“Quando chegar o momento, esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido, esse grito contido
Esse samba no escuro”
(Trecho da canção Apesar de Você, autoria de Chico Buarque)
No último dia 21 de março o país estava de olho na 253ª reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), à espera da decisão sobre o patamar da taxa Selic (Sistema de Liquidação e de Custódia) ou taxa básica de juros da economia. O dia foi marcado por manifestações públicas de sindicalistas e recados de economistas, acadêmicos e políticos, por meio de redes sociais, seminários e entrevistas, em defesa da diminuição da taxa de juros. No fim, a decisão do COPOM foi manter o patamar de 13,75% frustrando largamente os setores que se sentem prejudicados por essa decisão que, pasmem, são a maioria da população brasileira. A manutenção da Selic em 13,75% coloca o Brasil na posição mundial de campeão dos juros altos em termos reais, ou seja, descontada a inflação. É o nosso 7 x 1 na economia, considerando que, diante de uma inflação de 12 meses de 5,60 (IPCA-IBGE), temos a diferença entre ambos de 7,71%.
A justificativa dos tomadores de decisão é controlar a inflação, cuja meta alvo para 2023 é 3,25%, mas tem caroço nesse angu. Os juros altos podem funcionar bem para conter um excesso de pessoas, indústria, governo e setor externo comprando produtos e serviços acima da quantidade ofertada. No entanto, é de conhecimento público e notório que temos atualmente no Brasil (e no mundo) uma inflação de custos, atuando sobretudo no segmento de energia, além de choques de oferta, implicando na diminuição de oferta de insumos básicos como fertilizantes, a partir da guerra Rússia x Ucrânia, ou motivado pela desorganização de cadeias globais a partir da escassez de microchips para diversos segmentos da indústria desde o cenário de pandemia.
Se são descartados os motivos alegados para manter no Brasil as maiores taxas de juros reais do mundo, cabe compreender os reais motivos. Parece-nos um bom caminho identificar quem ganha e quem perde com esse quadro. Em suma, perdem todos, menos o setor rentista da economia que recebe juros em patamares surreais. Ao final de 2022 o retrato dos credores da dívida pública era: instituições financeiras (29,1%), fundos (sobretudo de investimentos) (24%), previdência (22,8%), não-residentes (9,4%), governo (4,3%) e seguradoras (4%). O grande público que compra tesouro direto o faz por intermédio de instituições financeiras, e por isso não consta nessa distribuição em separado.
O setor produtivo perde porque depende de empréstimos para realizar investimentos. Com o dinheiro caro, as margens de lucros ficam comprimidas ou negativas, inviabilizando a decisão de investir, entendido como ampliação da capacidade produtiva. As famílias perdem, pois, sem investimentos não há empregos, e ainda assistem à diminuição da sua renda, capturada pelo setor rentista através dos altos juros para financiamento de bens, bem como por meio dos juros galácticos do cheque especial, do cartão e de outras modalidades de crédito ao consumidor. O governo perde, pois passa a destinar mais recursos do orçamento para o pagamento de juros e amortização da dívida. Com isso, sobra menos para investimentos e outras demandas, inclusive as essenciais. As amarras aos gastos públicos interferem também nos gastos privados, pois o governo é o maior demandante da economia e o único ator capaz de promover investimentos que não interessam ao setor privado, mas sem os quais o setor privado também se inviabiliza, como são os gastos em infraestrutura.
Os servidores públicos federais perdem com impeditivos para a recomposição de salários, com a ausência de concursos públicos para a reposição do quadro de servidores e com a falta de investimento nos setores em que atuam. Não custa lembrar que os salários dos servidores públicos de todos os níveis já tinham teto de gastos mesmo antes da PEC do Teto de Gastos, pois já estavam regrados pelos limites dispostos na Lei de Responsabilidade Fiscal, a PEC 95 de 2019. Os resultados da mesa de negociação nacional já instaurada dependem muito diretamente da quantidade de recursos disponíveis no orçamento, que por sua vez depende de quanto o setor rentista deixa sobrar. Parece um exagero, mas infelizmente não é.
A próxima reunião do Copom será no dia 5 de maio. Até lá muita água precisa rolar para mover as pedras que atravancam o caminho das famílias, das empresas que querem investir e do governo que quer recuperar sua capacidade de fazer política por meio de investimentos e atendimento de demandas sociais.