O desrespeito à ciência e à ética pode levar à morte
A CPI da covid-19 expôs à sociedade procedimentos de manipulação da ciência que ferem a ética médica, e visam aferir lucros à custo das vidas e da saúde das pessoas. Estes episódios apontam a necessidade de investigação de práticas médicas absolutamente inaceitáveis. É fundamental que tratamentos de saúde tenham base científica sólida e sejam seguidos princípios éticos.
Tanto a CPI quanto a mídia têm divulgado notícias de que a Prevent Senior, uma operadora de saúde privada, teria conduzido estudos com o uso de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com covid-19, a fim de tentar reduzir custos com internações e projetar a empresa como referência no tratamento do vírus. A “experiência” pode ter custado a vida de pelo menos nove pacientes, que morreram em decorrência do “tratamento”, e que teriam sido tratadas como cobaias.
A SBPC não tem competência jurídica nem técnica para investigar e julgar o caso, o que compete a vários órgãos, da própria CPI às polícias, passando pelos conselhos federais pertinentes e culminando no Judiciário, que devem todos agir com o rigor necessário, dado que teriam ocorrido mortes, e também o mais absoluto respeito aos direitos da defesa. Mas podemos e devemos expressar-nos sobre o significado do episódio.
Ao contrário do que muitos pensam, a ciência não tem verdades absolutas. A pesquisa de ponta está frequentemente dividida entre hipóteses opostas. Uma “hipótese”, palavra que vem do grego, quer dizer uma tese fraca, que, portanto, a pesquisa vai confirmar ou desmentir. Por isso mesmo, pesquisas são bem-vindas, mas com critérios rigorosos.
Pesquisas científicas têm de ser conduzidas com seriedade, que se expressa em “protocolos” ou conjuntos de regras que visam a garantir a segurança dos resultados e o respeito aos indivíduos que delas participem. Também devem garantir a mais plena obediência à ética, o que significa que os participantes de uma pesquisa devem ser plenamente informados dos riscos e possibilidades da mesma e dar seu consentimento consciente. A mídia noticia, porém, que a empresa mandou manter os pacientes e seus familiares na ignorância de se tratar de uma pesquisa. Se isso for verdade, falhou-se com a ciência, com a ética e até com a lei penal, talvez.
Não repetiremos aqui o que a imprensa tem divulgado. Mas entendemos que, no momento, e preservando-se sempre a presunção de inocência e o direito de defesa, é preciso rigor e presteza nas investigações, especialmente para checar a “pesquisa” que, entre março e abril do ano passado, teria sido conduzida em 636 pessoas, com os resultados sendo manipulados, para gerar um balanço falsamente favorável ao uso da cloroquina contra a doença. O mesmo vale caso, a despeito das evidências, se comprove que a empresa em questão tenha continuado obrigando médicos a prescrever medicamentos do chamado “Kit Covid” a infectados, ou não, pela doença, como teste, bem como forçado os profissionais de saúde a trabalhar mesmo com covid e sem usar máscaras.
A SBPC sente-se no dever de expor à sociedade que procedimentos como esses ferem a ética médica e os princípios mínimos de confiança entre pacientes e médicos. Não se pode manipular a Ciência para auferir lucros à custa das vidas e da saúde das pessoas que confiam nos profissionais e instituições sanitárias.
Num momento em que alguns querem desacreditar a ciência e a pesquisa, não aceitamos chamar de ciência e pesquisa ações que claramente fogem de seus preceitos básicos. Reiteramos que o tema tem que ser apurado com rigor, assegurada a plena defesa dos envolvidos, mas as notícias da mídia nos causam preocupação: tratamentos de saúde têm que ser feitos com base científica sólida e dentro dos princípios éticos.
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