Biotecnologias sustentáveis no ensino de engenharia
Por: Lenilson Afonso dos Santos
Da esquerda para direita: Alan Silva dos Santos, Lucas Bitencourt Theodoroviez, Profa. Dra. Elizabete Kawachi, Profa. Dra. Luciana de Simone Cividanes Coppio, Lenilson Afonso dos Santos, David Alexandro Graves, Matheus Luciano Alves de Oliveira Silva, Luciana de Oliveira Santos, Matheus da Silva Leal, Mário Muniz Amorim Filho, João Gabriel Rocha Gomes Toni, Matheus Bianchesi, Marcus Vinícius Corbo dos Santos.
Os plásticos são polímeros derivados de petróleo que revolucionaram a economia mundial por meio de produtos resistentes, flexíveis e extremamente leves quando comparados aos materiais cerâmicos, ao vidro e aos metais. Presente em nossas cozinhas, na construção civil, neste teclado em que digito, o plástico se tornou onipresente na sociedade e no planeta. Por conseguinte, as pesquisas mais recentes constataram a presença de pequenas moléculas de plástico (nanoplásticos) em nosso sangue e órgãos, como se já não bastasse a poluição causada em solos e meios fluviais por esta ardilosa substância. Ainda não está claro quais são as consequências da presença de nanoplásticos em nosso corpo, mas definitivamente estes não deveriam estar lá.
No atual estado da arte, o cientista chefe da Norwegian Institute for Water Research, Dr. Bert van Bavel desenvolveu métodos quantitativos de detecção de nanoplástico e agrotóxicos no sangue em que foi possível detectar a presença destes contaminantes no leite materno, demonstrando o poder de contaminação indireta transgeracional. Mesmo se parássemos abruptamente a produção de plásticos e descontaminassemos o planeta, moléculas de plástico ainda estariam presentes no sangue das futuras gerações. Em vista deste cenário alarmante, o desenvolvimento da indústria de bioplásticos surge como alternativa mais saudável e sustentável para a sobrevivência e qualidade de vida da espécie humana. Afinal, resquícios de amido de batata, celulose e vinagre dificilmente seriam tão nocivos ao planeta e ao nosso corpo.
Foi por meio destas reflexões sobre a saúde planetária que surgiu o projeto de bioplásticos durante as aulas práticas de química, idealizado por um grupo de alunos do primeiro ano. Financiados pelo ITAex e orientados pela equipe de professores, mestrandos, doutorandos e técnicos, o grupo F da turma 27.3 desenvolveu, durante o ano de 2023, formas de produção de bioplástico biodegradável de baixo custo. Os materiais utilizados foram: amido de batata, água, ácido acético (composto que caracteriza o vinagre), glicerina e biocelulose de kombucha1. No processo de produção do bioplástico as longas cadeias do amido (amilose e amilopectina) são quebradas em pedaços menores (hidrólise) em meio aquoso acidificado. Então, esta mistura de amido, água e ácido acético é levada à temperatura de gelificação2, que, posta sobre um molde e submetida a evaporação controlada, produz filme plástico frágil e pouco maleável. Para melhoria destas propriedades, são adicionados na mistura: glicerina como agente plastificante e biocelulose de kombucha como carga de reforço. O agente plastificante, glicerina neste caso, proporciona maior maleabilidade do bioplástico, deixando-o menos rígido. Em termos práticos, a glicerina permite maior mobilidade das moléculas de amido, deixando-as menos suscetíveis a ruptura quando solicitadas por uma força de tração, aumentando sua propriedade elástica. Este fenômeno se assemelha com a lubrificação de portas, maçanetas e motores, porém em nível microscópico. Já a carga de reforço, biocelulose de kombucha, é responsável por conferir maior tenacidade do bioplástico quando solicitado por uma força. Estes melhoramentos proporcionam aos biopolímeros propriedades mecânicas parecidas com os plásticos comuns e possuem potencial para substituí-los em diversas aplicações, como: sacolas, copos e canudos.
1 Bebida probiótica fermentada originária da China. Contém a bactéria responsável pela produção de celulose bacteriana e ácido acético, a Komagataeibacter xylinus.
2 Temperatura em que uma mistura para produzir polenta ou manjar branco começa a engrossar, formando um gel.
Acima: produção da sacolinha de bioplástico.
Desta forma, os alunos do primeiro ano de graduação do ITA produziram a biocelulose de kombucha e testaram algumas formulações e métodos para encontrar o bioplástico que mais se adequasse ao objetivo, a produção de um protótipo de sacolinha completamente biodegradável e que apresentasse boas propriedades mecânicas para carregar objetos. No IX Workshop dos Projetos de Química (QUI-28) realizado no dia 22 de dezembro de 2023, o grupo F foi premiado como um dos melhores projetos da turma 27.3 pelo desempenho e sustentabilidade.
Foi extremamente gratificante, observar o avanço de projetos sustentáveis permeando a cada ano as temáticas abordadas na disciplina QUI-28. Além de desenvolver a práxis da química dentro de nossos laboratórios, os projetos se tornaram audaciosos ao tentar simular o que há de mais novo em termos de tecnologias sustentáveis. Ao deixar os alunos assumirem o protagonismo na apropriação do conhecimento, percebemos maior empolgação, dedicação e o interesse na elaboração e desenvolvimento dos projetos. Outros projetos da mesma turma, e não menos importantes, como biodiesel, baterias biodegradáveis, tintas condutoras, células solares e armazenamento energético são a vitrine deste avanço na formação contextualizada e implicada de profissionais com o desenvolvimento tecnológico sustentável.
Por fim, estes projetos não seriam possíveis sem o suporte e direção de trabalhadores altamente qualificados de ciência e tecnologia. Estes vão além das adversidades impostas por institutos abandonados pelas políticas públicas de desenvolvimento tecnológico. São professores, pesquisadores, técnicos, alunos de mestrado, alunos de doutorado, secretarias e terceirizados que fazem mais que o possível para que a ciência possa sobreviver a escassez de investimentos em nossas universidades e institutos de pesquisa. Desta forma, mais uma vez agradecemos ao ITAex pelo apoio e investimento que tornaram estes projetos possíveis.
Veja também: TV Vanguarda realiza entrevista com grupo após premiação pela pesquisa: