a um foro que tem suas especificidades: entristece-me, para ser moderado, o papel da SBPC e da ABC, que mantêm interlocução com esse governo. A SBPC e a ABC estiveram sempre corretas em sua ação apolítica e em sua busca de interlocução com governos de diferentes matizes e tendências. Mas isso não se aplica quando um governo é ilegítimo e fraudulento. Nesse caso, associações dessa natureza, justamente por sua história, respeitabilidade e erudição, poderiam e deveriam liderar um movimento que denunciasse interna (para os que não veem) e externamente, nos foros internacionais, que o Brasil tem um presidente fraudulento e ilegítimo e que, portanto, já não vive uma democracia.

Bolsonaro é um presidente fraudulento e ilegítimo e, como tal, deve ser imediatamente removido da posição que ocupa.

Que as filigranas jurídicas fiquem a cargo de quem possa cuidar delas.

A hora é de confronto.

Autor

  • Professor Titular aposentado do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, foi Secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (MCTI), Vice-reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Diretor do campus de São José dos Campos da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)