Já se passou um ano desde a demissão sumária do diretor do INPE, Dr. Ricardo Galvão, que defendeu o instituto da acusação de falsificação de dados do desmatamento da Amazônia e até mesmo de recebimentos ilegais de dinheiro de ONG’s para fazê-lo. Depois disso, vimos os dados divulgados serem confirmados internacionalmente, não vimos nenhuma prova ou indício de recebimentos ilegais serem apresentados ou, nem mesmo, um pedido de desculpas, nem tanto a nós, inpeanos, mas à sociedade brasileira, para quem trabalhamos.
Não foi pouco, mas nos foi ainda apresentada uma proposta de reformulação do organograma do instituto, gestada em vinte dias, a portas fechadas e distantes do INPE, pelo interventor interino, em cumprimento a uma ordem expressa do ministro, que nada fez para defender nosso diretor demitido. Esta reformulação, feita para diminuição e reatribuição de cargos, defendida pelo formulador com argumentos didáticos de MBA’s empresariais, foi hierarquicamente imposta ao instituto, sem nenhuma discussão com seus grupos técnicos, ou mínima consulta à comunidade. Nascida verticalmente, numa estrutura hierárquica de emissão e cumprimento de ordens sem questionamentos, a reformulação do organograma institucional é agora vendida como um produto para melhorar a eficiência e garantir a horizontalidade. Como se não bastasse, antes mesmo de ser aprovada, há um mês, serviu para justificar a exoneração da coordenadora-geral de Observação da Terra, área do INPE que monitora a conservação ambiental e o desmatamento da Amazônia e que teria sido extinta. Isso, um pouco depois de o INPE ter divulgado dados novamente honestos e, novamente, não condizentes com passagens de boiadas pela Amazônia. Deve-se notar que, no momento em que este artigo está sendo escrito (15/08/2020, 13:00), o sítio do INPE (http://www.inpe.br/institucional/quem_quem/lista-dirigentes.php) ainda contém a área “extinta” como pertencente à estrutura do INPE (CGOBT) e tendo como chefe a pesquisadora exonerada do cargo, Dra. Lúbia Vinhas. Indícios de que hoje existe uma estrutura paralela de poder no INPE?
Neste contexto, como se estivéssemos marchando para um futuro grandioso, comemoramos nosso 59º aniversário e estamos assistindo, sem participar, ao processo de escolha do nosso próximo diretor.
Na comemoração do aniversário, pelo depoimento de quase todos os ex-diretores do INPE, vimos uma lista enorme de projetos, pesquisas e serviços prestados pelo instituto durante sua história. Temos, sim, orgulho de sermos inpeanos, de termos, cada um do seu modo, participado da história deste instituto; por isso, nos sentimos responsáveis por sua continuidade. Para isso, não podemos abrir mão dos princípios científicos, tecnológicos e éticos inerentes à nossa carreira e essenciais a todo instituto de pesquisa. Foram princípios e práticas que nos trouxeram até aqui e que fizeram o INPE merecedor do respeito da sociedade brasileira e da comunidade científica e tecnológica mundial nas áreas de espaço e de meio ambiente.
Quanto ao processo de escolha do próximo diretor do INPE, de acordo com o edital publicado no Diário Oficial da União em 14/04/2020: “A escolha do(a) novo(a) Diretor(a) terá origem numa lista tríplice encaminhada ao Senhor Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações pelo comitê de especialistas (Comitê de Busca), que busca identificar, nas comunidades científica, tecnológica e empresarial, nomes que se identifiquem com as diretrizes técnicas e político-administrativas estabelecidas para cada instituição.
O Comitê para o INPE é composto pelos Drs. João Luiz Filgueiras de Azevedo, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que o presidirá; Antônio José Roque da Silva, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM); Augusto Cesar Gadelha Vieira, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC); Julio Hideo Shidara, da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB); e João Paulo Rodrigues Campos, da Visiona Tecnologia Espacial”.
A nosso ver, o Comitê nomeado pelo ministro apresenta um excelente nível técnico/científico e poderá facilmente resistir a eventuais pressões políticas que, vindas de onde vierem, seriam terrivelmente nocivas ao processo. Lamentamos, no entanto, a ausência de um representante dos funcionários do INPE no Comitê, como ocorreu nos processos anteriores, com exceção do último, em 2016. Estranhamos que o Conselho Técnico-Científico tenha sido alijado do processo, apesar de o Regimento Interno do INPE, em vigor, prever sua participação, ainda que pequena.
O edital diz ainda que “Esse sistema de escolha de dirigentes vem sendo praticado pelo MCTIC para os cargos de Direção de todas as suas Unidades de Pesquisa, com amplo sucesso”, porém não podemos saber, com certeza, se a frase se refere ao setor de C&T do governo desde o ano 2000 (MCT, MCTI e MCTIC), ou apenas ao breve MCTIC. Também não estão claros quais são os critérios usados para definir “amplo sucesso”.
Nove interessados se candidataram para o cargo de sucessor do Dr. Ricardo Galvão: Augusto José Pereira Filho, Cleber Souza Corrêa, Clezio Marcos De Nardin, Darcton Policarpo Damião, Gilberto Câmara Neto, Luís Eduardo Antunes Vieira, Nilson Gabas Júnior, René Nardi Rezende e Victor Pellegrini Mammana. Cada candidato fez uma Apresentação Pública de cerca de 50 minutos na qual resumiu sua competência profissional para o exercício do cargo, sua experiência administrativa e sua visão de futuro para o INPE. As apresentações dos candidatos são a parte transparente do processo, ainda que não seja permitida aos candidatos nenhuma iteração com o público. É nelas que eles se apresentam e, em linhas gerais, apresentam suas ideias, seus planos, ao Comitê. As apresentações, ocorridas entre os dias 5 e 7 de agosto, estão disponíveis no YouTube:
Comitê de Busca para escolha do Diretor(a) do INPE
Apresentação dos Candidatos – dias 5, 6 e 7 de agosto de 2020
Nilson Gabas, Darcton Policarpo Damião e René Nardi Rezende
Gilberto Câmara Neto, Clezio Marcos De Nardin e Cleber Souza Corrêa
Luís Eduardo Antunes Vieira, Augusto José Pereira Filho e Victor Pellegrini Mammana
Passadas as apresentações públicas, o Comitê de Busca prosseguiu suas atividades com entrevistas privadas dos candidatos nos dias 11, 12 e 14 de agosto, não tendo sido divulgada nenhuma razão científica para o atraso, de um dia, do último dia de entrevistas.
Nos próximos dias, o Comitê de Busca deverá concluir seu trabalho e enviar ao ministro do hoje MCTI a lista tríplice contendo os nomes dos três, dentre os nove candidatos, que melhor “se identifiquem com as diretrizes técnicas e político-administrativas estabelecidas para” o INPE. Com a lista em mãos, o ministro Marcos Pontes escolherá o próximo diretor do INPE.
Desde a intervenção que levou à demissão do Dr. Ricardo Galvão do cargo de diretor, o SindCT tem acompanhado, atenta e apreensivamente, um processo de tentativa de redefinição institucional do INPE que, a médio prazo, o desqualificaria como um instituto de pesquisa público e civil. Temos ouvido e nos esforçado a entender as preocupações dos colegas que nos procuram e temos apoiado discussões e iniciativas que buscam manter o INPE como tal. Estranhamos o ar de grande e artificial normalidade em momento tão incerto do instituto. Esperamos que o “amplo sucesso” do sistema de escolha de diretor inclua a indicação de um nome da lista tríplice apresentada pelo comitê, como sempre ocorreu no INPE. Cumpre notar que, legalmente, o ministro tem total liberdade nesta escolha, mesmo entre terraplanistas e, talvez, entre não doutores, já que o edital pode ser reeditado.
Acreditamos que o próximo Diretor do INPE deva possuir, como prevê o já citado edital, “capacidade para tratar de questões científicas, administrativas, políticas e de visão estratégica relacionadas com o INPE” e acreditamos que alguém que nunca tenha trabalhado “fazendo” ciência, saiba das dificuldades, e da responsabilidade, da produção de conhecimento científico. Corremos sério risco de ver o INPE perder sua respeitabilidade, construída em décadas, se as questões científicas forem postas abaixo daquelas administrativas, políticas ou mercadológicas.
Esperamos que o próximo diretor devolva para o nível ministerial as discussões sobre as duas grandes crises do INPE e da C&T brasileira em geral: a de recursos humanos e a de recursos financeiros. Que ele seja um líder, e não apenas um repassador de ordens superiores, e que ouça a comunidade.
Temos profundo respeito pelos inúmeros amigos militares que abraçaram a carreira de pesquisa e que são e agem como cientistas. Eles sabem que institucionalmente o trabalho científico não cabe numa estrita hierarquia militar com ordens superiores inquestionáveis.
Esperamos, portanto, que o INPE continue, de fato e de direito, civil.
PS: E, no entanto, ela se move e é redonda.