Bolsonaro encaminha texto da Reforma Administrativa para Congresso
Bolsonaro encaminha texto da Reforma Administrativa para Congresso

Bolsonaro encaminha texto da Reforma Administrativa para Congresso

O encaminhamento da proposta da Reforma Administrativa ao Congresso, ainda em plena pandemia do coronavírus, comprova que o governo não tem a menor intenção de corrigir injustiças, de acabar com supersalários e ainda está se aproveitando de uma crise econômica e de saúde pública para ludibriar a população.

O texto confuso e incompleto, deixa de fora militares, parlamentares e juízes, justamente onde ocorrem as maiores distorções salariais, onde existem mais privilégios.

Um dos pontos apresentados proíbe o gozo de mais de 30 dias de férias por ano. Porém, o item será aplicado apenas para os servidores públicos, que já não possuem esse direito. São os juízes, parlamentares e procuradores que podem usufruir de dois meses de férias anuais, justamente os que estão fora da reforma.

O secretário especial-adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Gleisson Cardoso Rubin justifica o “tratamento especial” afirmando que o presidente da República não pode definir normas específicas para membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. Se as maiores distorções encontram-se justamente ali, para que serve essa reforma?

Como uma das respostas, podemos afirmar: dar mais poderes ao presidente da República!

A partir da aprovação do texto, Bolsonaro poderá, através de um simples Decreto, extinguir órgãos públicos. Até hoje, tal decisão caberia ao Congresso Nacional.

Diz o novo artigo 84:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:…

VI – quando não implicar aumento de despesa, dispor por meio de decreto sobre:

c) criação, fusão, transformação ou extinção de Ministérios e de órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República, observado o disposto no art. 88;

d) extinção, transformação e fusão de entidades da administração pública autárquica e fundacional;”

A Reforma também permitirá ao presidente a extinção de cargos vagos, de funções de confiança (vagas ou ocupadas) e gratificações, a transformação de cargos públicos efetivos vagos, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de liderança e assessoramento. Atualmente, o país possui mais de 600 mil servidores na ativa. Será que cabe mesmo ao presidente da República decidir sobre isso?

Outro ponto de destaque da Reforma se refere à remuneração dos servidores (Art. 37, inciso XXIII). Houve a preocupação de impedir “abusos” que aumentem a remuneração e onerem os cofres públicos. A Reforma retira dos servidores os adicionais de tempo de serviço, licença-prêmio, licença assiduidade, abono de permanência, o aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos…, itens que ajudam a compor o salário dos servidores e colaboram para minimizar os efeitos de arrocho salarial e da perda de poder aquisitivo.

Ainda sobre o tema remuneração, o texto da Reforma revoga os incisos I, II e III, do § 1º, do Art. 39, que diz:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

II – os requisitos para a investidura;

III – as peculiaridades dos cargos.”

O texto da reforma não apresenta um substitutivo para o trecho removido. Parece que “a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará” … um enorme vazio.

E, como o Artigo original não foi suprimido, a Constituição terá dois Art. 39, pois, o texto da Reforma apresenta:

Art. 39. Lei complementar federal disporá sobre normas gerais de:

I – gestão de pessoas;

II – política remuneratória e de benefícios;

III – ocupação de cargos de liderança e assessoramento;

IV – organização da força de trabalho no serviço público;

V – progressão e promoção funcionais;

VI – desenvolvimento e capacitação de servidores; e

(…)”

Nos restará torcer para que a citada Lei complementar seja logo redigida, para sabermos o que ocorrerá de fato com o funcionalismo.

Nem todo o conteúdo da Reforma é tão ruim quanto parece. Alguns servidores, mesmo sendo do Poder Executivo, poderão ser “salvos”. É o caso das Carreiras Típicas de Estado. Só teremos que esperar, mais uma vez, para saber quais são elas: “§ 1º Os critérios para definição de cargos típicos de Estado serão estabelecidos em lei complementar federal.”

Como um “plus”, a Reforma acaba com o Regime Jurídico Único – RJU que rege a carreira do funcionalismo, e cria novas modalidades de contratação: vínculo de experiência, vínculo por prazo determinado, cargo com vínculo por prazo indeterminado, cargo típico de Estado e cargo de liderança e assessoramento — este último corresponde aos cargos de confiança. Os futuros servidores deverão ser contratados pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, com possibilidade de demissão.

O fim do RJU permitirá o loteamento de cargos técnicos que hoje só podem ser preenchidos por funcionários públicos. Isso facilitará também a famosa “rachadinha”, o repasse, por parte do servidor, de parte de sua remuneração para políticos ou assessores.

Os atuais servidores, tanto ativos quanto aposentados, continuarão regidos pelo extinto RJU. Neste caso, assim como já vimos em carreiras em extinção, os reajustes salariais ficam cada vez mais escassos e, ano após ano, o grupo perderá seu poder de negociação com o governo.

A Reforma também não explica se haverá paridade de salário entre os servidores, que continuarão sob o extinto RJU e os novos contratados, via CLT. Também não explica como garantirão recursos financeiros para a aposentadoria dos atuais servidores.

Assim, conforme se vai conhecendo o texto e o que há dissimulado nele, vê-se que a reforma é perversa. O fim da estabilidade para os servidores prejudicará a atuação do funcionalismo público. “Um servidor com vínculo frágil é alguém que deve lealdade a outros atores, e não ao Estado brasileiro. A estabilidade é uma conquista democrática que permite ao servidor agir de forma independente dos interesses privados”, afirmou o deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público. Os servidores passarão a dever lealdade ao governante e não ao Estado brasileiro. Desagradá-lo poderá significar demissão sumária. O servidor celetista também poderá ser demitido para “abrir vaga” para algum protegido, indicado pelos apoiadores do governante de plantão. Por mais absurdo que isto pareça, os mais antigos se lembrarão que era assim antes da constituição de 1988. O instituto da estabilidade (não absoluta como difamam os governistas) foi colocado como um freio ao despotismo e desmandos então vigentes. E, é claro, desde então é atacado por quem quer mandar e desmandar no serviço e servidores públicos.

Na verdade, essa “Reforma Administrativa” do governo Bolsonaro esconde uma contra reforma de Estado. Isso porque ela tem nas privatizações um pilar importante. A visão ultraliberal do atual governo, organiza o serviço público a partir da redução do Estado. Enquanto vários países reestatizam ou remunicipalizam serviços tais como saúde, educação, assistência social, água, saneamento e energia – entre outros – o Governo brasileiro quer privatizar. Fica óbvia a intenção do governo de entregar as empresas estatais, os bancos, as fundações, os órgãos e os serviços públicos para a iniciativa privada, reservando somente as carreiras típicas de Estado, basicamente poder de polícia, fiscalização e burocracia, ao setor genuinamente público.

O texto apresentado ao Congresso deixa mais perguntas do que respostas e não corrige os reais problemas da Administração Pública.

A Reforma Administrativa de Bolsonaro, além de injusta, pune o servidor e promove um abismo entre as carreiras menos privilegiadas e os militares, parlamentares e magistrados. Caso aprovada, essa Reforma deixará o Estado brasileiro exposto aos interesses privados e trará mais prejuízos aos serviços públicos.