O futuro do INPE, ou o seu fim?
O futuro do INPE, ou o seu fim?

O futuro do INPE, ou o seu fim?

Carlos Lacerda (1914-1977) foi um misto de jornalista e político que deixou marcas profundas na história brasileira do século passado. Personalidade marcante, ampla cultura, coragem e grande capacidade de articulação eram suas marcas. A despeito destes atributos, ou em razão deles, foi um golpista compulsivo, e legou ao nosso folclore político frases memoráveis. Dentre elas a que formulou quando do retorno de Getúlio Vargas à Presidência da República: “O sr. Getúlio Vargas senador não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar“.

Corte.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) acaba de completar 59 anos (em 3 de agosto de 2020). Seu legado para a ciência e tecnologia nacionais é imenso, reconhecido nacional e internacionalmente. No entanto, como outras tantas organizações de ciência e tecnologia nacionais, padece de dificuldades crônicas para continuar a cumprir sua missão, seja pelo envelhecimento e declínio de sua força de trabalho, pela continuada redução de seu orçamento, e pelos inumeráveis obstáculos jurídicos ao cumprimento de suas atribuições, a despeito das reformas recentes no marco legal de ciência e tecnologia. Enfim, há uma inegável sensação de fadiga institucional.

Não bastassem tantas dificuldades, o Instituto vive, ou sobrevive, desde meados de 2019 em permanente tensão. Seu então Diretor, Dr. Ricardo Galvão, foi exonerado em 7 de agosto de 2019 em razão da corajosa defesa do órgão frente a infundadas acusações de que os dados relativos ao desmatamento na região amazônica estariam sendo fraudados, ou atendendo a interesses alheios. Nada se provou e, para a infelicidade geral de muitos, os dados continuaram a ser publicados, e indicam uma piora contínua do desmatamento desde então.

Mais recentemente, em 13 de julho de 2020, em episódio mal explicado, a então coordenadora-geral de Observação da Terra do Instituto, Dra. Lubia Vinhas, também foi exonerada, praticamente um ano após o episódio que levou à exoneração do Diretor do INPE. Ainda assim, os dados de desmatamento e queimadas continuam a ser publicados, e continuam a piorar.

Sabe-se agora que o orçamento do INPE para o ano de 2021 deverá sofrer enorme redução, bem além daquela imposta aos vários ministérios em razão da atual crise fiscal. Em ocasiões de emergência como a que vivemos, normalmente se atribui ao órgão, que sabe melhor que ninguém de seus problemas e necessidades, o poder de distribuir os limitados recursos. Não desta vez.

O orçamento a ser repassado ao INPE pela Agência Espacial Brasileira (AEB) será reduzido em quase 50%, bem além dos 14% de redução do orçamento atribuído pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI). Este último, corretamente, repassou ao INPE apenas a redução que lhe foi imposta pelo Ministério da Economia.

Mas a realidade é ainda pior. Fração relevante do orçamento que virá da AEB será destinada ao pagamento de dívidas passadas, o que resolve problemas anteriores, é certo, mas não contribui para atender às demandas futuras. Pior ainda, a AEB decidiu reduzir a zero o orçamento que apoia projetos de pesquisa e desenvolvimento e o funcionamento de três áreas essenciais do INPE: a de ciências espaciais, a de tecnologias espaciais e, pasmem, também a de observação da Terra. Sim, esta última é exatamente a responsável pela determinação dos índices de desmatamento no país, dentre outras tantas atividades fundamentais.

As razões para essa decisão podem ser as mais variadas e, se muito, virá a público uma anódina justificativa alegando questões burocráticas e conjunturais, afinal, sabemos que todos têm direito à própria opinião, mas não direito aos próprios fatos. Neste caso, o fato é que em 2019 o órgão perdeu seu Diretor, em 2020 uma coordenadora-geral foi exonerada do cargo e, provavelmente, caso nada seja feito, áreas responsáveis por tarefas de imensa relevância para a nação em ciências espaciais (área pioneira no INPE), tecnologias espaciais (fundamental para o desenvolvimento de sistemas complexos), além daquela de observação da Terra já citada, terão seus orçamentos brutalmente reduzidos em 2021. A conexão entre os três fatos parece tudo, menos uma coincidência.

Por estas e tantas outras razões, tememos pelo futuro do INPE. Tememos que haja uma concertação com o intuito de lhe tirar o protagonismo conquistado com muito trabalho e competência ao longo de décadas, tanto nas atividades associadas à tecnologia espacial (desenvolvimento de satélites e aplicações, rastreio e controle, e recepção e distribuição de dados, estes de forma aberta, transparente e gratuita, é importante ressaltar), quanto em áreas voltadas para o meio ambiente (sensoriamento remoto, desmatamento, queimadas, meteorologia, mudanças climáticas, etc.). Será o INPE capaz de chegar aos 60 anos? Provavelmente sim, mas em que condições? Com que relevância para o Brasil?

Parodiando Carlos Lacerda, porém sem o mesmo brilho, de tudo o que se viu até agora a estratégia parece ser: “Se os dados não forem os que queremos, demita o Diretor. Se continuarem ruins, demita o(a) coordenador(a). Se, ainda assim, não entrarem nos eixos, corte o orçamento”.

Mas não devemos perder a esperança. Até o final do mês de agosto cabe ao Executivo (Ministério da Economia) ajustar a proposta orçamentária a ser enviada ao Congresso Nacional. Quem sabe, se a questão for levada aos mais altos escalões da República, eles possam se sensibilizar e tomar providências para reverter tal situação. Há, porém, um risco; o de que, ao saberem que o INPE poderá interromper suas atividades (que é o mesmo que morrer), eles simplesmente respondam: E daí?