INPE, 63 anos a serviço do Brasil
INPE, 63 anos a serviço do Brasil

INPE, 63 anos a serviço do Brasil

O dia era 3 de agosto de 1961. Pela manhã, o Presidente Jânio Quadros recebeu o cosmonauta soviético Iuri Alexeievitch Gagarin, um cosmonauta soviético que, meses antes, havia orbitado a Terra, pela primeira vez, a bordo da nave Vostok 1. Gagarin se imortalizou com esse feito, mas também com a sua frase que deu do planeta uma nova visão: ”Vejo a Terra. Ela é azul”. Não disse que era esférica, pelo óbvio. A União Soviética saía na frente na corrida espacial, um dos itens da disputa com os Estados Unidos pela hegemonia mundial, em tempos de Guerra Fria. Gagarin veio ao Brasil como um embaixador soviético e estabeleceu contatos com setores do governo brasileiro e com cientistas, oferecendo a possibilidade de uma cooperação com o Brasil no setor espacial. Jânio o recebeu e o condecorou com a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.

No mesmo dia, 3 de agosto de 1961, o Presidente assinava o decreto No 51.133, que criava o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais – GOCNAE, fazendo do Brasil um dos primeiros países em desenvolvimento a investir em atividades espaciais, uma demonstração do interesse do Estado na criação de um mecanismo de coordenação da política setorial desta área. Ao GOCNAE, presidido por Aldo Vieira da Rosa, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, foi dada a função de estudar e propor a Política Espacial Brasileira e demais elementos de estruturação e pesquisa que integrassem Atividades Espaciais. Foi sua função, também, elaborar o plano de criação da Comissão Nacional de Atividades Espaciais.

Em 1963, o GOCNAE tornou-se a Comissão Nacional de Atividades Espaciais – CNAE, sediada em São José dos Campos, e vinculada à Presidência da República. Em 22 de abril de 1971, a Comissão Nacional de Atividades Espaciais foi extinta, dando lugar ao atual Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.

No último dia 3 de agosto, o INPE comemorou o seu 63o aniversário e, como de costume e tradição, foram homenageados os servidores que completaram sucessivos anos a serviço da instituição, bem como citados e reverenciados os mais recentes servidores aposentados. Mas, fugindo à tradição e à boa prática de respeitar o protocolo de cerimônias oficiais, o diretor do INPE não concedeu a palavra ao indicado pela Ministra Luciana Santos, mesmo estando ele representando, oficialmente, a Ministra. O mesmo não aconteceu com a representante do prefeito de São José dos Campos, à qual foi dada a palavra. Não por acaso, o prefeito e, acredito, a sua representante comungam das mesmas ideias políticas e ideológicas do diretor. O diretor, como pesquisador em temas do espaço, certamente não deve ser terraplanista, pois, no mínimo, conhece a epopeia de Gagarin e seu relato; o mesmo não podemos garantir do prefeito bolsonarista, em cujas hostes se abrigou a fina flor do obscurantismo e do negacionismo científico.

A indelicadeza, para usar de um eufemismo, por parte do diretor do INPE, não se resumiu em calar a voz do representante da Ministra, foi muito além. Em seu discurso autocentrado, como já é tradição todas as vezes que abre a boca, se apropriou, indevidamente, de duas conquistas recentes para o INPE: o aumento significativo de recursos orçamentários e a obtenção de vagas para novos servidores, através de concurso público. Parece que, no campo político-ideológico simpático ao diretor, apropriar-se de benesses, ou presentes, recebidos no cargo, virou tradição. Não temos conhecimento de nenhuma mobilização por parte do diretor reivindicando, junto ao seu padrinho, o cosmonauta-ministro, ações que visassem ampliar os recursos. Seu silêncio foi retumbante durante o seu mandato, quando as únicas ações que o motivaram foram servir de moldura para o ministro, bem como para o nefasto presidente de então.

Enquanto o SindCT foi a voz de resistência dos servidores à tentativa de desqualificação e desmonte do INPE denunciando desmandos e ataques de vários integrantes do Governo, o diretor trabalhou arduamente com um único objetivo: ser escolhido para ser diretor e, empossado, fugir de qualquer ação que pudesse colocar seu cargo em risco. Queria navegar em águas de almirante, ou voar em céu de brigadeiro. Se o diretor acompanhasse as atividades do SindCT saberia que, como tem feito há mais de 30 anos nos sucessivos governos, foi a nossa entidade representativa que levou à Ministra Luciana e ao Presidente Lula a necessidade e urgência em recuperar os orçamentos e repor os quadros do INPE, do CEMADEN, da AEB e do DCTA.

O gesto de descortesia do diretor já seria suficiente para macular uma cerimônia tão aguardada pela comunidade inpeana, mas ele se superou, fechando a sua fala com frase lapidar: “Fui o diretor mais responsável. Outros diretores, irresponsáveis, tiveram seus bens bloqueados”. Sua afirmação é de uma irresponsabilidade monstruosa, pois aponta o dedo justamente para aqueles que não se esconderam e, mesmo com o risco de terem os seus bens bloqueados e confiscados, agiram para defender a instituição que ora ele dirige e que, justamente por serem ousados, foram alvos de denúncias infundadas e sofreram, e sofrem ainda, processos. Omite o diretor do INPE que um dos processos contra um ex-diretor e contra o atual presidente da AEB foi motivado pela recusa deles em encerrar o programa CBERS, conforme estabelecido em um parecer da AGU. Manter a cooperação espacial sino-brasileira se impunha como uma obrigação aos gestores. Por sua responsabilidade em cumprir as missões do INPE, tiveram de responder na Justiça. Vivemos em tempos estranhos, em que aqueles que cumprem seus deveres públicos são rotulados de irresponsáveis, e os que nada fazem se arvoram de bons gestores. A História há de julgar quem verdadeiramente cumpriu com seus compromissos com a sociedade brasileira.

O grande desafio agora é preparar o futuro pós-bolsonarismo no INPE. Enfrentamos um legado de falta crônica de pessoal, amordaçamento da gestão pelos órgãos de controle, orçamento inadequado e uma AEB disfuncional. É preciso ter um plano de voo, ao mesmo tempo, ousado e realista, para resgatar o prestígio, perdido, do instituto. Esse plano tem que se apoiar nos bons resultados conseguidos pelo INPE nas áreas científica e ambiental, como suporte do repensar de nossos projetos de engenharia.

Temos que partir de setores nos quais nossa liderança nacional e internacional é inconteste para, daí, passo a passo, reconstruir as demais áreas. Deve haver uma sinergia entre projetos de satélites e suas aplicações, sinergia hoje perdida, em função de decisões apressadas e pouco realistas. A previsão de tempo e os estudos climáticos precisam de urgente adaptação aos avanços científicos recentes assim como de muito apoio para cooperação internacional. A pós-graduação precisa de suporte claro da direção.

Uma nova direção, ousada e responsável, irá verificar que o novo Marco Legal de Ciência e Tecnologia já fornece muito do suporte legal que o Instituto precisa. Será necessário reconstruir a relação positiva com a FUNCATE, destruída pela atual direção. Precisaremos de coragem para enfrentar a posição não-republicana de alguns órgãos de controle, que insistem em rejeitar as garantias e direitos estabelecidos pelo Marco Legal de C&T. A Lei está do lado do gestor público responsável. Irresponsável é quem se esconde atrás de pareceres questionáveis para nada fazer.

Uma nova gestão plena de responsabilidade e coragem é hoje imprescindível para resgatar o INPE de sua atual trajetória negativa. A boa notícia é que ainda temos servidores conscientes de seu papel na sociedade brasileira e que são capazes de construir o futuro de nosso instituto.

O INPE fez 63 anos de existência e alcançou respeito, no Brasil e no exterior, por ser uma instituição séria, com servidores comprometidos em prestar serviços públicos de alto nível, e por ter tido, desde Aldo Vieira da Rosa até Ricardo Galvão, dirigentes que foram competentes, ousados e com uma missão: tornar o INPE cada vez maior. E nenhum deles se calou diante dos ataques contra a nossa instituição e nenhum deles a expôs ao ridículo.

Parabéns, INPE, pelos seus 63 anos e parabéns a todos os servidores que, desde 1961, são os responsáveis pelo brilhantismo de nossa instituição!