Os mais antigos devem se lembrar de um filme que fez muito sucesso na década de 70: Um convidado bem trapalhão (The party, no original) onde o indiano Bakshi, interpretado magistralmente por Peter Sellers, destrói acidentalmente um grande set de filmagem e é despedido por isso. Entretanto, ele acaba sendo convidado, por engano, para uma grande festa na casa do produtor, onde cria diversas confusões.
Desde o início do atual governo, os agentes do Estado, que a este deveriam servir, parecem estar em uma grande festa, com direito a muitas trapalhadas. E algumas caneladas.
O caricato astronauta, que deveria ser uma referência para os servidores que atuam sob a sua pasta, mais parece o atrapalhado ator do filme supracitado. Quando não está anunciando vacinas milagrosas, está em turismo internacional, permanentemente acompanhado por sua super assessora, ou sendo agraciado com o honorífico título de burro pelo Posto Ipiranga; ou então batendo cabeça com os seus inúmeros assessores militares que congestionam o MCTI.
Sua última façanha aconteceu esta semana. Devido ao aumento dos casos de Covid-19 entre servidores das suas instituições, o MCTI cedeu às pressões das entidades de servidores e publicou, em 14/01, algumas portarias, suspendendo as atividades presenciais no âmbito das suas entidades.
Bolsonaro não gostou, por óbvio, dado o seu histórico negacionista. É o que se pode presumir, haja vista que, poucos dias após a divulgação dessas portarias, nova publicação foi editada, no dia 17/1, revogando as portarias anteriores e colocando os servidores públicos novamente em trabalho presencial. Assinada pelo secretário-executivo da pasta, pois o titular, o astronauta, estava… Onde? Não se sabe, pois estava novamente em férias. E pasmem, o fato acontece justamente nesta semana em que explodem os casos de COVID-19 no Brasil.
O astronauta, então, para não correr o risco de perder seu cargo, decidiu que o melhor a fazer seria colocar a vida dos servidores públicos em risco.
Já no INPE, as atividades presenciais estão sendo retomadas com nenhuma fiscalização quanto aos protocolos de segurança recomendados pelas autoridades sanitárias. Exigência de atestado de vacina para adentrar as dependências do Instituto? Não! Fiscalização interna sobre o uso obrigatório de máscaras? Não! Apenas o antigo procedimento de medir a temperatura na entrada está sendo realizado.
Mas, se a direção do INPE não se preocupa com a saúde dos servidores, em uma de suas áreas, o Laboratório de Integração e Testes (LIT), a situação é muito pior, beira o criminoso. E não é de hoje.
Em março de 2020, quando foram publicadas as normativas transferindo as atividades não essenciais para o trabalho à distância, o chefe do setor de EMC, que executa testes comerciais para a indústria, descumprindo a determinação das portarias, coagiu seus funcionários, quase todos terceirizados da Funcate, a retornarem ao trabalho presencial. Quando questionado por servidores, o então chefe do LIT lavou as mãos, fez vistas grossas a esse descumprimento da determinação do MCTI.
Posteriormente, quando o trabalho presencial começou a ser restabelecido, alguns terceirizados que não haviam sucumbido à coação, foram relegados a outros serviços. Num evento de contaminação detectado, não foram afastados aqueles que trabalharam mais próximo do infectado, mas sim aqueles que executavam testes menos importantes, de menor valor. Estas ações, que colocaram em risco a saúde de servidores e de seus familiares, pareciam ser “orientadas” pelas palavras do presidente da nação, quando pregava que a economia (o deus mercado) estava acima da vida dos brasileiros.
Com o retorno do trabalho presencial, criou-se um constrangimento entre as duas novas classes de colaboradores no LIT: a classe dos “heróis”, que trabalharam durante a pandemia e a classe dos “vagabundos” que ficaram em casa, sem fazer nada, segundo o entendimento dos primeiros. Novamente a vida imitando a arte. Heróis e vagabundos são duas tipificações estereotipadas utilizadas pela autoridade maior do país, para diferenciar seus amigos de seus inimigos. No caso, inimigos são todos os que divergem dele, por qualquer razão. “Arte” aqui é utilizada como liberdade artística.
Publicadas as portarias do dia 14/01, as quais pregavam o retorno das atividades não essenciais ao trabalho à distância, era de se esperar que os dirigentes do INPE, do LIT e de outros setores, tivessem aprendido algo; ou que, ao menos, tivessem desenvolvido um mínimo de empatia para com os seus colegas de bancada. Mas não! Está se repetindo o mesmo que ocorreu em março de 2020. A única diferença é que, ao contrário de 2020, quando o diretor do LIT se omitiu, a atual diretora substituta, pessoalmente, chancelou a desobediência à portaria do MCTI, autorizando a continuidade do serviço de testes comerciais para a indústria.
A direção do INPE e a do LIT, mesmo obtendo valores substanciais pela prestação de serviços externos, têm o direito de colocar em risco a vida dos seus servidores e de suas famílias? Não! Nunca! Em hipótese alguma! Mesmo que fosse ouro o que irriga os cofres do LIT.
Bolsonaro não tem empatia com os seres humanos, negou a eficácia da vacina, duvidou da Ciência, tenta impedir nossas crianças de serem imunizadas. Mas Bolsonaro não pode ser o modelo para a direção, nem para nenhum servidor do INPE, que chegou aos sessenta anos de história tendo na Ciência o seu paradigma, o seu Norte.
Quando a pandemia for superada, quando Bolsonaro for apenas um verbete ridículo nos livros de História, quando o astronauta voltar à sua atividade principal: vender sonhos e travesseiros, o INPE continuará sendo relevante para o Brasil e para o mundo. E o LIT continuará a prestar seus serviços qualificados, sem nenhuma chefia ridícula para classificar os servidores em “heróis” ou “vagabundos”, mas, orgulhosamente, cidadãos que servem à sociedade: servidores públicos.
Quem sobreviver verá.