Em meio à crise mista político-orçamentária do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre a escolha de um novo diretor e o corte brutal de recursos previsto para 2021, salta aos olhos que o Ministério da Defesa esteja empenhando, neste momento, R$ 145 milhões na aquisição, sem licitação, de um microssatélite para monitoramento amazônico.
O entrelaçamento entre as duas situações é vários tons acima do esperado, ainda que não se possa fazer uma conexão direta. Desatemos os nós.
O Brasil, de fato, tem dois programas espaciais (nenhum funciona direito, mas essa é outra história). Há o PNAE (Programa Nacional de Atividades Espaciais), civil, e o Pese (Programa Estratégico de Sistemas Espaciais), criado para ser um adendo militar ao PNAE. Na prática, está virando um substituto.
A medição do desmatamento amazônico é realizada pelo Inpe, órgão civil ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), por meio dos programas Deter e Prodes, ambos baseados em imagens ópticas de satélites.
É um velho sonho passar a realizar esse acompanhamento também por imagens de radar, que não sofrem impacto da cobertura de nuvens. O recurso empenhado agora pelo Ministério da Defesa vai justamente nessa direção, com o objetivo de adquirir um sistema SAR (sigla para radar de abertura sintética), mas sob controle militar.
O Pese inclui planos para constelações de satélites de observação óptica (Carponis), radar (Lessonia) e telecomunicações (Atticora). A ideia é comprar o primeiro satélite de cada série no exterior e, ao poucos, ir nacionalizando o conteúdo dos seguintes.
Tem algo errado nesse planejamento? Errado estaria se ele não existisse. Hoje em dia, não ter acesso a esses recursos, do ponto de vista militar, é como ser, ao mesmo tempo, cego, surdo e mudo. Não dá para não ter.
Porém, como ficam as prioridades? Natural, com orçamento apertado, que haja disputa ferrenha por recursos entre diferentes entes do governo. O problema é quando nem há disputa. Enquanto o Ministério da Defesa dispõe de R$ 145 milhões para comprar no exterior um satélite radar, a Agência Espacial Brasileira (AEB) não acha R$ 10 milhões (para citar os valores do orçamento já depauperado de 2020) destinados a financiar pesquisa no Inpe, propondo ao Congresso zerar esses recursos em 2021.
E aí chegamos à crise sucessória. Desde a saída do físico Ricardo Galvão, no ano passado, o Inpe tem um diretor interino militar, Darcton Damião. Ele deve fatalmente constar da lista tríplice a ser submetida em breve ao MCTI, comandado pelo também militar Marcos Pontes. Parte do financiamento do Inpe vem da AEB, que, adivinhe só, tem como presidente o militar Carlos Moura.
Agora a pergunta que fica como lição de casa: se um militar for efetivado no comando do Inpe, qual é a chance de haver sequer uma disputa por recursos, esqueça equidade, entre os braços civil e militar do programa espacial? Indo além: qual será o impacto na transparência de dados como os do desmatamento se o lado civil for, aos poucos, sendo sucateado?
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