A Missão Telescópio Solar Espacial Galileo e a Batalha contra o Negacionismo
A Missão Telescópio Solar Espacial Galileo e a Batalha contra o Negacionismo

A Missão Telescópio Solar Espacial Galileo e a Batalha contra o Negacionismo

A Luta do INPE contra o Negacionismo Climático e a Política de Desmantelamento Científico

Por Prof. Dr. Luís Eduardo Antunes Vieira

Sumário para quem não tem tempo:

1. Desafios do INPE:

  • O INPE enfrenta desafios significativos, incluindo ataques à integridade e credibilidade das pesquisas realizadas no instituto.
  • As condições impraticáveis impostas à Missão GSST pelo atual diretor, compromete o seu desenvolvimento.

2. Impacto Internacional:

  • As decisões recentes afetam a compreensão das mudanças climáticas, prejudicam a imagem do Brasil na comunidade internacional e demonstram um desconhecimento técnico e científico significativo.

3. Condições e Desconhecimento Técnico:

  • -A exigência de operação ininterrupta do telescópio de solo por dois anos e o desconhecimento sobre a necessidade de observações em ultravioleta evidenciam a falta de aptidão do diretor do INPE.

4. Esperança e Apoio:

  • Existe uma esperança resiliente na comunidade científica e um apelo para o apoio de ministros na reversão das decisões e na valorização da ciência e inovação no Brasil.

5. Necessidade de Mudança:

  • A situação atual ressalta a necessidade urgente de mudanças na liderança do INPE e de um compromisso renovado com a integridade e o avanço da pesquisa científica no país.

Contexto:

O Brasil, em sua rica tapeçaria de diversidade e potencial, enfrenta uma batalha silenciosa, mas crucial, no campo da ciência e da pesquisa. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), uma joia da coroa da pesquisa científica brasileira, está no centro das atenções desde o ataque descabido do ex-presidente à integridade dos dados de monitoramento ambiental dos diversos ecossistemas do Brasil. Durante o processo, o ex-Diretor do INPE, Prof. Dr. Ricardo Galvão, realizou uma defesa firme da instituição e da integridade dos dados divulgados. Esta postura levou ao afastamento do Prof. Galvão da direção e a instalação de um interventor. A intervenção que se seguiu ainda ecoa pelos corredores vazios da instituição. Na última quinta-feira, um novo episódio revela que as práticas do governo anterior ainda estão presentes na instituição. O atual diretor, nomeado pelo Governo Bolsonaro, comprometeu o andamento da Missão Telescópio Solar Espacial Galileo (Galileo Solar Space Telescope – GSST) ao impor condições estapafúrdias para o andamento da proposta no ProSAME da Agência Espacial Brasileira (AEB). O ProSAME é a um conjunto de procedimentos sistemáticos implementados pela AEB para definir e selecionar as missões espaciais que serão adotadas.

O INPE e a Missão GSST

A Missão Galileo Solar Space Telescope (GSST) é uma iniciativa brasileira de fronteira do conhecimento que visa a medição precisa da irradiância solar no topo da atmosfera terrestre e do campo magnético na fotosfera e camadas superiores da atmosfera solar. A missão é parte do esforço internacional para entender a influência do Sol na variabilidade do clima terrestre e a evolução da Heliosfera, que é o ambiente espacial governado pelo Sol, onde a Terra e os planetas do Sistema Solar se encontram.

A variação da estrutura magnética da atmosfera solar resulta em mudanças graduais na atividade solar (Clima Espacial), bem como em erupções violentas (Tempestades Espaciais), que influenciam a Heliosfera como um todo. Isso ™afeta diretamente a estrutura da atmosfera da Terra, com impactos desde a agricultura de precisão até sistemas de alta tecnologia.

A Missão GSST aborda várias questões científicas, incluindo os processos físicos fundamentais que atuam no Sol, o funcionamento do dínamo solar, as contribuições relativas dos distintos processos físicos que levam ao aquecimento das camadas externas do Sol (da Cromosfera até a Coroa), e a resposta do campo magnético e das partículas energéticas nas vizinhanças do nosso planeta, na região da Magnetosfera interna, devido a alterações da estrutura do vento solar.

A medição da irradiância solar no topo da atmosfera é fundamental para entender as mudanças climáticas na Terra, já que a radiação solar é a principal fonte de energia do sistema climático. A variação da irradiância solar pode afetar diretamente o clima, levando a mudanças na temperatura da superfície e na circulação atmosférica.

É fundamental caracterizá-la corretamente para separá-la da contribuição antropogênica, que é onde podemos atuar para mitigar os efeitos das mudanças globais. Vale sempre lembrar que a contribuição antropogênica para as mudanças globais é a dominante, mas isto só aumenta a importância de se estimar as variações naturais com a maior precisão possível.

A variabilidade da irradiância solar depende da evolução do campo magnético solar, o que pode ter impacto em escalas de tempo mais longas. Portanto, a medição precisa da irradiância solar no topo da atmosfera é crucial para entender as mudanças climáticas e desenvolver modelos mais precisos para prever os cenários futuros.

A Missão GSST é a primeira missão brasileira que pretende realizar observações solares de alta resolução para estudar a evolução da estrutura magnética e seu impacto no Geoespaço. As principais questões científicas que a missão busca responder são: Qual é a influência da atividade solar no clima terrestre? Quais são os processos físicos fundamentais que ocorrem no Sol? Como funciona o dínamo solar? Quais são as contribuições relativas dos diferentes processos físicos que levam ao aquecimento das camadas externas da atmosfera solar (cromosfera à coroa)? Que efeito tem a estrutura variável do campo magnético solar na evolução do sistema acoplado atmosfera-oceano da Terra? Quais são as respostas dos campos magnéticos e das partículas energéticas nas proximidades da Terra devido às diferentes estruturas do vento solar?

Para ajudar a responder essas questões abertas, a missão GSST realizará observações solares em alta resolução espacial e temporal para caracterizar a evolução da estrutura magnética da fotosfera, cromosfera, e sua modulação da região de transição e coroa, e seu impacto na heliosfera até a Terra.

Através da coleta de dados científicos complementares aos dados gerados por missões da NASA, ESA e JAXA, a missão GSST colocará o Brasil em um lugar de protagonismo no mundo, fornecendo informações necessárias para o aprimoramento da geração de produtos e serviços do programa de Clima Espacial do INPE (EMBRACE). Esses produtos e serviços servem de base para alertas sobre as condições do espaço no entorno da Terra.

Histórico

O Projeto teve início em novembro de 2013, quando o Comitê Assessor (CA) da Coordenação Geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas (CEA) lançou uma chamada de oportunidade de projetos de instrumentação. O objetivo do projeto apresentado era desenvolver um protótipo de demonstração de conceito de um instrumento baseado em espectropolarimetria para estimar o campo magnético do Sol. Durante o período de 2014 a 2018, o CA-CEA realizou reuniões periódicas para avaliar a evolução do projeto.

O planejamento de longo prazo para a missão inicialmente proposta incluía três fases distintas que apresentam sobreposição. A primeira fase envolvia o desenvolvimento de um magnetógrafo e de um instrumento imageador de luz visível, além da implementação da infraestrutura laboratorial necessária para esse processo. A segunda fase consistia na instalação do protótipo do instrumento em um observatório terrestre. Por fim, a terceira fase estava relacionada ao desenvolvimento de instrumentos para plataformas baseadas no espaço. Inicialmente, estava previsto também o desenvolvimento de um protótipo para um observatório em balão, porém essa etapa foi posteriormente eliminada pela equipe de trabalho.

A fim de corresponder à abordagem de engenharia de sistemas que está sendo seguida, foi feita em 2016 uma revisão crítica do planejamento das fases um e dois. Enquanto a estrutura geral permanece a mesma, foram incluídas subfases que permitem melhorar o diagnóstico do andamento do projeto. Além disso, essa abordagem ajudou a equipe a fazer progressos experimentais enquanto processos de longa duração para adquirir componentes críticos, como o telescópio óptico, o Fabry-Perrot etalon e a instalação da infraestrutura do laboratório, foram preparados.

A primeira fase foi dividida em duas subfases: (a) protótipo de prova de conceito (DC) e (b) protótipo avançado (PA). O protótipo de prova de conceito é uma versão funcional do instrumento construído com componentes COTS para testar o controle do sistema, sincronização, aquisição de dados e conceitos de imagem, bem como as restrições do design óptico. Embora a maior parte do design óptico do protótipo de prova de conceito seja o mesmo do protótipo avançado, esta versão empregou um telescópio de 150 mm em vez de um de 500 mm. Concluímos a integração do hardware de prova de conceito em julho/2018.

Após o comissionamento do protótipo de prova de conceito, foi realizada uma revisão do design do projeto. Com base na revisão realizada, está sendo desenvolvido o protótipo avançado. A maioria dos componentes críticos do protótipo de prova de conceito está sendo transferida para o protótipo avançado. Para essa versão, o design óptico inclui componentes ópticos personalizados e um telescópio de 500 mm.

O INPE implementou um Centro de Projeto Integrado de Missões Espaciais (CPRIME:), que é inspirado em estruturas semelhantes como o Concurrent Design Facility da ESA (CDF / ESA), o Concurrent Engineering Facility (CEF/DLR) e TeamX do JPL (JPL/NASA). Em dezembro/2016 a Coordenação Geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas (CGCEA) do INPE propôs formalmente à CPRIME/ETE/INPE a análise de viabilidade de uma missão de observação solar. A proposta foi aceita e o contato inicial com o CPRIME foi estabelecido em dezembro/2016. A análise teve início em junho/2017. O estudo da missão foi apresentado à comunidade CEA/INPE em dezembro/2017. O relatório do estudo de viabilidade, divulgado em maio/2018, foi compartilhado com as partes interessadas. Seguindo a conclusão do estudo de viabilidade, o Grupo de Trabalho passou a discutir a missão com a comunidade científica e com tomadores de decisão.

Em preparação para a realização da Fase 0/A, o grupo de trabalho organizou um workshop internacional para discutir e revisar os objetivos científicos propostos para a Missão GSST. Com o agravamento das condições sanitárias devido a propagação do coronavírus (Sars-CoV-2), o workshop programado para março de 2020 foi cancelado.

Com a reestruturação do INPE no segundo semestre de 2020, o Grupo de Trabalho passou a discutir a continuidade do projeto com a Coordenação-Geral de Engenharia, Tecnologia e Ciência Espaciais. Ao final destas discussões foi sugerido que a Plataforma Multimissão (PMM) desenvolvida pelo INPE fosse utilizada na Missão GSST e que um estudo de viabilidade fosse realizado.

A validação da Plataforma Multimissão foi realizada em fevereiro de 2021 com o lançamento e início do comissionamento da Missão Amazonia-1. Com a validação da Plataforma Multimissão, o Grupo de Trabalho solicitou a Coordenação da CGCE que a Fase 0/A fosse realizada com a criação da Estrutura de Divisão de Trabalho do projeto.

Em resumo, o Projeto GSST teve início em 2013 com o objetivo de desenvolver um protótipo de demonstração de conceito para estimar o campo magnético do Sol através da espectropolarimetria. Ao longo dos anos, o projeto passou por revisões e ajustes, resultando no desenvolvimento de um protótipo de prova de conceito e, posteriormente, no protótipo avançado. Parcerias estratégicas foram estabelecidas e a validação da Plataforma Multimissão do INPE, que foi realizada com sucesso, tem possibilidade de impulsionar o desenvolvimento da Missão GSST.

A submissão dos documentos ao ProSAME

Considerando a Portaria Nº 857 da AEB, datada de 25 de maio de 2022, os documentos necessários à Carteira de Admissão do Procedimento para Seleção e Adoção de Missões Espaciais (ProSAME) da Agência Espacial Brasileira (AEB) foram encaminhados ao Chefe da Divisão de Heliofísica, Ciências Planetárias e Aeronomia (DIHPA) em 19 de maio de 2023. No mesmo dia, o processo foi remetido ao Coordenador Geral de Engenharia, Tecnologia e Ciência Espaciais (CGCE). Em 14 de junho de 2023, o Coordenador Geral encaminhou o processo para a Direção do INPE. Em 21 de setembro, o Diretor do INPE, nomeado pelo governo Bolsonaro, Dr. Clezio Marcos De Nardin, enviou um ofício ao Presidente da AEB, Dr. Marco Antonio Chamon, encaminhando o processo.

A bomba deixada pelo Governo Bolsonaro

O diretor do INPE indica no ofício encaminhado para a AEB que a missão espacial GSST teria sua adoção condicionada à instalação e operação do Telescópio de solo de 500mm, mesmo tratando-se de instrumentos distintos e fora do caminho crítico um do outro, diz o ofício: “Em tendo esse telescópio (de solo) operado satisfatoriamente no Observatório do Pico dos Dias por um período não inferior a 2 (dois) anos ininterruptos, somente então, peço gentilmente considerar a adoção dessa missão para o portfólio de missões desta Agência Espacial Brasileira.”

A decisão, na prática, inviabiliza totalmente a continuidade da Missão GSST, uma vez que coloca, sem nenhuma razão técnica, a análise da missão por parte da AEB em suspensão por um tempo em torno de 4 anos ou mais. É uma recomendação completamente dissonante das melhores práticas internacionais, em particular em relação às missões solares. De novo: os instrumentos de solo e espacial são distintos, devido à presença (ou não) da atmosfera da Terra, não sendo um dependente do outro. Ressalta-se que é a primeira missão científica com o objetivo de estudar a modulação da irradiância solar no topo da atmosfera terrestre e, consequentemente, seus efeitos no clima terrestre. É uma decisão que afeta diretamente os esforços do Governo Federal em compreender a natureza das mudanças climáticas observadas e a imagem do Brasil na comunidade internacional.

A decisão é completamente desprovida de justificativas técnicas e evidencia um total desconhecimento, por parte do Diretor, dos objetivos da missão e da estratégia do grupo de trabalho. Pelos erros conceituais apresentados, é evidente que o Diretor não consultou especialistas em física solar, climatologia e engenharia espacial. O grupo de trabalho responsável pela Missão não foi consultado sobre a recomendação feita pelo diretor do INPE.

É importante ressaltar que, em nenhum momento, a instalação do telescópio no Observatório do Pico dos Dias esteve no caminho crítico da Missão GSST. Adicionalmente, as fases do projeto apresentam sobreposição, fato este que sempre foi publicamente discutido e acordado com a Comunidade Científica e as Administrações da AEB e INPE.

Um aspecto que chama a atenção é o total desconhecimento do Diretor do INPE sobre a faixa espectral do espectropolarímetro que vai operar na plataforma espacial. Enquanto o protótipo que vai operar no Observatório do Pico dos Dias foi desenhado para operar no visível, o principal espectropolarímetro da Missão GSST operará no ultravioleta. Qualquer profissional atuante em física espacial sabe que boa parte do ultravioleta é absorvido pela atmosfera terrestre e que observações nesta faixa do espectro devem ser realizadas em plataformas espaciais.

A instalação no Pico dos Dias não representa um caminho para a realização de uma missão espacial, mas é, na verdade, um esforço consciente para atribuir um uso permanente a um equipamento que já alcançou seu objetivo inicial como Demonstrador de Conceito. Este movimento é realizado seguindo as melhores práticas e com total respeito ao patrimônio público, permitindo que tal equipamento, que de outra forma ficaria obsoleto e não seria reutilizado, possa continuar a contribuir de maneira valiosa para o avanço do conhecimento e da pesquisa científica.

Outros aspectos da decisão do Diretor já viraram motivo de chacota nos corredores do INPE. Ele exige que o instrumento solar opere no solo por um período não inferior a 2 (dois) anos ininterruptos. Deve-se saber que nenhum instrumento óptico para observação do sol opera de maneira ininterrupta devido à rotação da Terra e às condições climáticas. Mesmo os observatórios com condições excepcionais possuem um número limitado de dias úteis. Um completo disparate.

À propósito, por que 2 (dois) anos? A exigência é a mesma para os instrumentos que voarão nas outras missões do INPE?

Reflexão Final

Enquanto o Presidente da Índia celebra o lançamento da Missão Solar Aditya-L1, no Brasil, a Missão GSST enfrenta obstáculos.

O Brasil, com seu espírito indomável e sua riqueza de talentos, tem o potencial de ser um farol de conhecimento e inovação. A batalha do INPE é a batalha de todos nós, brasileiros, que sonhamos com um país onde a ciência é valorizada e o progresso é construído com base no respeito à verdade e à busca incessante pelo saber.

A esperança reside na resistência daqueles que, mesmo em tempos de adversidade, continuam acreditando no poder transformador da ciência e na capacidade do Brasil de superar desafios e alcançar novos horizontes.

Contamos com o apoio das Ministras Marina Silva, Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Luciana Santos, Ministra de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, para reverter a decisão do Diretor do INPE.

Por outro lado, é evidente que o atual Diretor do INPE não tem condições de permanecer no cargo.

Autor

  • Luís Vieira é Pesquisador Titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com graduação em física pela Universidade Federal de Santa Maria (1995), e mestrado e doutorado em Geofísica Espacial pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1998 e 2002, respectivamente), tem uma trajetória marcada por significativas contribuições científicas no campo da Astronomia e Física Solar. Realizou pós-doutorados no INPE e no Max-Planck-Institut für Sonnensystemforschung e atuou como pesquisador no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) na França. É o Principal Investigador da Missão Telescópio Espacial Solar Galileo (GSST), um projeto vanguardista focado no estudo do campo magnético solar. Além de sua renomada carreira científica, também tem experiência na esfera política, atuando como Suplente de Deputado Federal pelo PSD/SP. Seu compromisso com a ciência e a inovação reflete-se em sua multifacetada carreira, contribuindo para o avanço do conhecimento e o desenvolvimento da sociedade. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Av. Dos Astronautas, 1758 Jd. Granja - CEP: 12227-010 São José dos Campos - SP - Brasil http://www.inpe.br/gsst