Neste 3 de agosto de 2020, o INPE completa 59 anos. A tradicional cerimônia comemorativa foi restrita a 30 pessoas, porém transmitida pela internet. Um recorte dos melhores momentos da comemoração da efeméride fundamenta-se no depoimento de servidores que alcançaram longevas marcas de dedicação à instituição e a significativa mensagem que passaram alguns de seus ex-diretores. Estes últimos destacando que o INPE é uma organização civil, de Estado que não deve se submeter aos caprichos de governantes e dirigentes de ocasião. E que também a excelência e o reconhecimento alcançados pelo aniversariante é fruto de uma construção coletiva ao longo destes 59 anos, baseada no mérito e no trabalho em equipe. Estas declarações dos ex-dirigentes reconhecem o passado glorioso e apontam o caminho para um futuro promissor, pois desafios como a falta de recursos orçamentários e o envelhecimento do quadro funcional exigem do diretor, a ser em breve escolhido, criatividade, arrojo e diálogo permanente com as comunidades, interna e externa. A participação de servidores, que por muitos e muitos anos têm se dedicado ao INPE, complementa a fala dos antigos dirigentes e destaca o que de melhor a instituição apresenta, a dedicação e o afinco de seus servidores que, mesmo durante as mais rigorosas crises, não foram seduzidos por melhorias salariais e continuaram a entregar à sociedade os produtos de seu trabalho. Esta dedicação pode ser sintetizada numa única palavra: orgulho. Orgulho de fazer parte de uma organização na qual os servidores têm a mais nobre missão que se pode almejar: servir à sociedade.
A lista de realizações do INPE, ao longo dos seus 59 anos, não é pequena. Dentre elas, podemos citar o desenvolvimento de satélites, os programas de pós-graduação, a criação do CPTEC, do LIT e dos, hoje polêmicos, sistemas de monitoramento do desmatamento na Amazônia.
Desde sua criação, o INPE foi concebido como uma instituição civil independente, a serviço do Estado, para ser o principal órgão de execução para o desenvolvimento das pesquisas espaciais.
O Brigadeiro Aldo Weber Vieira da Rosa, conhecido como “criador do INPE”, contou em entrevista e o SindCT, em 2007, como foi todo o processo de criação do instituto, desde a elaboração do decreto, a formação dos membros da Comissão, até a doação das instalações em São José dos Campos, que eram parte do DCTA.
O Brig. Aldo deixou o INPE em 1963 e se mudou para os Estados Unidos. Sempre defendeu o INPE como uma instituição civil. O mesmo para o Programa Espacial. Na visão do Brigadeiro, comparar o Programa Espacial Brasileiro como o americano, militar, não condiz com a realidade de nosso país: “O programa espacial americano é o resultado de íntima cooperação entre NASA e o Pentágono. Mas, como disse, isso não justifica automaticamente um arranjo semelhante no Brasil.”
O sucessor de Aldo na direção do INPE foi o engenheiro Fernando de Mendonça, primeiro diretor oficial do instituto.
Mendonça era militar, concluiu o curso de engenharia no ITA. Em 1958, recebeu o prêmio máximo da Shell por planejar e construir a Minitrack Mark II, para acompanhar satélites artificiais. No ano seguinte, foi para a Universidade Stanford, nos Estados Unidos, onde fez seu doutorado.
Na volta para o Brasil, assumiu a direção do INPE. “Fiquei decepcionado porque eu tinha apenas uma kombi velha, um telefone que não funcionava, um cabo e um praça que eram os ajudantes do GOCNAE. Então fui obrigado a batalhar junto ao Ministério do Planejamento, na época, recursos para formatar o INPE.”
Em 1966, Mendonça consegue a expansão de projetos e novos programas de cooperação nos Estados Unidos (GRANADA, POEIRA, EXAMETNET, NEUTRON, AEROBEE) e na Alemanha (teste do Satélite Alemão). Tais projetos foram executados na Base de Lançamento da Barreira do Inferno.
O INPE viveu seus tempos áureos na década de 80, com vastos recursos para o desenvolvimento de projetos e uma grande quantidade de servidores, muitos dos quais capacitados internacionalmente, através de um programa elaborado pelo primeiro diretor do INPE, Fernando de Mendonça, como ele próprio contou em entrevista ao SindCT.
Hoje, assim como todas as instituições de pesquisa no país, o INPE enfrenta escassez de verbas e de recursos humanos. Após a exoneração de Ricardo Galvão, em 2019, restando ainda 13 meses de mandato, depois da divulgação do aumento do desmatamento na Amazônia, a pedido do presidente da República, foi nomeado um interventor militar, que iniciou uma reestruturação no INPE sem a participação da comunidade, enquanto o instituto passa por um processo de busca do novo diretor. No mês passado, aconteceu a exoneração da Coordenadora de Observação da Terra, Lubia Vinhas, coincidentemente, após nova divulgação dos dados do desmatamento.
Há um grande receio da comunidade científica de que, após 59 anos consolidado como uma instituição pública civil, o INPE seja militarizado, contrariando tudo o que foi proposto desde sua concepção.
Parece que Mendonça era mesmo um visionário, pois foi ele quem afirmou, há mais de 5 anos, que “a tendência do INPE é entrar em decadência”.
Entrevista realizada em julho de 2007
São José dos Campos, em menos de 50 anos, passou da condição de pouco mais de uma vila para uma cidade que é referência mundial em desenvolvimento científico e tecnológico, abrigando desde fábrica de aviões e automóveis até as mais modernas indústrias químicas, eletrônicas e farmacêuticas. Evidentemente que muitos contribuíram para que nossa cidade alcançasse esse estágio, mas dentre eles destaca-se a mente brilhante do Brigadeiro Aldo Weber Vieira da Rosa. Vindo para São José dos Campos em 1952 para lecionar no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), onde foi professor até 1962, entre as inúmeras atividades que aqui desenvolveu destacam-se: Diretor do CTA, criador e Diretor por 7 anos do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD) do CTA, fundador e primeiro presidente da Comissão Nacional de Atividades Espaciais, hoje INPE, além de estar na origem da Neiva, fábrica que chegou a ter 800 empregados e equipou a FAB com o Regente e o treinador Universal (que foi exportado para outros países sul-americanos).
Como se percebe, o desenvolvimento industrial e tecnológico de São José dos Campos facilmente se confunde com a passagem deste catarinense de Florianópolis por nossa cidade. Mas seu currículo abriga também posições de suma importância, como Presidente do CNPq, Presidente da Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (CODETEC), em Campinas, SP, além da participação em Conselhos de Administração de importantes empresas nacionais e estrangeiras. Ele não diz, mas suspeitamos que mais do que qualquer título ou posição que ele galgou em toda a sua carreira profissional, do que ele mais se orgulha é ser nadador no programa de “Masters”, com 41 recordes mundiais e 99 recordes americanos em vários estilos de natação, tendo sido eleito para o International Master Swimming Hall of Fame.
Atualmente com 86 anos, leciona na Universidade de Stanford (USA), a mesma universidade na qual obteve o seu PhD e onde é professor emérito.
O Professor Aldo gentilmente atendeu a solicitação do SindCT para conceder uma entrevista, na qual conta um pouco de sua história, principalmente naquela parte em que ele contribuiu fundamentalmente para colocar São José dos Campos na privilegiada posição que hoje ela ocupa.
1. Na década de 40 o senhor foi enviado para a Stanford University fazer um curso de engenharia de rádio para a navegação área e acabou fazendo pós-graduação em Harvard. O senhor poderia detalhar esta sua passagem pelos Estados Unidos e quais as dificuldades encontradas como estudante em Stanford e Harvard?
Em 1941 a marinha americana, num programa de aproximação com as forças armadas do nosso país, convidou 2 oficiais brasileiros para uma prolongada visita durante a qual serviriam numa base naval dos Estados Unidos. Por razão que nunca descobri, fui um dos escolhidos; o outro foi o então Capitão Hélio Costa. Durante parte do primeiro ano ficamos estacionados na Base Aérea Naval de Anacostia nos arredores de Washington, DC. Logo após o ataque a Pearl Harbor, os Estados Unidos declararam Guerra ao Eixo. Isso não alterou a nossa situação, mas como o Hélio Costa desenvolveu uma forte alergia, fomos aconselhados a nos mudar para a Costa Oeste do país onde passamos a ser baseados na Base Aérea de Alameda, nas cercanias de Oakland, Califórnia. Passamos lá o resto dos quatro anos da nossa visita. Os americanos logo descobriram que, se me mandassem para a frente de batalha, eles certamente perderiam a guerra. Consequentemente, me mantiveram na Califórnia e me deram missões de tal maneira limitadas que me sobrava um mundo de tempo livre. Como Alameda fica perto de Stanford, decidimos, Hélio Costa e eu, a aproveitar o tempo e entrar para a Universidade de Stanford. Ambos optamos pela engenharia elétrica. Tendo passado a minha infância em Florianópolis onde, na época, falava-se tanto alemão como português, e sendo minha mãe natural da Alemanha, a minha primeira língua foi o alemão. Isso permitiu que eu frequentasse a Escola Alemã local onde recebi a melhor instrução de todas escolas onde estive. Estudos secundários eu os fiz no Colégio Militar do Rio de Janeiro, outra excelente escola. Em contraste, o ensino na Escola Militar do Realengo era um pouco abaixo do medíocre. Foi assim que, com um preparo de menos de 4 anos de curso superior, apresentei-me a Stanford com pretensão de tirar um curso de pós-graduação. Combinamos que, se eu me desempenhasse bem no primeiro trimestre, eu seria de fato, aceito para pós-graduação. Os três primeiros meses em Stanford foram os mais duros da minha vida escolar mas tive sorte e continuei no nível que almejava. Após 2 anos de estudo fui enviado para Harvard onde existiam laboratórios adequados para as pesquisas de minha tese. Hélio Costa e eu obtivemos o diploma de Electrical Engineer, um grau acima do mestrado e abaixo do PhD Recebi, mais tarde o PhD de Stanford. Nunca obtive um diploma de Harvard. Fiz pesquisas lá, mas os diplomas que recebi foram de Stanford. Dificuldades não houve. O ambiente era grandemente acolhedor e o ensino e a oportunidade para a pesquisa tornavam a vida muito interessante.
2. Qual foi a sua participação na criação do ITA e do CTA?
Quando regressei ao Brasil após minha estada nos Estados Unidos, fui trabalhar na Diretoria de Rotas Aéreas (14/6/45) sob direção do Brigadeiro Eduardo Gomes. Na época, o Diretor do Material da Aeronáutica era o Coronel Casimiro Montenegro Filho. As duas diretorias compartilhavam do mesmo edifício no Aeroporto Santos Dumont. Montenegro tinha criado a Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica (COCTA). Fui nomeado para participar dessa comissão (8/2/46) mas praticamente nada contribuí porque estava 100% ocupado com o meu trabalho na Diretoria de Rotas Aéreas. Só em 26 de junho de 1951 fui transferido para São José dos Campos, ostensivamente para servir no CTA “a fim de exercer as funções de Instrutor da Divisão Eletrônica no Instituto Tecnológico de Aeronáutica…”, mas realmente para trabalhar junto a Direção-Geral do Centro. Pouco depois de lá chegar, fui designado (em 17/9/51) para chefiar a Delegação Brasileira à Conferência Administrativa Extraordinária de Rádio-Comunicações em Genebra de onde só voltei em fins de dezembro. Assim, meu contato real com CTA começou, essencialmente, em princípios de 1952, quando o Centro já estava em funcionamento e bem instalado em São José dos Campos. Posso assim dizer que pouco ou nada contribui para a criação do CTA. É oportuno fazer os comentários abaixo: É mais fácil convencer o Congresso Brasileiro a aprovar uma verba para uma organização não existente, do que obter a aprovação de uma lei criando uma organização nova (a qual, inevitavelmente, nasceria emperrada por regulamentos pormenorizados que nossos legisladores gostam de impor). Não houve uma lei que especificamente criasse o CTA. Ele nasceu simplesmente porque uma verba — “1.6.19.5 – Despesas de qualquer natureza com a operação do Centro Técnico de Aeronáutica” — foi aprovada. Uma lei orçamentária não deixa de ser lei, e isso sancionou a criação do Centro. A flexibilidade dessa alínea orçamentária, absolutamente excepcional no nosso país, foi essencial para dar partida a uma organização destinada a romper com a tradição reinante. A incrível habilidade do Casimiro Montenegro para contornar as complicações de uma burocracia entrincheirada, foi uma das causas do sucesso do CTA. Tática semelhante ele usou para criar o ITA que, dentro da rotina normal, teria que ficar sob égide do Ministério da Educação, o que seria um golpe de morte para as ideias de criar uma escola moderna no Brasil. Quando o Ministro da Educação fez uma extensa viagem pela Europa, Montenegro aproveitou a oportunidade para obter a aprovação de um ITA dentro do muito mais arejado Ministério da Aeronáutica.
3. A instalação de institutos de pesquisas em torno do ITA foi uma concepção baseada nos grandes centros de pesquisas norte-americanos. Quem foi o idealizador desta ideia na criação do CTA?
Em traços gerais, a ideia que norteou o CTA foi inteiramente gerada pelo Brigadeiro Montenegro. O modelo do CTA não pode ser considerado como uma cópia de instituições americanas. Foi mais uma adaptação de idéias americanas e europeias às necessidades brasileiras.
4. O senhor foi professor do ITA na década de 50. Por quanto tempo lecionou lá e como era o ambiente acadêmico naquela época?
No que diz respeito ao ensino, houve de fato uma tentativa de adotar o modelo Americano que contrastava grandemente com a experiência brasileira. Para isso, foram importados professores dos Estados Unidos e um americano, com boa experiência no campo, Richard Smith, do MIT, foi nomeado o primeiro Reitor do ITA. O resultado foi a criação de um ambiente acadêmico muito mais livre e mais flexível que o dominante no Brasil naquela época. O ensino passou a ser mais pragmático, menos livresco. O espírito do corpo docente era excelente e entusiástico. A principal diferença entre as normas do ITA e as americanas foi a de oferecer um curso de graduação de cinco anos em vez de quatro. Ensinei no ITA durante uns três ou quarto anos.
5. Em 1953 o senhor foi designado para a chefia do Núcleo de Pesquisas do CTA, que depois veio a se tornar o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), atualmente incorporado ao Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). Ou seja, o senhor está na origem do Programa Espacial Brasileiro. Qual era a visão dos técnicos, cientistas e administradores na época?
Se me permite uma digressão, gostaria de inserir aqui um comentário sobre o que acho ser o sistema ideal para a pesquisa num país em que impera a livre iniciativa. A pesquisa fundamental, arma essencial para atrair bons professores e motivar alunos, deve ser conduzida na Universidade. Pesquisa fundamental em órgão do governo, só em casos excepcionais, quando razões de sigilo isso demandarem. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico dever ser feito na própria indústria privada que vai comercializar o produto pois é difícil transferir tecnologia de quem a criou para quem vai produzir. Um desenvolvimento tecnológico pode constituir um grande risco financeiro especialmente para as pequenas empresas privadas que são justamente aquelas que têm a maior capacidade de inovação. Para que a tecnologia venha a florescer entre nós, deve o governo reduzir esse risco através da emissão de contratos de desenvolvimento. A especificação dos contratos e o acompanhamento dos trabalhos não pode ficar nas mãos de burocratas, mas tem que ser feitos por pessoal científico competente que, para se manter atualizado, deve trabalhar em pesquisa. Esse é o racional para a existência de Institutos governamentais de pesquisa. Mas, não se pode perder de vista que a função precípua desses institutos é a de interagir com a indústria privada. Dentro dessa filosofia, propus a fundação do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD) dentro do CTA. O IPD se compunha de quatro departamentos correspondendo a quatro áreas de mais imediato interesse do Ministério da Aeronáutica: Aeronáutica (PAR) Motores (PAM) Eletrônica (PEA) Materiais (PMR) Desses departamentos, longe o maior, era o PAR que congregava numerosas atividades distintas. Entre outras, “Projeto Focke” incumbido do desenvolvimento de helicópteros e de convertiplanos. Esse projeto foi um pouco ambicioso demais para as condições brasileiras da época. Comentários sobre esse projeto e sobre as causas do insucesso, assunto de grande importância, não cabem aqui. Note-se que o Projeto Focke precedeu a fundação do PAR. Homologação de aeronaves. Contratação de projetos de desenvolvimento e comercialização visando o soerguimento da indústria aeronáutica brasileira. O PAR promoveu o renascimento dos aviões CAP-4 que passaram a ser conhecidos como Paulistinha e que foram industrializados em número elevado pela Neiva. Promoveu também o desenvolvimento na indústria brasileira de vários aviões que tiveram um certo sucesso comercial incluindo exportação. Foram comercializados aviões para observação (que equiparam as esquadrilhas de ligação e observação [ELO] da FAB); aviões para uso em agricultura; aviões para uso privado, tal como o Regente, um quadriplace que também foi adotado FAB; um avião de treinamento avançado apelidado “Universal” (ao custo de cerca de US$250.000 cada) que foi item de exportação e cuja produção atingiu 125 unidades. O PEA desenvolveu equipamento para equipar estações de aerovias (por exemplo, transmissores de baixa potência, apelidados de “Minipot” que foram comercializados), equipamento para a comunicação em VHF para uso em aeronaves (eventualmente produzidos comercialmente pela firma Pontes e Morais) e outros equipamentos eletrónicos para a FAB. O PMR desenvolveu processos para a extração de germânio e de gálio a partir do carvão de Santa Catarina. Naquela época, germânio, um material relativamente raro, era o único usado na fabricação de transistores. O silício veio mais tarde. O PAM desenvolveu motores exóticos (pulso-jatos) que não chegaram à comercialização.
6. Em 1956 o senhor foi nomeado presidente do CNPq pelo presidente JK. À época esta instituição reunia grande parte dos pesquisadores do Brasil. Sua nomeação, por ser um militar, causou enorme descontentamento naquela órgão e o senhor sofreu uma série de ataques e difamações, como por exemplo, d´O Globo, que ironizou a sua nomeação com a seguinte nota: ” A única notícia que se tem do coronel Vieira da Rosa, em matéria de ciência ou de técnica, é uma publicada ontem num vespertino: esteve nos Estados Unidos onde fez um curso de rádio e se inscreveu como passageiro no primeiro foguete interplanetário que fizer, daqui a cem anos, a sonhada viagem à Lua.” O senhor poderia detalhar este episódio e comentar a sua passagem pelo CNPq?
Não posso dizer que enfrentei com prazer a campanha que fizeram contra mim quando fui nomeado presidente do CNPq. Por outro lado, confesso que ela tinha um certo fundamento. Na verdade eu não tinha credenciais científicos – ainda não tinha o meu PhD, e não tinha publicações sérias (em pequena parte porque durante a guerra, quando estudava em Stanford, não se encorajava publicar resultados de pesquisas). Se a situação fosse invertida, se eu fosse um cientista brasileiro e visse um militar assumir o Conselho, é bem possível que eu me tivesse aliado à campanha. A afirmativa do Globo de que eu me inscrevera numa lista como passageiro num foguete interplanetário, pode ter tido um certo valor como comédia, mas foi, obviamente, pura fantasia. No entanto, se tal lista de fato existisse, eu talvez a ela subscrevesse. A campanha acabou abruptamente quando visitei o Brigadeiro Eduardo Gomes. que tinha muita influência com o editor do Globo. Ele pegou o telefone, na minha frente, e sugeriu, em termos bastante firmes, que seria boa idéia abandonar o assunto. Quando aceitei a posição eu prometi a mim mesmo, um período de uns quatro meses para me ambientar e preparar um plano de ação. Porém um acidente na França terminou o meu mandato antes de ter firmado tal plano, mas intelectualmente eu já havia diagnosticado uma das dificuldades principais do Conselho. Dizia-se, naquela época (sem muito exagero) que o Brasil tinha mais aceleradores nucleares que físicos nucleares. De fato, havia um An der Graaf em São Paulo, um ciclotron em Niterói, um Cockrof-Walton no Rio. Claro que para avançar a pesquisa entre nós precisávamos aumentar substancialmente o plantel científico brasileiro. Isso sugeria um vigoroso programa de apoio às universidades e um maciço programa de bolsas no exterior.
7. O senhor é conhecido como o “o criador do INPE”. Poderia nos contar como surgiu a ideia, como se viabilizou a sua criação e descrever a sua passagem como primeiro diretor do INPE?
Na percepção pública, a era espacial começou com o lançamento do satélite russo “Sputnik” embora antes disso já houvesse sociedades em muitos países reunindo entusiastas do assunto. No Brasil, a Sociedade Interplanetária Brasileira, SIB, promovia reuniões regulares para debater tópicos de interesse. Luiz Gonzaga Bevilaqua o presidente da SIB (e também o presidente do Aeroclube de Bauru) em conjunto com Tomás Pedro Bun, elemento muito ativo na SIB, animados pela publicidade criada pelo primeiro voo extraterrestre, escreveram uma carta de três páginas para o então Presidente Jânio Quadros sugerindo que “o Brasil não poderia se omitir no campo das atividades espaciais”. Caracteristicamente o Presidente enviou imediatamente a carta paro o Chefe da Casa Militar, General Pedro Geraldo de Almeida, com o despacho lacônico: “General, execute.” Como a carta, na verdade, não propunha nada de concreto, não havia nada para executar. Calculo que o General tenha passado por momentos de indecisão, mas logo se lembrou de que eu, durante a minha curta passagem pelo Conselho Nacional de Pesquisas, tinha sido acusado de ter-me inscrito como “passageiro no primeiro foguete interplanetário” . Embora claramente fictícia, tal inscrição deu ao General uma oportunidade de passar o problema para diante. Recebi um telex com ordem para ir a Brasília. Quando cheguei ao Palácio do Planalto, o General me mostrou a carta e perguntou “o que você acha que eu devo fazer?. Assegurei que o problema seria resolvido. Usando uma máquina de escrever da Casa Militar, e me lembrando da receita burocrática para atacar qualquer problema desconhecido, redigi uma sugestão para uma ordem presidencial criando um grupo para estudar o assunto. Dentro do estilo do Jânio Quadros, dei 45 dias para o grupo esboçar a posição do Brasil relativa aos problemas espaciais e propor um plano de ação. Sugeri a composição seguinte: pus o meu nome por ter sido o chamado pelo General, adicionei os signatários da carta (Bevilaqua e Bun), e, para presidente do grupo, propus o nome do Almirante Octacílio Cunha (então presidente o CNPq). Tínhamos assim dois civis e dois militares (Aeronáutica e Marinha). Para equilibrar a parte militar indiquei também um representante do exército que servia, na época, no Instituto Militar de Engenharia. O Presidente, sem perder tempo, oficializou minha sugestão fazendo apenas uma modificação – eliminou o representante do exército. O “Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais” (GOCNAE) funcionou com quatro membros (um mais do que a fórmula ideal de três membros, dos quais um de férias e o outro doente). O grupo passou a se reunir no terceiro andar do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, local de fácil acesso para os membros que vinham de avião de Bauru, São José dos Campos e Rio de Janeiro. Muito deveu o grupo à colaboração de Paulo Tolle, um advogado especializado em Direito Espacial (e, mais tarde, Presidente do Senai em São Paulo). Dentro do prazo de 45 dias preparamos um documento esboçando a rota que, julgávamos, o Brasil deveria tomar começando pela criação da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (que mudou de nome para Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE) para a qual fui nomeado presidente. Mas a CNAE não foi criada de imediato pois, nesse ínterim, Jânio Quadros pede demissão, lançando o país na confusão. Seguiu-se um período de intensos esforços para convencer o sucessor, João Goulart, a efetivamente aprovar a criação da CNAE. Formada a CNAE, a primeira tarefa foi a de obter um local para o seu funcionamento. Como eu era Presidente da CNAE sem prejuízo das minhas funções no CTA, era imperativo que a Comissão se localizasse em São José dos Campos, de preferência nas cercanias do CTA. O Brigadeiro Montenegro concordou em ceder parte da área do Centro Técnico de Aeronáutica e obtivemos o beneplácito do MAer para tal cessão. Outra concessão feita por Montenegro foi permitir que o então Coronel Sérgio Sobral de Oliveira (futuro Prefeito de São José dos Campos) viesse a trabalhar comigo. É importante salientar a boa vontade de todas autoridades e o apoio entusiástico que recebi do MAer e, em particular do CTA. Uma importante contribuição inicial que Sobral fez para o INPE foi a progressiva mudança da cerca que separava o CTA do INPE. Cada vez que eu voltava de minhas múltiplas viagens, a nossa área tinha crescido um pouco. Lentamente, fomos erigindo os prédios que necessitávamos e iniciando modestamente nossas atividades. Para mim, a presidência da CNAE não era a realização das minhas ambições. Eu planejava, já há tempos, voltar para Stanford. Consequentemente, eu visualizava uma CNAE dirigida por um elemento bem atualizado no campo: o Fernando de Mendonça que, na ocasião estava terminando o seu PhD em Stanford. Infelizmente, o seu posto de Capitão, fazia com que elementos dos Ministérios militares, que tinham grande influência nos destinos da CNAE, se opusessem à nomeação do Mendonça para me substituir. Percebiam isso como uma função de Coronel ou de Capitão de Mar e Guerra, não de um mero Capitão. Felizmente, o Prof. Abraão de Moraes, num espírito de abnegação e cooperação aceitou o encargo de me substituir na presidência da CNAE até que o clima para a nomeação do Mendonça se tornasse mais favorável.
8. Depois de sua passagem pelo INPE são raras as referências sobre a sua atuação no país. O senhor ocupou outros cargos públicos no Brasil?
A presidência do INPE foi meu último cargo público no Brasil. Saí do INPE em 1963 diretamente para Stanford onde terminei o meu PhD em 1965 e onde leciono desde então. No momento (2004) sou professor emérito de engenharia elétrica e conduzo dois cursos sobre fundamentos de processos energéticos. No entanto, não me desliguei completamente da nossa terra. Por muito tempo, passava a metade do ano nos Estados Unidos e metade no Brasil onde trabalhava na Universidade de Campinas e onde fundei a Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (CODETEC). Só nesses últimos anos tenho permanecido o tempo todo em Stanford.
9. O senhor é um pioneiro do programa espacial brasileiro e deve ter acompanhado a sua evolução histórica. Como o senhor avalia o programa?
Todas vezes que visito o INPE me surpreendo em ver o magnífico compus que foi criado a partir do modesto começo em 1956. Mais ainda me surpreende a magnitude e o escopo das atividades em andamento hoje em dia. Não posso negar o orgulho que sinto por ter compartilhado um pouco na criação dessa organização. Lamento apenas que não fiz o necessário esforço para me manter realmente em dia com tudo que o INPE realizou e planeja para o futuro.
10. Recentemente foi divulgado o relatório oficial das investigações sobre as possíveis causas do acidente de Alcântara. O senhor tomou conhecimento do relatório? Qual a sua opinião sobre o relatório e sobre as causas do acidente?
Quando penso nos nossos colegas que perderam a vida no acidente de Alcântara sinto a dor que isso causou a todos membros do INPE e CTA, principalmente aos membros das famílias dos que deram a vida pelo progresso da nossa terra. Embora eu tenha lido o relatório do acidente, não tenho a arrogância de comentar sobre o mesmo. Espero apenas que tal acidente não venha a perturbar a marcha dos trabalhos que o INPE tem a executar.
11. O Programa Espacial Brasileiro deve continuar sob o comando militar? Como deveria ser a interação civil/militar? O senhor poderia falar sobre a experiência norte-americana nesta área e opinar se ela seria adequada ao Brasil.
Devemos ter grande seletividade no escolher aquilo que copiamos do estrangeiro. O modelo americano deve ser copiado por países com população e recursos idênticos aos dos Estados Unidos. Esse não é o caso do Brasil onde o nosso povo, em suas qualidades e seus defeitos, difere bastante dos norte americanos. Mesmo na tecnologia, um campo relativamente simples, aquilo que funciona bem lá pode fracassar entre nós. Precisamos desenvolver a nossa própria tecnologia, uma apropriada para as nossas circunstancias. Temos pouco combustível fóssil, consequentemente devemos desconfiar da petroquímica. Temos grande potencial hídrico, consequentemente temos que pensar na eletroquímica. Temos área, temos sol e temos vento. Vamos esperar que outros aprimorem a tecnologia para seu uso para depois adquiri-la pagando direitos e royalties? Ou devemos almejar sermos nós mesmos os que cobram tais direitos e recebem tais royalties? O programa espacial americano é o resultado de íntima cooperação entre NASA e o Pentágono. Mas, como disse, isso não justifica automaticamente um arranjo semelhante no Brasil. A cooperação entre as forças armadas e as entidades espaciais civis pode trazer uma grande eficiência. Pode também gerar ciúmes e atritos. Devemos, a cada oportunidade reexaminar essa colaboração. Precisamos fazê-lo pragmaticamente pondo de lados predisposições emocionais. O acidente de Alcântara marca um dos vários momentos em que um tal reexame é oportuno.
12. O ambiente de excelência profissional gerado pela criação do CTA e do ITA transformou a cidade de São José dos Campos e o Vale do Paraíba em um polo para o florescimento das chamadas tecnologias de ponta, sediando inúmeras indústrias. E principalmente com a criação da EMBRAER, tornou-se a principal referência da indústria aeroespacial do país. Com a atual crise econômica pela qual passa o Brasil, principalmente na questão da falta de empregos, o senhor acredita que aquele modelo já está superado? Qual seria uma alternativa para geração de empregos no Vale do Paraíba?
Grandes centros de cultura geram, automaticamente, em torno de si áreas de prosperidade. Stanford gerou o Vale do Silício. De maneira bem menor, CTA gerou o polo industrial de São José dos Campos. Flutuações econômicas ocorrem e são inevitáveis, mas, enquanto o ITA for um centro de ensino de alta qualidade, o futuro a longo prazo da região está assegurado.
Entrevista elaborada por Acioli Antônio de Olivo
Entrevista realizada em Novembro de 2014
Engenheiro eletrônico, PhD em Radiociências em Stanford, fundador e primeiro diretor do INPE e ex representante do Brasil na NASA, ele diz que não há reposição de pessoal no instituto e critica o CBERS Ele foi diretor científico do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), criado em 1961 pelo presidente Jânio Quadros e considerado o embrião do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Representou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) junto à NASA, a agência espacial norte- -americana, posto que lhe permitiu manter contatos fundamentais, nos Estados Unidos, para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e para a futura fundação do INPE. Tais credenciais fizeram do engenheiro eletrônico Fernando de Mendonça um dos fundadores do INPE — e seu primeiro diretor. Em 1977, após deixar o instituto, Mendonça foi diretor- executivo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), até 1982.
Apaixonado por castelos medievais, esse PhD em Radiociências pela Universidade de Stanford construiu dois em São José dos Campos, e foi numa torre que recebeu a reportagem do Jornal do SindCT para esta entrevista. Aos 90 anos, Mendonça sustenta que o segredo da longevidade e juventude é nunca parar de trabalhar, nem de sonhar. “E tem que sonhar grande, porque o sonho pequeno e o sonho grande têm o mesmo preço, então não vamos perder tempo sonhando pequeno”.
O sr. foi um dos fundadores do INPE e veio a se tornar o primeiro diretor da instituição. Como começou sua história com a área espacial?
Quando eu terminei o ITA, meu trabalho era uma estação para recepção de sinais de satélite que ainda ia existir, não tinha programa espacial no mundo. A União Soviética, em 1952, declarou que ia colocar um satélite em órbita. Os americanos, ainda antes de criação da NASA, também anunciaram um programa para colocar um satélite em órbita. Então fiz contato com o projeto, que era da Marinha americana, e fiz a estação para coletar os sinais. Fui surpreendido pela União Soviética, que lançou o satélite Sputnik em 1957, antes de os americanos lançarem o Explorer 1, em 1948. Tive que readequar a estação para receber os sinais do Sputnik. Acabei me envolvendo com o assunto. Depois fui fazer doutoramento em Stanford e me envolvi com a NASA para realização de um trabalho que duraria em torno de dois anos. Por esse motivo fui indicado pelo professor Aldo Vieira da Rosa para formular um programa de pesquisas espaciais para o Brasil. O presidente Jânio Quadros criou o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE) e eu me tornei o representante do Brasil junto à NASA. Quando terminei o trabalho para a NASA, solicitei a doação do equipamento de pesquisa que utilizava e o pedido foi aceito. Na volta ao Brasil, ainda não havia nada pronto para o INPE. Tinha apenas a doação de um terreno do DCTA e um prédio para escritórios. Fiquei decepcionado porque eu tinha apenas uma kombi velha, um telefone que não funcionava, um cabo e um praça que eram os ajudantes do GOCNAE. Então fui obrigado a batalhar, junto ao Ministério do Planejamento na época, recursos para formatar o INPE.
Se ainda hoje, após 53 anos, o instituto sofre para resolver sua carência de recursos humanos, como foi reunir os primeiros técnicos e engenheiros para atuarem em atividades tão específicas como a área espacial no início da década de 1960?
Eu tive que montar o INPE com pesquisa a nível internacional, porque não existe ciência subdesenvolvida. Qualquer país, por mais subdesenvolvido que seja, se fizer ciência, tem que ser algo de fronteira, de desenvolvimento, de criatividade. Então visitei cerca de 10 universidades brasileiras e solicitei aos professores indicação dos melhores alunos que estivessem terminando seus cursos de engenharia. Todo ano eu contratava entre 50 e 60 formandos, eliminava metade depois de alguns meses, e contratava os melhores. Destes, os melhores eu enviava para fazer doutoramento com bolsas da NASA. A bolsa cobria os estudos e o transporte nos EUA, o restante era uma bolsa auxílio que eu enviava através do INPE. A cada mês de recebimento da bolsa, o aluno assinava uma nota promissória que seria paga no retorno. Para cada mês trabalhado no INPE, ele recebia o salário e o cancelamento de uma nota. Se quisesse sair do INPE, teria que pagar as notas promissórias. Dessa forma, eu garantia que o aluno que ficou quatro anos se especializando fora do país ficaria, no mínimo, quatro anos trabalhando no INPE. Esse sistema funcionou, só um funcionário saiu, tendo as notas pagas pela empresa que quis contratá-lo. Enquanto eu esperava esse pessoal se formar, eu precisava de mão de obra qualificada para atuar. Como não tinha muita verba disponível, procurei um programa estabelecido na Índia, de doutoramento na Inglaterra e EUA para 5 mil indianos por ano. De lá eu trouxe 26 famílias. Era um programa de dois anos que poderia ser renovado. Alguns ficaram até hoje.E há também filhos desses indianos trabalhando atualmente no INPE.
Quais as principais dificuldades enfrentadas na época?
O INPE era subordinado ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, mais tarde Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Os presidentes desse Conselho eram sempre ou um general ou professor de universidade sem base suficiente para desenvolver o plano de pesquisas que a gente idealizava. Mas o Brasil era mais simples. Um bom exemplo foi a base do sensoriamento remoto. Eu falei ao presidente do CNPq que precisaria de US$ 5 milhões para construir a base. Ele negou, pois não conseguia nem para o próprio CNPq uma verba tão alta. Solicitei permissão para falar diretamente com o ministro do Planejamento e recebi de imediato, pois ele não acreditou que o ministro pudesse conceder. Mas consegui convencer o ministro e realizar a construção da base.
E os principais projetos desenvolvidos?
O Brasil era um país pobre. Eu tinha que escolher programas científicos que dessem nascimento a tecnologias e serviços. Os programas estabelecidos eram modelados pela NASA, mas tinham aplicabilidade ao crescimento econômico do Brasil. Tínhamos o Projeto SACI, a educação via satélite, com 150 pessoas (50 estrangeiros especializados na área) e foi realizado no interior do Rio Grande do Norte, na época, a região mais pobre do Brasil. Ajudou a diminuir a taxa de evasão e repetência. Foi uma revolução. Outro projeto foi o levantamento de recursos naturais. O Brasil não tinha nem mapas adequados, então foi criado o projeto SERE, de sensoriamento remoto. Os projetos do INPE, hoje, são derivados desses programas.
Hoje, qual o principal problema que a instituição enfrenta?
O INPE é uma instituição de pesquisa, não de serviços. E está virando um instituto de serviços. É serviço sobre queimadas, desmatamento… O INPE era para ser um órgão de altíssimo nível em pesquisa científica.
Que futuro espera para o instituto?
Acho que a tendência do INPE é entrar em decadência. A mão de obra era muito qualificada. Esse pessoal se aposentou e a reposição não foi no mesmo nível. E os concursos públicos, normalmente, não admitem os elementos necessários para a função que se precisa. É muito difícil o concurso selecionar exatamente o que é necessário. Infelizmente, a qualidade do pesquisador do INPE tende a decair. Outro ponto é a falta de recursos, parecem altos, mas não são. Temos também, a meu ver, programas inúteis como o CBERS. O CBERS é um programa chinês e o chinês não nos dá acesso à tecnologia. O governo gasta mais com o CBERS do que com o orçamento anual do INPE. Isso não faz sentido pra mim.
Desde 2007 o governo já investiu mais de meio bilhão de reais para capitalizar a ACS. No mesmo período, investiu pouco mais de R$100 milhões no desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Como o sr. vê a criação da ACS? É um empreendimento viável economicamente?
Alcântara é um certificado de incompetência. Gastaram em Alcântara, somado ao VLS, quase US$ 500 milhões e continua na estaca zero. Houve aquele acidente com o VLS e o Brasil se associa com a Ucrânia, que está falida. A ACS não é economicamente favorável ao Brasil e não oferece transferência de tecnologia.
O governo criou também a Visiona, empresa integradora responsável pela aquisição do satélite geoestacionário SGDC. Só neste satélite o governo irá investir cerca de R$ 700 milhões. Enquanto isso, passados 53 anos, o INPE nunca desenvolveu seu próprio satélite geoestacionário. Como o sr. vê a criação da Visiona e o papel dela no setor espacial brasileiro?
É certo criar a empresa. Mas a primeira coisa que eu penso é: prepararam recursos humanos para isso? Os japoneses e os chineses enviaram várias pessoas para trabalharem nos EUA em empresas da área. Depois de três anos, voltavam com conhecimento necessário para desenvolver a tecnologia em seus países.
O INPE, assim como o DCTA, serviu como indutor da florescente indústria aeroespacial do país. Muitos ex-servidores destas instituições acabaram por criar suas próprias empresas e passaram a fornecer equipamentos e serviços de alto valor agregado e elevado nível tecnológico para os programas de satélites e foguetes do país. Na sua opinião, qual deveria ser a relação dessas empresas com os institutos públicos de pesquisa?
Não há o risco de essas empresas acabarem se apropriando da maioria dos projetos, esvaziando as atribuições do INPE e DCTA? Eu acho que não. Instituto de pesquisa não é indústria. Criar indústrias não esvazia as instituições, pelo contrário, as instituições podem crescer se houver mais indústrias no setor.