O monitoramento de um importante bioma brasileiro será encerrado em abril. Por falta de verbas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE desmobilizou a equipe de pesquisadores focados no monitoramento do Cerrado.
Desde 2016, o monitoramento era feito com financiamento do Forest Investment Program – FIP, administrado pelo Banco Mundial. A verba de US$ 9 milhões, dividida entre o INPE, para a pesquisa, e outras duas universidades, foi encerrada em 31 de dezembro.
O Cerrado concentra 8 nascentes das 12 mais importantes bacias para o consumo de água e geração de energia no país. É um bioma importante para a distribuição de água no Brasil. Por ter o solo mais alto, absorve a umidade e leva água para bacias importantes para tanto para o consumo quanto para a geração de energia no país.
Na região da bacia do Rio Paraná, que abastece Itaipu, o Cerrado responde por quase 50% de toda a vazão. As regiões do São Francisco, do Parnaíba e do Paraguai – esta última ligada ao Pantanal – têm uma dependência hidrológica ainda maior: o bioma é responsável por quase toda a vazão. Com isso, se falta chuva no Cerrado, o país inteiro sente.
Atualmente, a ocupação ilegal e o uso de agrotóxicos são as maiores ameaças ao Cerrado, conforme alerta Paulo Artaxo, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Artaxo afirma que o Cerrado é um dos biomas brasileiros que foi “mais desmatado e mais maltratado ao longo das últimas décadas”, e que o Brasil precisa, urgentemente, cuidar dos biomas presentes em seu território.
Segundo o balanço mais recente, divulgado pelo INPE em dezembro, o desmatamento no Cerrado aumentou 7,9% entre agosto de 2020 e julho de 2021, alcançando a marca de 8.531 km². A extensão corresponde a cinco vezes a cidade de São Paulo.
Segundo o professor Artaxo, o monitoramento feito pelo INPE estava sendo realizado de maneira extremamente adequada nos últimos anos, e a preservação do Cerrado deve ser uma “meta nacional”.
Artaxo considera que tratar das bacias hidrográficas brasileiras é algo estratégico para o agronegócio. O professor afirmou que “não há qualquer contradição entre ter uma boa produtividade agrícola e, ao mesmo tempo, preservar a manutenção dos serviços ecossistêmicos que Cerrado, Amazônia e Pantanal realizam”.
“Atenta aos sinais de que tal cenário pudesse acontecer, a equipe do MapBiomas vem desenvolvendo um Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) específico para o Cerrado, que pode ser ativado a qualquer momento, para garantir o monitoramento do desmatamento no bioma”, afirmou o MapBiomas.
O coordenador do MapBiomas lamenta a má vontade do governo Jair Bolsonaro para lidar com a questão socioambiental. De acordo com Tasso Azevedo, há recursos federais que poderiam garantir a manutenção do projeto. “Não há vontade política de manter esses dados. O convênio com o Banco Mundial terminou em 2019 e já havia a sinalização para o Brasil financiar esse projeto. Não há falta de recursos. Temos mais de R$ 1 bilhão no Fundo Amazônia, que pode financiar ações de monitoramento nos biomas brasileiros. Entretanto, o governo federal mudou as regras do fundo e fez ele parar de funcionar”, disse.
Com o avanço do desmatamento, o cenário pode ficar ainda pior. “O atual governo despreza a questão ambiental e socioambiental. Não tem empatia com o próximo. É uma visão extremista do liberalismo, colocando os interesses individuais acima do coletivo. O papel do governo é garantir que o interesse comum esteja alinhado e é do interesse público a preservação das áreas indígenas, onde a Amazônia é melhor cuidada e protegida”, finalizou o especialista.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura também se pronunciou dizendo que o país “entra em contagem regressiva para garantir a sobrevivência do trabalho do INPE”.
“A Coalizão Brasil solicita que o governo federal assegure os recursos necessários para a continuidade do programa de monitoramento do Cerrado e de todos os biomas brasileiros. É uma questão de legalidade, transparência e credibilidade”, informou em nota.
De acordo com Mercedes Bustamante, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM e professora da Universidade de Brasília – UnB, acompanhar o bioma também é relevante para entender a segurança hídrica da região.
“O monitoramento das condições da cobertura e uso do solo nas bacias hidrográficas do Cerrado é essencial para a gestão de recursos hídricos e para a elaboração de estratégias adequadas de restauração de paisagens funcionais”, disse.
O INPE afirma que tenta novas verbas com a sugestão de um novo projeto de monitoramento de biomas brasileiros, o que incluiria o Cerrado. A proposta seria financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, mas ainda não há retorno sobre a aprovação.
Por outro lado, alguns servidores do INPE já afirmam que o projeto foi encerrado.
Para manter a equipe e o projeto são necessários R$ 2,5 milhões ao ano.
A título de comparação, as férias de 18 dias do presidente Bolsonaro em 2020, no Guarujá, custaram R$ 2,4 milhões aos cofres públicos. Os custos das férias presidenciais neste último final de ano, em Santa Catarina, ainda não foram divulgados.
Como se sabe, o instituto, assim como todas as instituições de pesquisa científica, vem passando por sucessivos cortes de verbas e não há reposição de pessoal.
Num esforço coletivo para manter o monitoramento do Cerrado, servidores do INPE buscaram por empresas que pudessem financiar o projeto. Encontraram a Climate and Land Use Alliance – CLUA, que se dispôs a fornecer verbas através de um convênio entre a CLUA, a Funcate e o INPE.
O INPE, por sua vez, solicitou um parecer à Advocacia Geral da União – AGU sobre o tema, que foi recusado e, posteriormente, esquecido.
Lembramos que a AGU emite seu parecer, mas este é meramente opinativo. A decisão final cabe à direção do INPE e, segundo informações obtidas com um ex-diretor do instituto, o convênio proposto é totalmente legal e poderia ser realizado. Faltou, unicamente, a vontade política para manter o monitoramento do Cerrado.
Num governo que despreza a conservação do meio ambiente, a quem interessa a descontinuidade do programa?
Com informações de O Eco, CNN e G1.