A inauguração do COPE, o Centro de Operações Espaciais
A inauguração do COPE, o Centro de Operações Espaciais

A inauguração do COPE, o Centro de Operações Espaciais

Duas inaugurações de obras de infraestrutura relevantes para o país ocorreram neste final de junho de 2020: a de um trecho do eixo norte da Transposição do rio São Francisco, localizado em Pernambuco, em 26 de junho, e a do Centro de Operações Espaciais (COPE) em Brasília, em 23 de junho. Em ambas, membros do governo Bolsonaro agiram como se tivessem encontrado um cachorro na rua, o adotado e nem tomaram os cuidados necessários para saber se ele já tinha dono.

Talvez poucos saibam, mas o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, teve participação nestes dois empreendimentos, isentando-se do imbróglio canino.

Inicialmente, é fundamental reconhecer que são duas obras federais de vulto, dos tipos que invariavelmente atravessam vários mandatos de governo até que sejam concluídas. Independentemente das cores partidárias de quem lê, é necessário reconhecer que a sua conclusão só se tornou possível graças às contribuições, maiores ou menores, de sucessivos governos, desde antes do lançamento de suas pedras fundamentais.

A título de exemplo, o tema da Transposição já era discutido no INPE nos anos 90, ou seja, já se vão quase três décadas. Em termos de mandatos presidenciais, façam as contas. Não nos consta que os pioneiros tenham sido lembrados durante essa cerimônia de inauguração, além da afirmação de que em governos anteriores o projeto não andou, e que o atual teve a grandeza e competência de concluí-lo… Aos desavisados, ou desmemoriados, fica a impressão de que tudo teria sido realizado no último ano.

Outro exemplo é o do COPE, iniciativa derivada do projeto que lançou o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) em maio 2017. Este projeto só tomou corpo e rumo nos idos de 2011-2013, quando sua configuração foi finalmente estabelecida.

Os contratos para a construção e lançamento do SGDC foram firmados ao final de 2013, coroando um longo processo que teve início ainda no princípio dos anos 2000, época em que o então Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB) foi longamente discutido sob os pontos de vista técnico e de viabilidade de implementação. Ao final, o SGB não se materializou, mas deixou um legado que seria mais tarde utilizado para a concepção daquele que seria denominado SGDC.

O impulso final para o projeto deu-se em razão da demanda estabelecida pelo então Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), já encerrado, que tinha por objetivo ampliar a oferta nacional de acessos em banda larga. De suas demandas derivaram os requisitos para o sistema em banda Ka que hoje equipa o SGDC. A outra parte do satélite, em banda X, foi concebida para atender, sob controle integralmente nacional, as demandas de comunicação das forças armadas.

O satélite foi construído pela empresa franco-italiana Thales Alenia Space (TAS), contratada pela empresa brasileira Visiona (resultado da associação entre a Embraer e a estatal Telebras). A Visiona tinha, por sua vez, contrato com a própria Telebras para a execução do projeto. Coube à Visiona a gestão do projeto junto à TAS, e também a contratação de seu lançamento e seguros, entre outras tarefas. A Telebras teve papel central no desenvolvimento do sistema, tendo atuado tanto nas questões técnicas do segmento espacial (o satélite), quanto em todo o segmento solo, com responsabilidades ainda maiores que as assumidas para o desenvolvimento do satélite, e aí chegamos ao COPE.

Coube também à Telebras cuidar da governança do projeto, que envolvia o então Ministério das Comunicações, o Ministério da Defesa, e o então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Os ministérios das Comunicações e Ciência e Tecnologia seriam unificados ainda durante o projeto.

Nos primórdios do projeto, sua arquitetura foi resultado de intenso trabalho conjunto dos três ministérios envolvidos e da Casa Civil da Presidência da República, e também de órgãos como o INPE e a Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculados ao MCTI, e outros órgãos técnicos do Ministério da Defesa.

O INPE permaneceu como membro ativo das instâncias de governança ao longo de todo o projeto. A AEB também atuou de forma intensa, não apenas na governança do projeto, mas também como responsável pelo acordo para Absorção e Transferência de Tecnologia do SGDC. Dentre as contribuições dessa última iniciativa, basta mencionar que os profissionais que atuam no COPE (civis e militares) foram originalmente treinados na França, sob a coordenação da AEB e da Visiona.

Em resumo, a recente inauguração do COPE, em área pertencente ao Comando da Aeronáutica, foi o resultado de inúmeras contribuições, desde a Presidência da República, passando por vários ministros e dirigentes de órgãos a eles vinculados, chegando aos técnicos e gerentes que, de forma quase anônima, contribuíram para que o projeto chegasse ao atual estágio.

Quem assistiu à cerimônia de inauguração do COPE, naquela área militar da capital do país, não encontrou essas pessoas, e nem mesmo ouviu qualquer referência aos pioneiros do projeto, dos técnicos que o executaram aos Presidentes da República que o apoiaram, dos gestores e ministros da época, às empresas responsáveis pela formulação e execução do projeto, com a exceção de alguns poucos representantes da Telebras presentes.

Para os que conhecem as histórias dos projetos que resultaram no SGDC e na Transposição do São Francisco, essas cerimônias de inauguração serão lembradas como solenes homenagens aos que deles não participaram.

De volta ao COPE, também causou surpresa, como se ainda fosse possível se surpreender com este governo, as falas militares na cerimônia do COPE, dando a entender que aquela infraestrutura “coordenará todas as atividades que façam uso de constelações de sistemas espaciais, oferecendo serviços de cunho militar e civil …”, palavras do Comandante da Aeronáutica.

Ao não fazer distinção entre os serviços de natureza militar dos de natureza essencialmente civil, ao não admitir que serviços dessa natureza já são realizados por outras organizações nacionais há décadas, entre elas o INPE, repete-se o padrão de ignorar o passado, desprezar o presente que não lhes interessa e, sob o manto do “a partir de hoje”, apontar para um futuro incerto.