Desde 2016 alguns mantras têm sido invocados, primeiro pelo governo Temer e agora pelo atual: depois da Reforma Trabalhista vai ter emprego, depois da Reforma da Previdência o país voltará a crescer, depois da Reforma Administrativa vai sobrar dinheiro para o governo investir nos mais pobres. Os resultados ficaram muito distantes das promessas: não foram criados empregos, o país não recuperou dinamismo econômico algum, pioram as condições de emprego e renda, assim como ficou mais distante o direito à aposentadoria.
Não há porque teimar na crença de que com a Reforma Administrativa será diferente. A Proposta de Emenda Constitucional 032/2020 é uma combinação das duas anteriores, agora para o serviço público, pois afeta os direitos trabalhistas dos servidores públicos atuais e futuros e causará mais impactos na já debilitada previdência do setor. Tem ainda como agravante ser uma reforma do Estado que prejudicará, em maior grau, a população mais pobre e dependente dos serviços públicos
O poder executivo conta com novos aliados para tramitar e aprovar mais esse assalto à Constituição de 1988. Os presidentes recém-eleitos da Câmara, Dep. Arthur Lira, e do Senado, Sen. Rodrigo Pacheco, já declaram apoio à Reforma Administrativa. Por outro lado os servidores se veem diante do desafio de compreender a reforma e se defenderem de algumas lendas que cercam o setor público. A mais difundida diz que os servidores públicos são privilegiados porque supostamente recebem altos salários e gozam de estabilidade no emprego.
No mundo real a maior parte dos funcionários públicos (57%) tem rendimentos concentrados na faixa de até 4 salários-mínimos. Considerando apenas a esfera municipal aumenta a faixa de servidores com menores salários e 2/3 recebem até o limite de 4 salários-mínimos. Portanto a grande massa de servidores de todas as esferas está muito longe de escandalosos salários. A tão atacada estabilidade é o fundamento que impede o loteamento do aparelho do Estado em feudos políticos, pois garante que o servidor possa exercer a lealdade às normas e à lei e não ao governante de plantão. Sem a estabilidade prática como a da “rachadinha” poderiam se instalar largamente para atender interesses de grupos.
Dentre todos os itens de que trata a PEC 32/2020, da Reforma Administrativa, destacamos, para conhecimento e debate, os seguintes:
* Dificulta o acesso à estabilidade
* Cria uma nebulosa avaliação de desempenho
* Abre espaço para o fim do regime jurídico único, especialmente no que diz respeito à previdência, já que possibilita incluir novos servidores no Regime Geral de Previdência Social
*Reduz a remuneração média no decorrer da carreira, ao retirar progressões por tempo de serviço e/ou automáticas
*Aumenta o poder discricionário do Executivo para extinguir cargos, funções, benefícios e instituições
*Amplia a possibilidade de contratação de temporários e possibilita aumento de terceirizações e
*Facilita as privatizações, ao retirar do Legislativo a responsabilidade por esses processos, incluindo como atribuição privativa do presidente da República a “extinção, transformação e fusão de entidades da administração pública autárquica e fundacional” (Inciso IV, art. 84, PEC 32/2020)
O governo tem anunciado que a atual reforma administrativa também não valeria para trabalhadores (as) na ativa, mas somente para servidores que ingressarem no serviço público após a aprovação. Porém, é necessário ter atenção: podem ser iniciados esforços, como modificações nas legislações vigentes, para alterar regimes de trabalho e benefícios para servidores na ativa.
A Reforma Trabalhista que atingiu o setor privado criou mecanismos de redução de salários, a Reforma Administrativa, se aprovada, fará o mesmo com os salários dos ingressantes e poderá criar outros mecanismos para diminuir o dos servidores atuais. Sob a ótica do governo o congelamento dos salários não é suficiente, é preciso reduzir a folha de pagamentos.
Os servidores já ativos devem se atentar para a perda de direitos, pois mesmo quando o governo reafirma que não mexerá nos direitos existentes dos “Servidores da ativa em ocupações típicas de Estado”, na verdade, abre espaço para flexibilização de todos os regramentos sobre os servidores em funções não típicas. Essa suposta segurança para as carreiras típicas é bastante ilusória, já que a própria definição deste tipo de função será objeto de regulamentação posterior.
Os efeitos sobre a população poderão ser catastróficos. Setores como saúde e educação, podendo ser amplamente terceirados e/ou com contratação temporária e ainda podendo haver seleções exclusivamente na base do apadrinhamento, poderão piorar o que a Constituição continua garantindo como direito. Para setores com menor proteção constitucional, a possibilidade de extinção deixa de ser remota ou difícil e passa a depender de canetadas do presidente. Em síntese, a reforma visa criar formas de praticamente extinguir o setor público, algo muito explícito em uma fala recente do Ministro da Economia Paulo Guedes, quando em um momento de sinceridade absoluta, declarou o objetivo de “tirar o Estado do povo brasileiro1“.
1 – A frase foi proferida em 5 de fevereiro pelo Ministro em contexto de discussão sobre reforma tributária, sua totalidade é a que segue ‘O peso do estado é muito grande. A orientação do presidente desde o início é vamos desonerar, reduzir, simplificar, tirar o Estado do povo brasileiro’.