Investimentos em Pesquisa Científica sofrem queda brusca
Investimentos em Pesquisa Científica sofrem queda brusca

Investimentos em Pesquisa Científica sofrem queda brusca

 Semana passada duas más notícias e uma hipótese desalentadora surpreenderam a sociedade. A primeira má notícia veio em um gráfico que mostra a queda em V invertido – oposta portanto à recuperação do PIB sonhada por Guedes – dos gastos com pesquisa no Brasil por suas principais fontes: FNDCT, CNPq e CAPES. O gráfico mostra que os gastos cresceram lenta, mas consistentemente, de R$ 4,08 bilhões, em 2000, para R$ 13,87 bilhões, em 2015. A partir de então, os gastos despencaram para R$ 5 bilhões, em 2020, a uma taxa média de R$ 1,7 bilhão por ano, considerando todos os valores deflacionados pelo IPCA. Voltamos a investir em ciência, o que se investia no início do século 21…

Os gastos com pesquisa científica no Brasil
Os gastos com pesquisa científica no Brasil

(Fonte: Governos radicais levam Ciência de volta a 2006 (monitormercantil.com.br) )

Em 1974, início do governo Geisel, havia 03 países do chamado “mundo livre”, em oposição às ditaduras marxistas que possuíam programas de pesquisa espacial. O Brasil era um desses países. Eu me lembro que estávamos muito à frente de países como o Japão, a Coreia do Sul e a China. Éramos então, como agora, uma nação cuja elite tosca gostava de jogar a responsabilidade nos braços dos militares quando sentia sua “casa grande” ameaçada. Mas os generais daquele tempo eram mais bem preparados do que os atuais. Além de terem modos civilizados em público, tinham cultura e visão de país. Eram conservadores, estavam dispostos a manter a hierarquia social, mas tinham um projeto de desenvolvimento que passava pela formação de recursos humanos e investimento pesado em ciência e tecnologia, pois o mesmo estava atrelado aos investimentos em Defesa.

Muito se falou do “milagre brasileiro” que traz saudade aos amantes da ditadura militar. Em 1960, o Brasil já tinha se industrializado, mas a Coreia do Sul saiu combalida da guerra e ainda era um país agrário, subdesenvolvido, e totalmente dependente da importação de produtos industrializados. Em 2000, a Coreia já fazia parte da OCDE, enquanto o Brasil recebeu um convite meio esquisito 60 anos depois.

Nem houve um milagre brasileiro, nem houve um milagre coreano. Houve busca de conhecimento; muita gente estudando e modelando os fatores de desenvolvimento econômico e social das nações – objetos de pesquisa das tais ciências humanas.

O caso da Coreia do Sul é bastante estudado, e um dos fatores sempre identificado como fundamental para o “milagre coreano” foi a decisão daquele estado de investir sistematicamente no desenvolvimento científico e tecnológico para modificar o perfil da sua produção industrial, de intensiva em mão de obra para intensiva em tecnologia, a partir de 1980. Essa data é importante, porque aí começou uma das nossas muitas décadas perdidas. É importante salientar que a Coreia passou por crises econômicas, alterou a visão e o projeto estratégico de desenvolvimento econômico; no Brasil as crises se tornam justificativas para interromper, descontinuar e destruir políticas públicas. Em 2006, o gasto da Coreia do Sul com P&D já havia ultrapassado, em fração do PIB, o dos EUA, atingindo 2,7 % do PIB, e em 2009, deixou o Japão para trás, investindo 3,5 % do PIB em P&D.

O grande investimento do governo em C&T atraiu a indústria privada para o mercado de produtos de alta tecnologia fazendo com que a Coreia do Sul passasse a ser um gerador e exportador de produtos de alta tecnologia para o mercado externo. Entre 2001 e 2010, a distância tecnológica entre o Japão e a Coreia do Sul podia ser notada através dos registros de patentes. A cada patente registrada pela Coreia, o Japão registrava 10. Esta proporção foi reduzida para 1/3, quando a Coreia atingiu o registro de cerca de 150 mil patentes.

Mas esse crescimento da P&D só foi possível porque o governo coreano investiu maciçamente em educação. Na década de 1940, 78% da população coreana com idade superior a 12 anos era analfabeta. Entre 1953, fim da Guerra da Coreia, e 1959, foi feito um plano de educação compulsória que levou à eliminação do analfabetismo. Para que o plano de desenvolvimento industrial desse certo, o governo coreano sabia que precisava transformar sua população em recursos humanos competentes para liderar o desenvolvimento científico e as inovações necessárias para que a economia exportadora de manufaturas de baixo valor agregado se tornasse uma economia dinâmica, orientada para a exportação de produtos e serviços de alta tecnologia. Enquanto, em 2015, o estado brasileiro investia US$ 2,6 bilhões de dólares em P&D, a Coreia do Sul previa investir US$ 21 bilhões até o fim da década, para se adaptar às demandas de uma indústria de baixo carbono. Esse montante significa cerca de US$ 4 bilhões por ano, ou seja, quatro vezes mais do que o Brasil investiu esse ano.

Se o governo atual tem como meta fazer com que o Brasil entre para a tão almejada OCDE, é preciso que comece a seguir os marcos civilizatórios que ela impõe aos seus membros (nem todos tão civilizados), qual seja: para alcançar posições mais elevadas da classificação em termos de P&D empresarial e inovação, maior importância deve ser atribuída aos investimentos em ciência básica (pesquisa pública e recursos humanos) para fortalecer os fundamentos das futuras inovações.

A segunda má notícia da semana passada foi a de que o CNPq publicou uma chamada para 25 mil bolsas de IC do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, na qual, porém, exclui as áreas de Humanidades, Artes e Ciências Sociais. As bolsas serão focadas em tecnologias prioritárias, ou pesquisas nas áreas de ciências humanas e sociais desde que estejam ligadas a essas tecnologias. Eu me pergunto se quem preparou esse edital sabe o tipo de edital que as agências internacionais de fomento à pesquisa estão abrindo. Eu recomendo a leitura do artigo de Lubchenco (1998). É antigo, mas é um clássico, para provar que nem toda novidade é boa, e que nem tudo que é antigo deve ser descartado.

Finalmente, a hipótese que assombra. O Brasil está espantando seus jovens, os que seriam portadores das inovações, os que teriam a energia e a paixão para reconstruir as coisas que têm sido destruídas. Mas esse ano, poucos que deixaram a graduação foram em busca de um curso de pós-graduação. E os poucos que buscaram, muitos o fizeram não por vocação, mas por desespero. Enquanto isso, nossos alunos de mestrado estão sendo recrutados por centros de pesquisa na Europa, na Austrália e no Japão. Estamos entrando em mais uma década que poderá ser perdida.

Leituras recomendadas que foram as fontes das informações apresentadas neste artigo:

Lubchenco, J. (1998). Entering the century of the environment: a new social contract for science. Science279(5350), 491-497.

Koeller, P., & Gordon, J. L. (2009). The role of the State in National Systems of Innovation. Nota Técnica RedeSist Projeto Brics.

Nezhnikova, E. (2020). Investment in human capital as the basis for the country’s economic growth. In E3S Web of Conferences (Vol. 164, p. 09046). EDP Sciences.

OECD (2016), “Korea”, in OECD Science, Technology and Innovation Outlook 2016, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/sti_in_outlook-2016-71-en.

Meissner, D., Gokhberg, L., & Sokolov, A. (Eds.). (2013). Science, technology and innovation policy for the future: potentials and limits of foresight studies. Springer Science & Business Media.