Da Redação
Para toda a extensão da Amazônia Legal Brasileira – ALB, o sistema PRODES, desenvolvido e operado pelo INPE, realiza o inventário de perda de floresta primária, através do uso de imagens de satélite de observação da Terra, desde 1988. O objetivo do PRODES é estimar a taxa anual de desmatamento por corte raso da floresta primária na ALB.
No mês de outubro de cada ano, o INPE finaliza o seu relatório que contém a primeira estimativa da taxa anual de desmatamento, utilizando cerca de 90% das imagens que apresentaram as maiores taxas de desmatamento verificadas para o período anterior.
A taxa anual de desmatamento para 2021 é calculada considerando o período que vai de 1º de agosto de 2020 até 31 de julho de 2021. Esta estimativa preliminar da taxa é conhecida como a “prévia” do PRODES. O relatório técnico, que inclui a taxa anual calculada é encaminhado à direção do INPE que o encaminha ao Ministério do Meio Ambiente – MMA e ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – MCTI, os quais têm a prerrogativa de divulgar os números para a sociedade.
Historicamente, os números levantados pelo PRODES têm servido para os sucessivos governos como um termômetro para avaliar as políticas públicas visando reduzir o desmatamento da Amazônia e avaliar o inventário das emissões.
A Conferência das Partes – COP é o encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizado anualmente por representantes de vários países com o objetivo de debater as mudanças climáticas, encontrar soluções para os problemas ambientais que afetam o planeta e negociar acordos.
A cada ano é realizada a COP com o respectivo número do encontro. A COP1 ocorreu em Berlim, Alemanha, em 1995. Já a COP3 aconteceu no Japão, em 1997, quando foi criado o Protocolo de Kyoto, que estabeleceu metas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, principalmente por parte dos países industrializados.
Uma das mais importantes COPs foi a COP21, realizada em Paris, em 2015. Naquele evento, o Brasil apresentou metas ousadas para a Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, na sigla em inglês). Cientistas brasileiros, em especial um qualificado grupo do INPE, foram protagonistas neste inventário, estabelecendo resultados que o Brasil deveria alcançar até 2030.
De lá pra cá o Brasil passou a ser um pária entre as nações, culminando com a última, a COP 26 em Glasgow, de 31/10 a 12/11, que teve dois pontos a lamentar: a ausência do Presidente Bolsonaro, que justificou a sua ausência para não receber “porrada” e as mentiras deslavadas do Ministro do Meio Ambiente.
O Gato subiu no Telhado
O resultado do PRODES é sempre aguardado, com interesse, pelos governos, cientistas do clima e sociedade civil organizada. Este ano, em particular, eram números muito aguardados. Mas, neste evento em Glasgow, os números do Brasil não apareceram. Jornalistas especializados buscaram informações com membros do Governo Brasileiro e foram informados que o PRODES ainda não tinha concluído o seu relatório anual. Pura mentira!
Informações seguras mostram que o relatório técnico para a estimativa preliminar da taxa anual do PRODES foi finalizado no período normal, em meados de outubro. O documento foi enviado, através do Sistema Eletrônico de Informações – SEI, no modo DOCUMENTO PÚBLICO, para o Diretor do INPE, que enviou ao MCTI.
Assim sendo, no dia 10 de novembro, quando fez seu pronunciamento, o Ministro do MMA, Joaquim Leite, já deveria estar de posse da taxa anual de desmatamento. Não falou porque não quis; ou, para também não levar “porrada”.
Se, no âmbito do alto escalão do governo, mentiras e omissões são frequentes; no baixo clero a tônica é a mesma. Após enviar os dados do PRODES ao MCTI, o Diretor do INPE os colocou em um cofre e engoliu a chave. Em linguagem técnica, o Diretor do INPE decretou sigilo sobre as informações e somente ele, agora, tem acesso, pelo SEI, ao relatório técnico.
Nada diferente do sigilo do cartão corporativo de Bolsonaro, o sigilo de 100 anos sobre o acesso dos filhos de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, o sigilo sobre a tentativa fraudulenta da compra da vacina Covaxin e o mais danoso aos servidores públicos, o sigilo de todos os documentos da Reforma Administrativa.
Recentemente, dezenas de servidores do INEP, responsáveis pelo ENEM, solicitaram exoneração de seus cargos, devido à interferência, de membros do governo, na elaboração das provas e também na questão da segurança e sigilo dos exames. Bolsonaro desdenhou e ainda fez blague, dizendo, durante o seu turismo por Dubai, acompanhado por uma tropa de áulicos, que: “agora o ENEM começa a ter a cara do governo”.
Será que agora o Diretor do INPE está, igualmente, empenhado em dar ao INPE também uma “cara” do governo? Qual o compromisso do Diretor com a garantia de que este dado será liberado? Qual a garantia do Diretor de que ele, como fizeram muitos Diretores antes dele, defenderá a independência técnico-científica da nossa sexagenária instituição? O último deles, Ricardo Galvão, sendo exonerado do seu cargo exatamente pela defesa intransigente do trabalho desta instituição de estado e de seus técnicos e cientistas exatamente neste mesmo assunto.
Ao se calar sobre os dados do PRODES e escondê-los da sociedade, o Diretor do INPE brinca com coisa séria; esconder pode até ajudá-lo a ganhar pontos com o Governo Bolsonaro, mas seu futuro como cientista está comprometido, pois o compromisso maior daqueles que fazem Ciência é com a verdade, e não com síndicos de plantão.
Dante, em sua imortal obra sobre os defeitos e fraquezas dos humanos, a Divina Comédia, define a cara do Diabo como “brutta faccia”. Mas Dante também fala de um lugar privilegiado no Nono Círculo do Inferno: as Esferas de Caína, Antenora, Ptolomeia e Judeca.