O mercado e o macaco
O mercado e o macaco

O mercado e o macaco

José Thomaz da Cunha Vasconcellos Neto (1926-2011), mais conhecido como Zé Vasconcelos, foi um humorista, ator, diretor, produtor, dublador, radialista e compositor brasileiro (Wikipédia), pioneiro no gênero de comédia, hoje, conhecido como “stand-up”. De seu imenso repertório de piadas longas, teatrais, inocentes e capazes de fazer rir a todos das muitas famílias que o assistiam frente às velhas TVs em preto e branco, lembro-me vivamente de uma.

Contava o comediante que um sujeito viajava de carro em uma estrada isolada e remota em um dia quente e de sol a pino. Repentinamente um pneu furou e o motorista foi obrigado a estacionar. Desceu, abriu o porta-malas, retirou o pneu sobressalente e descobriu, para sua surpresa, que não havia um macaco no carro. Olhou para um lado e o outro da estrada, e ninguém ia, nem vinha. Olhou em torno e não havia casa alguma, nem ninguém por perto. Observou, então, uma placa enferrujada que indicava haver um posto de gasolina 10 km adiante. Sem alternativa, decidiu buscar socorro, ou comprar um macaco. Sem água, chapéu, ou guarda-sol, partiu no calor. Imediatamente, pensou quanto custaria este acessório – item estranho às listas de compras de qualquer um. Por analogia imaginou que por uns duzentos reais (em dinheiro de hoje) conseguiria comprá-lo. Mais adiante, com suor já escorrendo pela testa, a sede se insinuando e o cansaço começando a abatê-lo, imaginou que naquela imensa desolação o preço deveria certamente ser mais alto, talvez uns mil reais. Continuou a andar e, já ofegante e encharcado de suor, concluiu que seria impossível comprá-lo por menos de cinco mil reais.

Finalmente, o posto surgiu no horizonte, um oásis sob o sol causticante. Nosso pobre personagem, já se arrastando, chega à pequena loja, abre a porta com violência, e, para o terror da pobre atendente, acusa-a aos berros de vender um simples macaco por … dez mil reais!

A razão para ter retido a lembrança dessa pequena peça de comédia deve-se à sua inevitável conexão com situações de nossa vida e da economia, pois trata de expectativas, de incertezas e sua precificação. Não por coincidência, também vale para a controvérsia econômica do momento: a questão do comprometimento, ou não, do próximo governo com a dita responsabilidade fiscal. Há expectativas negativas quanto à futura política econômica e incertezas quanto às prioridades do futuro presidente, e isso leva a uma inevitável precificação, que tem colocado o mercado em oposição ao futuro governo, levando a repentinas quedas da bolsa e elevações do dólar.

Concluídas as eleições, Lula com sua oratória conhecida de quase todos, disse, com a ênfase que lhe é tão peculiar, que entre a responsabilidade social e a fiscal, ficaria com a primeira. No entanto, com menor ênfase, mas com a mesma prioridade, disse que seu governo terá sim responsabilidade social e fiscal e, trazendo uma nova visão para suas prioridades de governo, adicionou aquela que chamou de responsabilidade ambiental. A despeito do complemento, o alvoroçado mercado só ouviu a primeira parte do discurso, e já quotava o macaco a … quinze mil reais.

Tudo, ainda, é muito preliminar para o próximo governo, mas sem dúvida o tripé social, fiscal e ambiental oferece uma visão inovadora e capaz de abrir extraordinárias oportunidades para uma nação como o Brasil. No tempo que levei para escrever essas poucas linhas, o mercado já quotava o macaco em … vinte mil reais!

Quase simultaneamente, o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto e o festejado economista Pérsio Arida, também, disseram a mesma coisa – da necessidade de conjugar as responsabilidades social e fiscal para termos um país mais justo. Para a surpresa de ninguém, suas falas não causaram qualquer comoção ao mercado.

Creio que nosso país amadureceu com os tantos infortúnios econômicos pelos quais já passamos nas últimas décadas. É fato que não adianta pular de um despenhadeiro por discordar da lei da gravidade, pois, a queda será inevitável. Também, não adianta gastar de forma incontrolável, por mais justificáveis que sejam tais dispêndios, já que as consequências econômicas na forma de juros elevados, câmbio desequilibrado e inflação ascendente inexoravelmente virão. Parece claro que sem responsabilidade fiscal não se alcança a almejada responsabilidade social. Por outro lado, é possível ter responsabilidade fiscal sem qualquer política que busque a responsabilidade social, alternativa rejeitada pelo presidente eleito em nome do eleitorado que o consagrou.

Por tudo isso, parece ser a hora de se dar um voto de confiança ao novo governo, precificando a oratória presidencial de forma mais construtiva, e reduzindo as expectativas negativas dos últimos dias, para usar uma linguagem que o mercado entende.

Importante observar que debates econômicos recentes questionam a submissão de dispêndios destinados à educação, saúde e infraestrutura a tetos rígidos de gastos, conceito defendido pelo economista André Lara Resende, que, a propósito, também declarou seu voto em Lula.

Ao final de uma fatídica semana para as expectativas do mercado, parece que a turbulenta fase em que vivemos se deve mais a um problema de forma da comunicação, do que de conteúdo da mensagem. Enquanto a fala de Lula perturba o mercado, a mesma mensagem dita por outros agentes é recebida de forma neutra.

É fato que a trajetória do endividamento público nacional é preocupante – basta ver artigo recente da BBC que indica que o teto de gastos foi violado em 795 bilhões ao longo dos últimos quatro anos. O cidadão comum só agora consegue ter uma ideia da dimensão do problema herdado pelo novo governo, mas, será que o mercado, sempre tão bem-informado, não sabia, ou desconfiava, disso? Certamente sabia. Logo, não há novidade na situação das contas governamentais que justifique os recentes solavancos.

Concluo citando um fator moderador no cenário atual – o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Em entrevista para a jornalista Míriam Leitão tarde da noite deste 17 de novembro, com seu estilo que chega a ser irritantemente comedido, colocou as prioridades em seu devido lugar. Falou do social, falou do fiscal e de tantas outras prioridades e providências do futuro governo, que esperamos se materializem em sua maioria. Encerrou respondendo a uma pergunta quanto às longas horas de trabalho da transição. Respondeu relembrando sua juventude, quando ajudava seu pai em um sítio, e disse que às oito horas da manhã já havia soltado os bezerros, tirado o leite, e feito o queijo. Assim … os mercados dormiram em paz.

Autor

  • É graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (1982), mestre em Ciência Espacial / Mecânica Orbital pelo INPE e doutor em Advanced Manufacturing - University of Cranfield. Foi membro do Conselho Técnico Científico do INPE, fundador e primeiro presidente da Associação Aeroespacial Brasileira, e é Tecnologista Sênior III do INPE. Ocupou os cargos de Coordenador de Gestão Científica e Tecnológica do INPE em 2019 e de Diretor na Agência Espacial Brasileira de 2012 a 2019, entre outras posições.