O ministro Marcos Pontes, declarou, durante a coletiva convocada para o anúncio dos dados do PRODES, que o INPE irá sofrer um corte de 15% no orçamento. “Para o ano que vem a expectativa não é boa. Por razões óbvias, todo mundo tem acompanhado o aperto fiscal que nós temos, essas restrições todas, não é só o Ministério de Ciências e Tecnologia, todos os ministérios passam ou vão passar pelo mesmo aperto ano que vem”, afirmou.
Se a intenção do ministro era acobertar a notícia sobre desmatamento com outra notícia ruim, a estratégia não deu muito certo. Os sites de notícias estão divulgando as duas péssimas informações, que não afetam apenas a comunidade científica, mas toda a sociedade brasileira.
O governo tenta minimizar os dados do desmatamento na Amazônia, enfatizando o percentual de 9,5%. À primeira vista, até parece ser um número baixo, mas é um crescimento em relação ao ano anterior e que representa mais de 11mil km2!
Tal estratégia de desvio de atenção pode ter sido sugerida pela BR+ Comunicação, empresa contratada pelo governo para classificar jornalistas e influenciadores.
A BR+ Comunicação possui um contrato com o Ministério da Ciência e Tecnologia – MCTIC. O contrato foi aproveitado pelo Ministério da Economia, através de um Termo de Execução Descentralizada de junho de 2020, no valor total de R$ 2,7 milhões, que inclui outros serviços de comunicação.
A empresa possui dois diretores: o publicitário Edson Campos, diretor da 141 Worldwide (Grupo Ogilvy/WPP), diretor de marketing da Embratur, responsável, no Ministério do Turismo, pelo Ano do Brasil na França, liderou a criação da Marca Brasil, usada no exterior; nas últimas eleições atuou como coordenador da campanha de Helder Barbalho ao governo do Pará e como responsável pelas redes sociais da campanha de Ratinho Junior ao governo do Paraná e o jornalista Mário Quinderé, Gerente Geral de Comunicação Institucional da Transpetro – Petrobras Transporte S/A, diretor executivo da Comunicação+, atendendo clientes como Invepar, MetrôRio e GRU Airport.
Nesta semana, Rubens Valente, do site UoL, denunciou a atuação da empresa na elaboração de um dossiê para o governo, no qual classifica jornalistas e influenciadores em três níveis: detratores, neutros informativos e favoráveis.
Entre os “detratores” citados no dossiê estão jornalistas como Vera Magalhães, Guga Chacra, Xico Sá, Hildegard Angel, Cynara Menezes, Carol Pires, Claudio Dantas, Luis Nassif, Brunno Melo, Igor Natusch, George Marques, entre outros.
No campo “neutros informativos” foram citados Alex Silva, Malu Gaspar, Altair Alves, Cristiana Lôbo, Monica Bergamo, Marcelo Lins, Ricardo Barboza e Octavio Guedes.
E os “favoráveis” ao governo são jornalistas como Roger Rocha Moreira, Milton Neves, Rodrigo Constantino, Guilherme Fiuza, Winston Ling, Camila Abdo, Tomé Abduch, entre outros.
Além de jornalistas, o relatório também apresentou como detratores alguns professores universitários, como Silvio Almeida, Laura Carvalho, Jessé Souza, Claudio Ferraz e Sabrina Fernandes, e influenciadores como Felipe Neto, Nathália Rodrigues e Jones Manoel.
Cada nome é acompanhado de um comentário sobre o que a pessoa tem escrito nas redes sociais a respeito do governo e, em especial, de Paulo Guedes.
Além da classificação, o documento ainda orienta como lidar com os jornalistas e influenciadores, como no “monitoramento preventivo” de publicações.
O levantamento foi intitulado “Mapa de influenciadores” e analisou postagens do mês de maio de 2020 sobre o Ministério da Economia e o ministro Paulo Guedes. (Veja a lista completa aqui)
Jornalistas relatam desrespeito em eventos do governo no INPE
Em dois eventos ocorridos no INPE de São José dos Campos, uma visita do Ministro Marcos Pontes no início de outubro e outra no final de novembro, nesta última acompanhado do vice-presidente Mourão, jornalistas relataram dificuldades para realizar o credenciamento. Para a última visita, o credenciamento foi liberado apenas no final de semana, às vésperas do evento. No dia da visita os jornalistas esperaram pela coletiva por quase três horas. Além disso, os jornalistas precisaram utilizar seus próprios celulares para assistir a transmissão do evento.
“Tudo isso que aconteceu foi uma forma de esvaziar o evento e minimizar a importância da divulgação dos dados do PRODES”, contou um jornalista que não quis se identificar para não correr o risco de ser ‘barrado’ em eventos futuros.
Outro jornalista, que acompanhou a visita de Pontes em outubro, e que também não quis se identificar, relatou ao SindCT que se sentiu humilhado pelo tratamento recebido. “A visita foi demorada. Já era quase 14h quando anunciaram o almoço do ministro com o diretor do INPE e nos mandaram embora. Disseram que, se quisesse, poderia voltar após o almoço. Alguns ficaram esperando por lá, mesmo sem poder almoçar. Eu fui embora e não retornei. Deveriam ter programado melhor o horário para os jornalistas.”
Presidência da República nega credencial para Jornal O VALE
A reportagem do SindCT não teve acesso à lista completa dos jornalistas classificados no “Mapa de influenciadores”, porém, antes da divulgação de sua existência, o Jornal O Vale sofreu uma “retaliação” do governo.
O jornal foi impedido de participar da cobertura da visita do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Guaratinguetá, na última sexta-feira (27).
De acordo com o jornal, a credencial foi reprovada pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) da Presidência da República na véspera da visita, sob a justificativa de que a documentação do repórter Xandu Alves, cadastrada no sistema do governo federal, estaria desatualizada.
A Presidência não informou, contudo, qual documento está desatualizado, haja vista exigir seis diferentes documentos para o cadastro, como RG, CPF e registro profissional.
O Jornal informou que todos os seus documentos estão devidamente inscritos no sistema federal, sem qualquer restrição, mensagem de desatualização ou item invalidado.
“Sob qualquer que seja o enviesado prisma que justifique tal atitude, criar embaraço à livre e crítica atuação jornalística configura-se desconstrução inaceitável de um direito inalienável e assegurado pela Carta de 88”, afirmou Fernando Salerno, diretor-presidente do jornal O VALE.
“A democracia morre na escuridão, mas a imprensa livre é um farol cuja luz não se apagará jamais”, disse o editor-chefe de O VALE, Guilhermo Codazzi.
Lista Antifas
Essa não é a primeira vez que uma lista elaborada pelo governo vem a conhecimento público.
Em agosto deste ano, Eduardo Bolsonaro entregou uma lista de pessoas, denominadas por ele como antifascistas, para a Embaixada dos Estados Unidos. A lista continha cerca de mil nomes, entre eles dois jornalistas (um deles trabalha no Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos), seis radialistas e pelo menos 70 professores. Os nomes dos professores foram acompanhados dos endereços das escolas ondem podem ser encontrados e seus telefones.
Listas, desrespeito, dificuldades, distrações… o governo usa todas as estratégias possíveis para afastar jornalistas e deixar a população sem informações.