Um presente de Natal astronômico: o Telescópio Espacial James Webb
Um presente de Natal astronômico: o Telescópio Espacial James Webb

Um presente de Natal astronômico: o Telescópio Espacial James Webb

Na costa norte da América do Sul, um foguete se eleva em meio à exuberante floresta tropical. É o “espaçoporto” europeu na Guiana Francesa, de onde, na manhã de Natal, um foguete Ariane-5 foi lançado ao espaço. Um lançamento que seria como qualquer outro, exceto pelo que levou. O foguete carregou consigo o tão esperado Telescópio Espacial James Webb – JWST, na sigla em inglês, um instrumento em planejamento há mais de 25 anos.

Webb vem sendo descrito como o próximo Hubble, uma comparação justa, se apenas o tamanho do espelho for considerado (o espelho do Hubble tem 2.4 metros de diâmetro, o de Webb tem 6.8 metros) mas, melhor caracterizado como um telescópio complementar, quando se trata da ciência a ser feita. Desde o início, foi planejado que o Hubble não seria capaz de fazer algumas observações bem interessantes e, então, Webb foi proposto para preencher a lacuna.

Concepção artística do telescópio espacial James Webb. O espelho segmentado tem um diâmetro efetivo de 6.5 metros, três vezes maior que o Hubble. O aparato onde está montado protege o telescópio da luz solar.

É um acaso fortuito do Universo que a velocidade da luz não seja infinita. Por causa disto, quando olhamos um objeto distante, estamos sempre olhando como ele era no passado. Em termos nada metafóricos, os telescópios testemunham a história do Universo. A principal missão científica do telescópio Webb é compreender a formação e evolução de galáxias, observando as primeiras galáxias do Universo, 100 milhões de anos após o Big Bang. Se o Universo fosse uma pessoa de 70 anos, é como ver uma foto dela quando era um bebê de meros 6 meses. Para fazer isso, Webb precisa operar de maneira diferente do Hubble.

Como o Universo está se expandindo, quanto mais longe um objeto se encontra, mais rápido ele se afasta de nós. Como as primeiras galáxias estão a mais de 13 bilhões de anos-luz de distância, nós as vemos recuando em velocidades vertiginosas. E isso muda a natureza da luz que recebemos delas. A luz é uma onda; como qualquer onda, ela completa uma oscilação que se repete em um dado comprimento e em uma dada frequência. Quando a fonte das ondas está se afastando de você, a frequência diminui, porque de uma batida a outra, a onda tem que viajar um pouco mais para completar uma oscilação, como ilustrado abaixo.



Quando a fonte de uma onda se move, a frequência que detectamos é diferente da frequência com que a fonte está emitindo. Se a fonte se aproxima, a frequência é mais alta. Se a fonte de afasta, a frequência é mais baixa.

Nossos olhos são sensíveis ao que, autocentradamente, chamamos de luz visível, que são ondas que completam de 400 a 700 trilhões de oscilações a cada segundo. Nossos olhos percebem as ondas de luz de diferentes frequências como cores diferentes: alta frequência como violeta, baixa frequência como vermelho, e todas as cores do arco-íris entre estes extremos. Mas nada impede a luz de oscilar em frequências mais altas ou mais baixas do que esta faixa; nossos olhos simplesmente não podem vê-los. Luz de frequência mais alta é chamada de ultravioleta, luz de frequência mais baixa é chamada de infravermelho. Devido à expansão do universo, as galáxias bebês têm sua luz intensamente desviada para o infravermelho. O Hubble vê em ultravioleta e visível; porém, para estudar estas galáxias, Webb foi projetado como um telescópio infravermelho.

Fazer astronomia em infravermelho não é uma tarefa fácil, principalmente porque infravermelho é calor, e nós vivemos em um planeta quente. Ainda que seja noite, nossa atmosfera brilha em infravermelho como a luz do dia. Mesmo no espaço, o telescópio precisa ser protegido da Terra, que brilha no infravermelho como uma lâmpada incandescente. Enquanto o Hubble estiver em órbita ao redor da Terra, Webb fará suas observações de uma localização especial, chamada de “Segundo Ponto Lagrangeano”, ou L2. De L2, que se encontra ao longo da linha que une a Terra e o Sol, quatro vezes mais distante que a Lua, o telescópio está em equilíbrio entre a atração gravitacional do Sol e a da Terra. Nessa posição, o Webb está longe o suficiente para não ser afetado pelo brilho da Terra, mas ele nunca se afasta do planeta, o que facilita a comunicação remota com o telescópio. Outro problema é que, como infravermelho é calor, o próprio telescópio brilharia em infravermelho apenas por estar em temperatura ambiente. A solução foi equipar o Webb com uma sombra solar, que funciona como um guarda-sol de praia. Além disso, o Webb tem um refrigerador embutido, resfriando os instrumentos relevantes a gélidos -260 graus centígrados.

Deve estar claro agora que o telescópio Webb é um feito colossal de engenharia, portanto não causa surpresa que sua construção tenha sofrido atrasos substanciais. Originalmente planejado para ser lançado em 2007, o telescópio foi redesenhado em 2005, concluído em 2016 e finalmente lançado na manhã do Natal de 2021. De um custo inicial de 500 milhões de dólares, a conta final será de cerca de 9,7 bilhões. Mas os atrasos foram necessários; o famoso defeito que fez do Hubble um telescópio míope nos primeiros anos da missão foi uma falha não-detectada porque, para cortar custos, alguns testes não foram realizados. Só foi possível enviar astronautas para consertar o espelho porque o Hubble está em órbita ao redor da Terra. Mas Webb está a quatro vezes a distância da Lua, mais longe do que qualquer ser humano já esteve. Uma missão de serviço seria muito mais complicada, ou mesmo inviável.

Entretanto, por mais incrível que seja o telescópio Webb, a missão está ocorrendo em meio a uma controvérsia acerca do nome do telescópio, uma polêmica que poderia ter sido evitada. James Webb não foi um cientista, mas um funcionário de longa carreira no serviço público, que administrou a NASA durante a missão Apolo. James Webb estava em um papel de liderança durante o que se convencionou chamar de Perigo Lavanda:a expulsão de indivíduos do serviço público do governo dos Estados Unidos sob suspeita de serem “homossexuais ou pervertidos”. Sob a liderança de James Webb muitos perderam seus empregos, apenas com base em sua orientação sexual, e os registros mostram que Webb planejou e participou de reuniões nas quais entregou material homofóbico.

Frank Kameny, um astrônomo gay que foi demitido durante este período, denunciou a política oficial como carente de “base racional perceptível”, escrevendo que “o governo está se privando dos serviços de cidadãos competentes, […] simplesmente porque nas suas vidas pessoais, fora do horário de trabalho, estes não se conformam em preconceitos e tabus estreitos, arcaicos, puritanos e medievais”. Mais de 1700 astrônomos e entusiastas da astronomia, incluindo este autor, assinaram uma petição solicitando a mudança do nome, mas a NASA decidiu mantê-lo.

Como astrônomo, estou entusiasmado com o que o telescópio Webb nos ensinará sobre o Universo. Como membro da comunidade LGBT, eu preferiria um nome diferente, talvez o de Frank Kameny. As descobertas do telescópio estarão para sempre nos livros de ciências. Ele inspirará uma geração inteira, assim como o Hubble. Que seu nome seja igualmente inspirador.

Autor

  • Wladimir Lyra é professor de astronomia na Universidade do Estado do Novo México (EUA). Foi cientista pesquisador no Laboratório de Propulsão a Jato do Instituto de Tecnologia da Califórnia (NASA/JPL-Caltech, EUA), onde foi recipiente da prestigiosa Bolsa Carl Sagan para estudos de pós-doutorado em planetas extrasolares. Antes disso fez pós-doutorado no Museu Americano de História Natural, em Nova York, EUA, e no Instituto Max Planck para Astronomia, em Heidelberg, Alemanha. É mestre e doutor em astrofísica pela Universidade de Uppsala, Suécia, e bacharel em astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu campo de atuação é em astrofísica computacional, onde trabalha produzindo modelos teóricos de formação planetária. Maiores informações podem ser obtidas em http://astronomy.nmsu.edu/wlyra/