Um dos grandes sonhos de Evaristo Miranda, da Embrapa Territorial, foi o de tomar do INPE a responsabilidade de produzir os dados de desmatamento e queimadas. Em 2008, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, e outras lideranças do agronegócio, pediram ao presidente Lula para passar o monitoramento ambiental do INPE para o Centro da Embrapa liderado por Evaristo. Há rumores que Evaristo teria dito que “produziria um dado favorável ao governo e que o INPE estaria a serviço de interesses internacionais”. Houve uma forte reação do INPE e com o apoio firme da ministra do Meio-Ambiente, Marina Silva, do ministro do MCT, Sérgio Rezende e do presidente da EMBRAPA, Silvio Crestana, a ideia de Evaristo foi rejeitada. Com isso, conseguiu-se manter a responsabilidade do INPE no monitoramento ambiental da Amazônia.
Em novo artigo publicado no periódico científico Biological Conservation (leia aqui), um grupo de cientistas renomados e internacionalmente reconhecidos denuncia a produção, por parte de pesquisadores da Embrapa Territorial, de controvérsias falsas no campo da pesquisa ambiental brasileira com impactos desastrosos para as políticas de conservação.
O artigo, de autoria dos pesquisadores Raoni Rajão (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), Antonio Donato Nobre (INPE), Evandro Cunha (UFMG), Tiago Ribeiro Duarte (Universidade de Brasília), Camilla Marcolino (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), Britaldo Soares-Filho (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), Gerd Sparovek (Universidade de São Paulo – USP), Ricardo Rodrigues (Universidade de São Paulo – USP), Carlos Valera (Universidade Federal de Santa Catarina), Mercedes Bustamante (UnB), Carlos Nobre (INPE) e Letícia Santos de Lima (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha), liderados pelo professor Raoni Rajão (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), analisou os retrocessos causados pela atuação de um pequeno grupo de pesquisadores liderados por Evaristo de Miranda que utiliza de sua posição para levantar pretensas dúvidas sobre consensos científicos já estabelecidos, legitimando dessa forma o atraso na implementação ou desmonte de políticas ambientais vigentes.
Rajão e colegas apontam os prejuízos causados pelas falsas controvérsias em, pelo menos, cinco diferentes temas da política ambiental brasileira: (1) aprovação do novo Código Florestal em 2012, com anistia de 58% do desmatamento ilegal praticado antes de 2008; (2) a redução drástica da aplicação de multas ambientais, que incentiva o desmatamento ao produzir a certeza da impunidade; (3) a redução das demarcações de Terras Indígenas e criação de novas Unidades de Conservação de 2010 em diante, com piora significativa após 2018, juntamente com a redução de áreas protegidas (4) o atraso do estado de São Paulo em proibir a queima da cana-de-açúcar, com graves consequências para a saúde humana; e (5) o desmantelamento das políticas de controle de incêndios e desmatamento.
Para chegar a essas conclusões, o grupo analisou, de um lado, o descompasso entre as afirmações encontradas nos relatórios, vídeos e apresentações em audiências de Evaristo de Miranda, e do outro, o processo de construção e desmonte de políticas ambientais no Brasil desde o início dos anos 1990. O artigo também identificou que a equipe de Evaristo de Miranda adota estratégias similares aos já utilizados por negacionistas do clima em outros países. Essas estratégias consistem na fabricação de “incertezas” e pseudo-fatos, no abuso de credenciais científicas (incluindo criação de currículos com informações enganosas) e na desconsideração à literatura científica e à comunidade acadêmica.
Os autores do artigo identificaram que Miranda e colaboradores produzem um grande número de estudos não revisados por pares, muitas vezes publicados em revistas não-cientificas, com pouco detalhamento de metodologia e sem a disponibilização de seus dados. Uma segunda estratégia se refere à maquiagem das credenciais acadêmicas de Miranda, que inclui tanto a atribuição errônea da liderança de autoria de estudos em seu currículo Lattes, quanto uma listagem incorreta de vários estudos como sendo artigos científicos, mas que não passariam de ensaios ou notas técnicas sem validação pela comunidade acadêmica. A título de exemplo, até fevereiro de 2021, entre 83 documentos listados por Miranda em seu currículo Lattes como artigos científicos completos, apenas 17 deles seriam, de fato, artigos publicados em periódicos científicos e, dentre esses, apenas 10 são artigos indexados em bases de dados reconhecidas pelos cientistas.
Uma terceira parte é a negligência encontrada nos estudos de Miranda e colaboradores em relação ao grande volume de estudos validados e publicados em periódicos reconhecidos que apontam para um consenso científico muito diferente das ideias difundidas por Miranda. Na produção da ciência é prática regular e fundamental a comparação de resultados próprios com aqueles já publicados por outros autores, algo que é ausente na maior parte dos trabalhos de Miranda e colegas a respeito das falsas controvérsias mencionadas. Ao mesmo tempo que demonstra um baixo engajamento na comunidade científica em si, Miranda possui uma forte presença nas redes sociais e conta com um amplo suporte da bancada ruralista no Congresso Nacional.
Raoni Rajão e colegas apontam como o vínculo entre Evaristo de Miranda e a bancada ruralista é peça chave para a agenda do agronegócio na política brasileira: os autores do estudo mostram a frequência com que Miranda se apresenta na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a convite da bancada ruralista, a exaltação que recebe por parte de deputados durante audiências públicas, bem como sua atuação como mentor do Presidente Jair Bolsonaro em temas ambientais ao longo de seu governo.
Tendo em vista o enorme retrocesso ambiental causado pelas más práticas acadêmicas advindas do grupo liderado por Evaristo de Miranda, os autores chamam a atenção para a necessidade de combater as falsas controvérsias por meio de uma postura ativa dos cientistas, através do posicionamento público contra pseudo-fatos. Além disso, o artigo incentiva os cientistas a se engajarem nos debates sobre políticas públicas, onde a ciência de qualidade tem importância fundamental para dar suporte a decisões que levam o país a melhores rumos.
“A comunidade científica raramente combate falsas controvérsias pois entende que o seu papel é avançar a fronteira do conhecimento, e não rebater argumentos falaciosos. Isso é um erro pois acaba contribuindo para a difusão de narrativas falsas com grandes impactos sociais e ambientais”, argumenta Rajão que lidera o artigo.