É lei! Na Administração Pública ninguém pode receber acima do teto do funcionalismo (salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, R$ 39,3 mil). O valor que ultrapassa o teto é imediatamente cortado. Mas não é bem assim. O chamado “abate-teto” só funciona parcialmente. Existem maneiras de burlar o corte, como por exemplo com o recebimento de auxílio-moradia ou de jetons, pela participação em conselhos.
Neste ano, para amenizar o impacto da crise, mas só para os militares, Jair Bolsonaro aprovou um reajuste de 12% para as Forças Armadas. A contrapartida foi o congelamento dos salários dos demais servidores públicos por mais um ano. Acresça-se a isso a aprovação de um reajuste de até 73% na bonificação dos militares que fazem cursos ao longo da carreira. Outro item das regalias foi o reajuste do auxílio-moradia que custará R$26,54 bilhões em cinco anos, com impacto de R$ 1,3 bilhão neste ano.
Na prática, o gasto anual com o pagamento dessa bonificação crescerá ano a ano e, em 2024, chegará a R$ 8,14 bilhões. O reajuste do adicional foi aprovado com a “reforma da Previdência” dos militares, no fim do ano passado.
Apesar de poder acumular valores em “penduricalhos” nos salários, dois ministros do atual governo vêm “sofrendo” com os cortes do “abate-teto”. É o caso do Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, e do Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Diante dessa situação desafortunada, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, fez uma consulta à Advocacia Geral da União – AGU, para que possa aplicar uma regra diferente para os militares que exercem cargos no governo. O ministro propõe que, caso nenhuma das remunerações, isoladamente, atinja o teto, o militar poderá receber todas as suas remunerações integralmente.
Se aprovada, Marcos Pontes passará a receber R$ 52 mil mensais e Bento Albuquerque, R$ 65 mil (só as remunerações básicas). No caso do ministro das Minas e Energia, às suas remunerações acrescem-se ainda os jetons da Itaipu Binacional, R$ 14,9 mil, e da Empresa de Pesquisa Energética, R$ 3,2 mil (valores mensais). Há ainda outros sete ministros do atual governo que são militares.
O próprio Presidente da República, aposentado aos 33 anos, com 15 anos de contribuição, recebe o soldo militar de aproximadamente R$ 10mil, mais o salário de ex-deputado federal, R$ 33,8 mil e, claro, o salário de presidente, mais R$ 30,9 mil.
A AGU, tão zelosa em negar direitos dos servidores, abriu uma exceção concordando com os argumentos do Ministério da Defesa logo em abril deste ano. Isso causou mal-estar com o Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, que afirma não possuir recursos para honrar os pagamentos. Atualmente, com o “abate teto” (mesmo não sendo aplicado integralmente), o governo tem economizado, anualmente, em torno de 518 milhões.
Engana-se quem pensa que as benesses para os militares terminam por aí. O Ministério da Defesa será o mais beneficiado no orçamento para 2021. Sua dotação orçamentária será de R$ 116 bilhões, quase 60% a mais que o orçamento deste ano, de R$ 73 bilhões. O valor pode ultrapassar o limite do Teto dos Gastos Públicos porque o governo foi autorizado, neste ano, pelo Congresso, a romper o Teto de Gastos, devido à pandemia do novo coronavírus. Já para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, houve redução de 9% no orçamento.
Dinheiro é o que não falta para o Ministério da Defesa. Basta lembrar do anúncio da compra de um satélite por R$ 145 milhões… só o custo do satélite é 48 vezes maior que o valor destinado ao INPE, para monitoramento da Amazônia, através dos Programas TerraClass, Prodes e Deter.
Quando alertado que o INPE é capaz de realizar o mesmo serviço com um custo muito inferior, o governo alegou que a aquisição do satélite também seria para fornecer ao INPE mais imagens para a realização do monitoramento.
Gilberto Câmara, ex-diretor do INPE, conhece bem a área de Observação da Terra e, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, declarou que o novo satélite é a “cloroquina espacial”. Isso porque as imagens que serão capturadas pelo novo satélite são inferiores às imagens que o INPE já possui e não ajudarão a melhorar o serviço realizado.
E por falar em satélites, a Polícia Federal assinou, sem licitação, um contrato para aquisição de imagens de satélites por R$ 49 milhões (só as imagens, não o satélite). A justificativa para a aquisição é novamente o monitoramento da Amazônia. O contrato foi assinado com a empresa Santiago & Cintra Consultoria LTDA (representante do sistema Planet), que foi elogiada pelo ministro do Meio Ambiente e apontada como a possível substituta dos trabalhos de monitoramento realizados pelo INPE, logo após a demissão de Ricardo Galvão da diretoria do instituto, quando foi divulgada a alta recorde do desmatamento na região.
Ao comparar o serviço prestado pelo INPE com o serviço do sistema Planet, Câmara afirma: “Apelo a todos os jornalistas que cobrem a área de meio ambiente que por favor, parem de errar. Não existe um ‘sistema Planet’, são apenas imagens soltas que uns e outros querem comprar para maquiar sua pseudomodernidade.”
Segundo reportagens do G1 e de O Globo, o “sistema Planet” já foi testado gratuitamente no Pará pelo período de um ano, entre 2017 e 2018. O contrato não foi renovado porque o estado concluiu que o serviço oferecido pelo INPE, gratuito, já atendia as demandas para o monitoramento de florestas e de modo mais eficiente.
Tudo isso acontece em meio a um processo de desmonte do INPE. O orçamento da instituição, para pesquisa, em 2021 é zero. O PLOA prevê um orçamento de R$ 79,7 milhões, um corte de cerca de 33%. Porém, a dotação que vem do MCTI, sofreu um corte de 14% (de R$ 54,6 milhões em 2020 para R$ 46,9 milhões em 2021), e por parte da AEB o corte foi 49% (de R$ 63,6 milhões em 2020 para R$ 32,7 milhões em 2021).
Mas, na AEB, sobram R$ 5 milhões para serem gastos com compra e instalação de divisórias. O gasto está registrado na Seção 3 do Diário Oficial da União de 21 de agosto e tem o valor total de R$ 5.541.773,00. Só podemos concluir que divisórias são itens essenciais e indispensáveis para o Programa Espacial, especialmente durante uma crise orçamentária.
Não bastasse o relatado, o INPE passa por um processo de reestruturação, sem participação dos servidores, comandado por um diretor interino. E, dizem nos corredores da instituição, que o diretor interino teria afirmado que será o escolhido do ministro no processo de busca de um novo diretor para o INPE. Sendo o interino um militar, difícil não acreditar que todo sério trabalho realizado pelos integrantes do Comitê de Busca seja apenas uma distração, para que o governo possa colocar em prática seu plano (anunciado antes mesmo de Bolsonaro ser empossado).