Em entrevista para o SindCT, o cientista Carlos Nobre explica o agravamento das mudanças climáticas no mundo e a alta da temperatura global
Na última semana, três notícias sobre a crise climática causaram grande impacto na internet:
1. ‘Quente demais’: Brasil está entre lugares que podem se tornar inabitáveis – referente a um artigo da NASA
2. Mundo registra o dia mais quente já visto, segundo observatório europeu
3. Levantamento do Cemaden aponta níveis de seca por cidade no Vale do Paraíba e região
Apesar da primeira matéria mencionada já ter sido corrigida, (veja aqui), existe um fator em comum nas notícias o qual vem sendo alertado pelos cientistas há muito tempo: a temperatura do planeta está subindo!
Períodos de seca ou de chuvas intensas, enchentes, alagamentos, deslizamentos de terra, os chamados eventos extremos e os desastres naturais causados por eles, já estavam sendo alertados pelos cientistas há anos, principalmente sobre a frequência, cada vez maior, e sua localização, pois podem acontecer onde nunca houve registro de tal ocorrência anteriormente.
No Brasil, os primeiros seis meses do ano foram de recorde de calor e a chuva ficou abaixo da média na maior parte do país, com exceção do sul.
Até julho deste ano, o desastre natural que causou maior prejuízo foram as enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul, com mais de 95% do estado atingido.
Em oposição ao grande volume de chuva no sul do país, 1.024 cidades brasileiras estão sob a classificação de seca entre extrema e severa, nível mais alto da escala.
E o que é ainda mais grave: a ocorrência de seca traz o aumento no número de focos de incêndio. Segundo o monitoramento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, este ano é o maior em registros de focos de incêndio no país, nos últimos 10 anos.
Em entrevista para o SindCT, o cientista Carlos Nobre afirmou: “o que aconteceu em 2023 e 2024 foi uma surpresa para a ciência.”
Nobre explica que os cientistas fazem projeções com dados de aumento dos gases estufa, cerca de 1% ao ano, emissão de carbono e fenômenos naturais recorrentes, como El Ninho e La Ninha, por exemplo. Com esses dados, a previsão era de a temperatura da terra ficar 1,2oC mais alta que em 1820. Ao se considerar a ocorrência do El Ninho, que promove aquecimento, esta previsão foi alterada e a temperatura deveria ficar até 1,3oC mais alta. Porém, tivemos o terceiro El Ninho mais forte de todo o registro histórico e “A temperatura explodiu. Chegamos a 1,5oC e nos últimos 13 meses (de junho de 2023 a julho de 2024), a temperatura ficou, todos os meses, acima de 1,5oC. Bateu todos os recordes, nunca foi tão quente! Isso é uma enorme preocupação, nenhum dos modelos que fazem projeções previu que a temperatura ficaria tão quente. Estimo que milhares de cientistas estejam tentando explicar por que a temperatura subiu, quando a quantidade do aumento dos gases de efeito estufa foi dentro do projetado.”
De acordo com o cientista, o El Ninho terminou em maio, mas a temperatura não baixou. Com a chegada do efeito La Ninha, a partir de agosto, espera-se que haja um esfriamento do oceano pacífico equatorial. “Se com o La Ninha, a temperatura global não cair abaixo de 1,5oC, e se confirmar que 1,5oC foi atingido permanentemente em 2023 e 2024, isso é um gigantesco risco. Isso significa que atingimos a temperatura que era prevista para daqui a 25 anos.”
A crise climática tem se agravado, por falta de políticas públicas e pelo negacionismo, inclusive por parte de alguns governantes, e as consequências são sentidas pela população.
Nos Estados Unidos, o governo Trump “rasgou” o Acordo de Paris e aumentou o nível de emissões de carbono. Biden liberou a exploração de petróleo no Alasca. E não para por aí. Caso eleito, Trump já declarou que irá liberar toda exploração de petróleo e gás natural no país.
No Brasil, durante o governo Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia bateu recordes.
A fiscalização contra desmatamento e queimadas foi quase proibida.
Na opinião do cientista, em 2025 teremos a mais importante Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em Belém/PA. “Essa será uma COP em que todos os países se comprometam a, rapidamente, zerar as emissões.”
No Brasil, existem políticas públicas que buscam diminuir as emissões de carbono e gases de efeito estufa. Porém, ainda é necessário ZERAR o desmatamento dos biomas brasileiros até 2030. Atualmente é permitido desmatar 20% da Amazônia e 80% do cerrado. “Quando se fala em zerar o desmatamento, é TODO o desmatamento e não só o desmatamento ilegal”, explica Nobre.
Carlos Afonso Nobre graduou-se em engenharia eletrônica (1974) no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, São Paulo e fez doutorado em meteorologia (1983) no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT na sigla em inglês), Estados Unidos. Fez estágio de pós-doutoramento (1989) na Universidade de Maryland, EUA. Foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa (1975-1981) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe (1983- 2012). Exerceu funções de gestão e coordenação científicas e de política científica como presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes (2015-2016), diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden (2015) e secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI (2011-2015). É coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT). Suas áreas de pesquisa abrangem geociências e ciências ambientais com ênfase em meteorologia, climatologia, modelagem, mudanças climáticas, desastres naturais e ciência do sistema terrestre, atuando principalmente nos temas ciências atmosféricas, clima, meteorologia, Amazônia e modelagem climática, interação biosfera-atmosfera, mudanças climáticas e desastres naturais. Recebeu vários prêmios como Fundação Conrado Wessel, na área de Meio Ambiente (2007); Von Humboldt Medal da European Geophysical Union (2009); condecoração da Classe Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República (2010); “Prêmio a la Cooperación em Ciencia, Tecnologia y Innovación Dr. Luis Frederico Leloir”, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva, da Argentina (2011); Volvo Environmental Prize, Suécia (2016). Além da ABC, é membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês) e membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências, EUA (NAS, na sigla em inglês).