Em meio à alta nos alertas de desmatamento, o governo de Jair Bolsonaro exonerou, nesta segunda-feira (13), a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que coordenava os trabalhos de monitoramento do desmatamento e devastação florestal da instituição. A exoneração foi assinada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, pasta à qual o INPE é vinculado.
Lubia Vinhas, doutora em Computação Aplicada e servidora de carreira do INPE desde 1997, ocupava o cargo de coordenadora-geral de Observação da Terra (CGOBT) desde março de 2018. É nesta coordenação que projetos de monitoramento do desmatamento e uso da terra na Amazônia estão inseridos, como o Deter, Prodes e TerraClass.
Na última sexta-feira (10), o Instituto de Pesquisa atualizou em seu site os dados referentes ao desmatamento da Amazônia em junho, apontando que o ritmo de alta se manteve, mesmo com a atuação de militares na região desde maio. Alertas feitos pelo Deter indicaram perda de 1.034,4 km² no mês de junho, alta de 10,65% em relação ao mesmo mês do ano passado. O número é o mais alto dos últimos cinco anos. Segundo dados do Deter, já são 14 meses consecutivos de alta no corte da floresta em relação aos mesmos meses do ano anterior.
No acumulado do semestre, os alertas indicam devastação em 3.069,57 km² da Amazônia, aumento de 25% em comparação ao primeiro semestre de 2019.
De acordo com o INPE, a exoneração de Vinhas não está relacionada à divulgação dos dados do desmatamento. Segundo nota publicada na tarde desta segunda, a saída da servidora do cargo de coordenação acontece dentro do processo de reestruturação do Instituto, em curso e sob demanda do ministro Pontes, com o objetivo de “buscar sinergias e otimizar os recursos humanos e de infraestrutura do Instituto para um funcionamento mais eficiente”.
Segundo apurou ((o))eco, a direção do INPE já não tratava Vinhas como coordenadora do CGOBT há alguns meses. A pesquisadora não foi comunicada oficialmente sobre sua exoneração. O nome do substituto de Vinhas ainda não foi divulgado e não está claro nem se a Coordenação de Observação da Terra será mantida.
Isso porque a proposta de reestruturação do Instituto apresentada pelo diretor Interino da Instituição, Darcton Policarpo Damião, prevê a fusão desta e de outras coordenações. Ainda de acordo com a nota oficial, as mudanças foram discutidas com os servidores envolvidos nas áreas que vão sofrer alterações.
“Nas reuniões que ocorreram com os servidores da CGOBT, CPTEC [Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos] e CCST [Centro de Ciência do Sistema Terrestre], foi realizado um estudo sobre as sinergias das atividades dessas coordenações e foi estabelecida a criação da Coordenação-Geral de Ciências da Terra, que responderá por todo o trabalho da área ambiental do INPE”.
Segundo ((o))eco apurou, de fato houve algumas reuniões setoriais, mas as discussões, no entanto, foram feitas a partir de condições pré-estabelecidas pelo diretor interino em relação à formatação proposta por ele. A configuração final da reestruturação, na qual estarão explicitadas quais coordenações e centros serão unificados, ainda não foi apresentada aos funcionários do Instituto.
Em novembro passado, ao anunciar para a imprensa a mudança estrutural no INPE, Damião garantiu que as alterações não têm relação com as críticas feitas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pelo próprio presidente Bolsonaro à qualidade dos serviços prestados pelo INPE no monitoramento da supressão de vegetação na Amazônia.
O INPE esteve no centro de ataques do governo Bolsonaro no final de julho de 2019, após virem à tona dados que indicavam uma alta no desmatamento da Amazônia. Os desentendimentos levaram à exoneração, em 2 de agosto, do então diretor Ricardo Galvão. O militar da Aeronáutica Darcton Damião assumiu interinamente, até que um colegiado consultivo do INPE elegesse um novo diretor, o que deve acontecer nas próximas semanas.
Reestruturação contestada
Um abaixo-assinado divulgado por servidores do INPE na última terça-feira (07), endereçada a membro do Comitê de Busca instituído em março passado com a finalidade de subsidiar o ministro Marcos Pontes na escolha do novo diretor do INPE, acusa Policarpo Damião de ter construído uma “estrutura paralela” de gestão do Instituto, sem critérios técnicos aceitáveis e à revelia dos funcionários. “Nos últimos dois meses vivemos uma situação peculiar e única na história do INPE. Existe uma estrutura administrativa oficial, a que está no regimento atual e válido, e uma estrutura paralela, que opera, governa e decide sobre o INPE, mas que não existe na regulação administrativa”, acusa os servidores.
A preocupação dos signatários da carta está no fato de que Damião é um dos candidatos ao cargo de diretor e poderia estar usando sua influência e acesso a documentos e planos de trabalho dos diversos setores do INPE para construir sua candidatura, o que conferiria a ele uma vantagem indevida no processo.
Esta também é a preocupação do Conselho Técnico-Científico do INPE (CTC/INPE). Em carta enviada ao Comitê de Busca, também no dia 7 de julho, o CTC/INPE diz que o desconhecimento da comunidade sobre o novo Regimento Interno do Instituto e centralização das informações sobre a reestruturação nas mãos somente do diretor interino e poucos servidores poderá causar “uma quebra na isonomia do processo”.
Repercussão
A saída de Lúbia Vinhas da coordenação do CGOBT teve grande repercussão entre pesquisadores e organizações ambientalistas.
Segundo nota divulgada por Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima – uma rede de 37 entidades da sociedade civil brasileira formada com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no contexto brasileiro –, a saída de Vinhas é mais uma intervenção do governo Bolsonaro na atuação do Instituto de Pesquisa.
“Não é segredo para ninguém desde o ano passado que o governo deseja intervir no Inpe. A demissão ruidosa de Ricardo Galvão impediu isso, mas a exoneração de Lubia Vinhas pode ser um indicativo de que o plano nunca foi abandonado. Que isso ocorra em plena aceleração do desmatamento, quando o governo precisa conter ameaças de desinvestimento, é sinal de que Jair Bolsonaro parece estar tratando as preocupações do agronegócio e dos investidores como trata as dos brasileiros aterrorizados pelo coronavírus”, disse o secretário-executivo.
Em nota divulgada pouco após a exoneração de Vinhas, a Organização Não-Governamental Greenpeace afirmou que a demissão “não surpreende”, em razão de decisões anteriores tomadas pela gestão Jair Bolsonaro, mas “dá novamente a entender que o governo é inimigo da verdade”.
“Mas não será escondendo, passando uma maquiagem nos dados ou investindo em propaganda que o governo irá mudar a realidade. E isso acontece por uma razão bem simples: Bolsonaro não quer mudar os rumos da sua política, afinal, a destruição é o seu projeto do governo”, diz o comunicado da porta-voz de Políticas Públicas da organização, Luiza Lima.
Para Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) que estuda os impactos das mudanças do clima na floresta Amazônica, a exoneração de Vinhas é uma tentativa do governo federal de “esconder a verdade sobre o enorme aumento do desmatamento em 2020 […] de maneira similar à Covid-19”.
Segundo a nota do INPE, antes da exoneração de Lubia Vinhas do cargo de Coordenadora-Geral da CGOBT, a direção do Instituto já havia “previsto a realocação da servidora para o cargo de Chefe da Divisão de Projetos Estratégicos, que tratará implementação da nova Base de Informações Georreferenciadas (“BIG”) do INPE, uma demanda do ministro Pontes”. Tanto a Divisão de Projetos Estratégicos quanto a Base de Informações Georreferenciadas, citadas na nota do Instituto, não existem dentro da estrutura do Instituto.
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