Em 1942 Drummond publicou o poema José, que imortalizou o verso que dá título a este artigo e do qual também emprestamos a primeira estrofe:
“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?”
Em tempos de pandemia, mortes e crises, de um vasto sentimento de solidão e desamparo, não é difícil estabelecer um paralelo entre nossos destinos, como cidadãos e instituições, e o deste anônimo José. Sim, somos todos Josés!
No entanto, o objetivo hoje é pensar no futuro do INPE e de nosso programa espacial, particularmente na área de satélites. Antes, deixemos as devidas e mais que merecidas homenagens aos muitos profissionais do INPE, da AEB, do MCTI e de outras tantas organizações públicas e privadas – a indústria em particular – que contribuíram, direta e indiretamente, para o desenvolvimento do projeto do satélite Amazonia-1, coroado pelo sucesso no lançamento ocorrido no dia 28 de fevereiro e pela expectativa de uma longa e plena vida útil.
Em uma impressionante sequencia de sucessos, para os padrões brasileiros, é claro, foram lançados os satélites CBERS 3, em dezembro de 2013 (que infelizmente não chegou a entrar em órbita), CBERS 4, em dezembro de 2014, CBERS 4ª, em dezembro de 2019, e agora o Amazonia-1, todos com participação direta do INPE em seus desenvolvimentos. Mas, assim como no poema, a festa acabou, o povo sumirá em breve e a noite certamente esfriará para o INPE, caso as perspectivas orçamentárias, e de pessoal, sejam mantidas tal como estão.
O impressionante declínio orçamentário geral do Instituto nos últimos anos, agravado pela inexistência de novos projetos de satélites de maior porte, oferecem um cenário devastador para os próximos anos. Sim, há inúmeras propostas em andamento para o desenvolvimento de microssatélites, mas juntas não formam uma massa crítica que permita sustentar uma base industrial relevante, realizar missões mais ambiciosas e financiar organizações públicas, como é o caso do INPE. Tais organizações são as detentoras do conhecimento e da infraestrutura que as tornam naturalmente responsáveis pelos contratos públicos, pelo gerenciamento de projetos, pelo apoio ao desenvolvimento e, ao final, também responsáveis pela condução das missões em sua fase operacional. Sem novos projetos, a competente equipe de técnicos e engenheiros que acaba de voltar da Índia muito em breve não terá mais trabalho relevante a fazer. E agora, José?
Em outra vertente, assistimos à aproximação de um colapso geracional. Não há hoje uma nova geração de profissionais para assumir o lugar e o legado desta que desenvolveu os satélites em parceria com a China (seis ao todo), a Plataforma Multimissão – PMM e o Amazonia-1 – alguns que iniciaram sua carreira ainda na Missão Espacial Completa Brasileira – MECB, no início dos anos 1980. Que fique claro que o valor que fica de todo o investimento feito nestes satélites, expirada sua vida útil e encerradas suas operações, é o conhecimento que permite utilizá-los plenamente, replicá-los e melhorá-los. Mas, em breve, não haverá mais quem detenha tal conhecimento. Veremos, em pouco tempo, o encerramento de missões que deveriam já ter sido desdobradas em programas regulares de substituição de satélites, ao final de suas vidas úteis – não para sustentar indústria e institutos de forma artificial, mas porque o país precisa delas, e ter soberania neste campo conta. Assim, caso se queira mais tarde retomar estes projetos, não haverá quem o faça. E agora, José?
Neste panorama de declínio temos, também, a erosão de nossa, já modesta, base industrial, pela consequente ausência de novos contratos. Esta mesma base industrial já assistiu a ciclos anteriores que levaram ao seu virtual desmantelamento. Com muito esforço, um nível adequado de capacidade foi restabelecido pelos programas e projetos CBERS, PMM e Amazônia, mas não durará muito. É fato que se fala muito em novas empresas, pequenas empresas, new space, startups, etc. Resta saber se terão como surgir, crescer e se sustentar em um cenário de quase completo alheamento do estado como fonte de recursos, de projetos, de infraestrutura, ou de orientação estratégica, na forma de demanda por serviços, para que estas empresas orientem seu trabalho e seus investimentos, mesmo que totalmente privados. Nem nos Estados Unidos, hoje a Meca dessas empresas, é assim. José, e agora?
Também é fato que, o governo federal tem alocado recursos para o que a administração atual entende ser o seu programa espacial prioritário. Tais investimentos visam, em primeiro lugar, prover Alcântara de condições de operação que permitam o estabelecimento de alguma atividade de natureza comercial. Também vemos os investimentos na área da defesa, como a recente contratação, em sigilo, de um satélite radar estrangeiro. Este investimento vem na esteira da reorientação estratégica que, aparentemente, busca transferir, para organizações militares, muitas das responsabilidades pelas políticas nacionais na área ambiental. Este redirecionamento certamente impactará organizações civis e abertas como o INPE, cuja competência na área é amplamente reconhecida pela sociedade civil, pela academia e pela mídia, no Brasil e fora dele, mas que, no entanto, não gozam do mesmo prestígio dentro do governo brasileiro. Outro ponto são as contratações para o fornecimento de imagens, em lugar das já fornecidas pelos sistemas atuais, sendo que, no caso das políticas voltadas para a preservação ambiental, o grande problema está nas ações em campo para conter os crimes ambientais, não em sua detecção.
Neste cenário desolador, estaria o recém chegado Amazonia-1 fadado a ser primeiro e último? Sem novos projetos, sem um papel relevante, sem orçamento e sem novos servidores para onde irá o INPE? José, para onde?