No dia 20 de outubro, nossa capital federal recebeu comitiva americana de alto nível, que se abalou até o sul do Equador com a nobre missão de, entre outros temas, alertar o governo brasileiro dos imensos riscos que corremos se admitirmos que uma certa empresa chinesa venha a participar da implantação da tecnologia 5G em nosso país. Como é amplamente sabido, os americanos travam batalha ostensiva contra essa empresa, alegando que sua tecnologia e suas práticas comerciais oferecem riscos de quebra de sigilo que poderiam comprometer a segurança nacional, nossa e de outras nações ocidentais.
Autoridades brasileiras receberam com honra os representantes americanos com tapete vermelho (ops, deve ter sido de outra cor!) e, emocionados, souberam da oferta da astronômica cifra de 1 bilhão de dólares em empréstimos que as autoridades estadunidenses ofereceriam para comprarmos produtos de seu país ou de outra procedência, desde que avalizada por eles.
É surpreendente observar o nível de delinquência da política externa brasileira atual. Criamos atritos desnecessários com a China, nosso maior parceiro comercial, estamos a ponto de inviabilizar acordo de comércio com a União Europeia que foi negociado por anos a fio, rejeitamos decisões da ONU aprovadas pela maioria das nações e até ofendemos nossos vizinhos argentinos sem ser por causa de futebol – entre tantas outras posturas que contrariam a lógica, o bom senso e a tradição de nossa diplomacia, para não dizer os reais interesses do país.
No entanto, salta aos olhos o caso dessa empresa chinesa. Inicialmente, é importante que fique claro: não temos como atestar a integridade nem de sua tecnologia e nem de suas práticas comerciais. No entanto, causa evidente desconforto quando o alerta vem da mesma nação que possui, no núcleo de sua estrutura de estado, a Agência de Segurança Nacional – NSA. Como se sabe, foi esta agência que, nos anos do governo Dilma Rousseff, praticou espionagem telefônica contra dezenas de membros e ex-integrantes do governo brasileiro, como revelado pelo WikiLeaks em 2015. Até o avião presidencial foi grampeado. Consta, ainda, que o Brasil integrava uma lista de 16 nações que, na época, recebiam do governo americano este “tratamento preferencial”.
Também não custa recordar, que foi exatamente essa a razão que levou o governo brasileiro à época a finalmente autorizar a criação do projeto que levaria à contratação e lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas, o SGDC, hoje em órbita e servindo à nação.
Interessante, pois quem violou intencionalmente a privacidade de nosso governo, volta agora alertando para os riscos que esse tipo de violação nos traria, e ainda oferece uma solução! Nossa cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, assim como outras grandes cidades brasileiras, conhece bem essa prática e o nome atribuído a quem dela faz uso – são os ditos milicianos.
Aparentemente, nosso governo está “sensibilizado” para a questão e, se nada de novo ocorrer, esta empresa chinesa acabará, de fato, excluída do negócio. Ao final, compraremos a tecnologia americana ou outra por eles indicada, quando da escolha prometida para o próximo ano – 2021.
É interessante notar que disputas do gênero não são novidade, nem se encerrarão com a batalha pelo 5G. O Brasil, pelo fato de não liderar os movimentos ou as ditas ondas de implantação de novas tecnologias, sempre esteve susceptível a pressões desse tipo. As gerações mais antigas lembrarão de processo semelhante quando da escolha pelo padrão de TV a cores nacional, isto no final dos anos 60 – sim, meus caros, a TV já foi em preto e branco. Assim como o 5G de hoje, na época todos ouviam falar em PAL, PAL-M e NTSC, mas essa é uma história que soa jurássica para os dias atuais.
Esperemos, enfim, que nossos mandatários não comprometam o futuro da nação em área tão crítica de nossa infraestrutura e saibam tomar a melhores decisões para o país. Caso excluam a tal empresa chinesa, mesmo por precaução, recomendamos não organizar cerimônia de recebimento dos futuros equipamentos, quando de sua chegada ao Brasil, pois poderemos ser surpreendidos, ainda assim, com uma constrangedora marca em um ponto obscuro das embalagens; uma que é universalmente conhecida: “Made in China”.