Quanto ouvi essa afirmação do Presidente da República ao longo da infame reunião ministerial do dia 22 de abril, tornada pública no dia 22 de maio, tentei imaginar qual seria o seu sistema particular de informações.
O próprio Presidente se encarregou de responder ao dizer “o que é meu serviço de informações particular? É o sargento do batalhão do Bope do Rio de Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil que tá em Manaus, é meu amigo que tá na reserva e me traz informação da fronteira. Este é meu serviço de informação particular, que funciona melhor do que este que eu tenho oficialmente, que não traz informação.”
O exercício da Presidência, como todos sabem, exige uma multiplicidade de dados e informações para a tomada de decisão. As políticas públicas de maior relevância, tais como as das áreas de saúde, educação, agricultura, previdência social, economia, indústria, infraestrutura, ciência e tecnologia, para não estender demais, dependem de uma ampla e intrincada rede de organizações nos níveis municipal, estadual e federal, públicas e privadas, para coletar, consolidar, validar e agregar dados em níveis cada vez mais altos, até que indicadores confiáveis e extensamente validados, possam ser utilizados.
Saem daí dados sobre analfabetismo e qualidade da educação, causas de morte da população, inflação, capacidade da infraestrutura, qualidade da ciência praticada no país, habitação, estradas, produção agrícola, capacidade produtiva, pauta de exportações e importações, desemprego, e tanto outros.
Como se não bastassem os ministérios responsáveis, que produzem tais dados, outras organizações também contribuem para o seu aprimoramento, como IPEA, FGV, IBGE, TCU, e tantas outras instituições acadêmicas nacionais, ou também organizações estrangeiras, como OECD, FMI, e Banco Mundial.
Contribuem para sua disseminação a multiplicidade de meios de comunicação e a era da transparência em que vivemos. Além de tudo isso, resta ainda a mídia em tempos de comunicação instantânea e enorme capacidade de levantamento, agregação e análise de dados.
Provavelmente não são dessas informações que o Presidente se queixou. Mas, se os dados e indicadores acima são exatamente aqueles necessários para bem gerir a coisa pública e melhorar a qualidade de vida da população, de quais dados então ele estaria falando, já que, em suas próprias palavras, sem eles ele não poderia bem governar?
Se forem informações do mundo político, há assessores, sua base de apoio, a mídia e a própria cultura da política, que busca mais expor que guardar. Certamente não seriam informações do sistema de justiça, que são, ou públicos, ou estão em sigilo, a menos que se pense na obtenção de informações ilegalmente.
Se forem relativos à defesa nacional, apenas as forças armadas seriam capazes de coletá-los e organizá-los. Se envolvem a segurança nacional, além das forças armadas, o governo federal conta com a Polícia Federal e a ABIN, que, em suas palavras, sonegam informações (pouco provável), ou são incompetentes.
Restaram, enfim, o sargento do BOPE e o amigo que está na reserva, dentre outros. Mas, qual seria a qualificação dessas pessoas e qual é sua formação e capacidade de coletar, organizar, sistematizar e produzir informação para um Presidente da República poder governar? Discute-se se esta rede de contatos do Presidente é ilegal, provavelmente não é, já que nem organizada está. Mas o maior problema não é este.
O grande problema é que um Presidente que tem em sua personalidade uma tendência a enxergar conspirações onde elas não existem, que abomina a ciência por questões ideológicas e que tem aversão a especialistas e à elite que detém o conhecimento, fica ao final refém de um sistema de informações que, na prática, lembra mais um grupo informal e irresponsável de velhos amigos fofocando no WhatsApp.
Em conclusão, os indivíduos citados pelo Presidente certamente não dispõem de informações com a qualidade exigida de um insumo da gestão do Estado, eles têm apenas impressões sobre certos assuntos, opiniões sobre outros, eles ouviram falar algumas coisas, ou acham um monte de outras coisas, não passa disso. São formuladores de coisa alguma.
Outra ferramenta muito utilizada por esse grupo desde a campanha presidencial é o Twitter. Através dele, foram criados milhares de apoiadores “robôs” para o Bolsonaro, cuja finalidade era elogiar as postagens do presidente, disseminar o apelido “mito”, espalhar fakenews e atacar qualquer pessoa que ousasse questionar o “ídolo”.
É também pelo Twitter que Bolsonaro faz declarações importantes, elegendo essa rede social que já estava esquecida, como um canal de comunicação oficial do governo. E assim fazem todos seus subordinados, amigos e até ministros.
E também é através do Twitter que se travam as comunicações com os desafetos e que podemos comprovar o vazamento de informações no governo! Prova disso é a reportagem de Reinaldo Azevedo para o portal UOL (veja aqui) que esclarece como houve o vazamento de informações do STF ou da Polícia Federal para o núcleo de apoio do Presidente.
Na reportagem, Azevedo coloca “prints” de conversas realizadas no Twitter, comprovando que assessores do Bolsonaro sabiam, e divulgavam, que foi autorizado pelo STF um mandado de busca e apreensão na residência de Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, muito antes da informação chegar à própria Polícia Federal.
A deputada Carla Zambelli também demonstrou saber da nova operação da PF com dias de antecedência. Em entrevista a uma rádio, a deputada mencionou o nome que seria dado à operação: covidão.
O Presidente, que se isola por temor ou descrença dos interlocutores mais capazes, fia-se nas informações desses seus iguais para governar.
A este grupo de velhos companheiros somam-se a sua própria família e gurus ideológicos, e temos como resultado políticas como a da adoção de terapias médicas não comprovadas, ou até mesmo desaconselhadas, a tentativa de acabar com radares em estradas, o fim do registro de armas e munições, o desprezo com as questões que afetam o meio ambiente, a indiferença com os direitos de minorias, a aversão a organizações internacionais, e tantas outras que o cidadão sensato tem enorme dificuldade em entender sua origem e, mais ainda, imaginar quais seriam seus eventuais benefícios.
Da origem, sabemos agora, dos benefícios, ninguém sabe quais serão.