Monitoramento, Mitigação e Reversão do Aquecimento Global
Monitoramento, Mitigação e Reversão do Aquecimento Global

Monitoramento, Mitigação e Reversão do Aquecimento Global

O aquecimento global tem um potencial de dano muito superior ao da corrente pandemia da COVID-19. Uma diferença, significativa, é a velocidade de avanço e propagação dos seus efeitos e, igualmente, a lentidão de medidas mitigatórias.

Mudanças climáticas e aquecimento global são frequentemente tratados de forma agregada e, de fato, estão intimamente interconectados. O que é menos óbvio é a relação de causa e efeito entre os dois fenômenos. É necessário que fique claro que o fenômeno dominante é o aquecimento global. As mudanças climáticas são a resposta do sistema terrestre ao fenômeno do aquecimento global.

É claro que as mudanças climáticas realimentam, positiva ou negativamente, em alguma medida, o aquecimento global. Mas, não restam dúvidas de que, o fenômeno “forçante” é o aquecimento e que as mudanças climáticas são a resposta a este aquecimento.

Uma abordagem do ponto de vista de equilíbrio radiativo do sistema terrestre facilita a abstração do acoplamento dos eventos climáticos no aquecimento e sugere um mecanismo para desaceleração, ou mesmo reversão, do aquecimento do sistema terrestre ocasionado pelo efeito estufa.

O mecanismo consiste em aumentar a fração da energia incidente na superfície da Terra que é refletida para o espaço, de forma a compensar a parcela de energia que é retida no sistema terrestre devido ao efeito estufa.

Uma descrição dos conceitos e fenômenos envolvidos é apresentada, de forma clara e ilustrativa, em trabalho elaborado por inúmeros pesquisadores, com o apoio da NASA, em Climate and Earth’s Energy Budget e pode ser lido clicando aqui.

Um modelo de cálculo simplificado, apresentado em publicação depositada no repositório de trabalhos de pesquisa Researchgate, com identificador DOI:10.13140/RG.2.2.20267.05923, mostra que é possível obter o efeito desejado, de aumento da refletividade da superfície terrestre, através de uma cobertura de construções terrestres, como casas, prédios e vias, com superfícies refletivas, como tintas, películas ou outros tratamentos superficiais.

Proposta semelhante já foi defendida por inúmeros físicos e dentre eles se destaca o Dr. Steven Chu, ganhador de prêmio Nobel de física em 1997 e Secretário de Energia no primeiro mandato do presidente americano Barak Obama.

Diversas características tornam esta proposta bastante atrativa:

  • Pode ser implementada em curto intervalo de tempo e seus efeitos começam a ser efetivos à medida que a implementação ocorre. Em uma década podemos zerar a taxa de aquecimento e até iniciar a reversão de parte do aquecimento passado.
  • Pode ser implementada de forma coordenada, porém descentralizada, e sem a necessidade de uma grande burocracia multinacional e prolongadas negociações de divisão de custos.
  • É de fácil monitoramento e controle, permitindo avaliar os avanços obtidos.
  • Pode ser incluída nos mercados de carbono.
  • Implementada de forma abrangente em regiões urbanas, tem o potencial de reduzir as ilhas de calor local, e mesmo criar um efeito “oásis”, melhorando o conforto térmico das pessoas não abrigadas, bem como de reduzindo a demanda de energia para climatização de ambientes fechados.
  • Pode ser calibrada e revertida.

O aquecimento global de que tratamos aqui é o aumento da temperatura média do sistema terrestre devido ao efeito estufa decorrente do aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera terrestre, ocasionado pela extração e queima de combustíveis fósseis nos últimos dois séculos.

A temperatura do sistema terrestre é decorrente do balanço energético entre o fluxo de energia radiativa do Sol incidente no globo terrestre e o fluxo de energia radiativa emitido pela Terra para o espaço negro que nos cerca.

É compreensível que grande parcela da população tenha dificuldade em reconhecer a relevância de uma elevação de temperatura do sistema terrestre em alguns graus Celsius, tendo em vista oscilações locais e temporais de até 100 graus Celsius no ciclo anual e em todas as latitudes.

Uma abordagem do aquecimento global do ponto de vista do balanço energético radiativo permite a abstração dos processos climáticos decorrentes e sugere um mecanismo para reduzir, ou mesmo reverter, o aquecimento global terrestre decorrente do efeito estufa provocado pela liberação dos gases de efeito estufa produzidos pela queima de combustíveis fósseis.

A Figura 1, retirada do trabalho da NASA, ilustra as rotas radiativas entre o sistema terrestre, o Sol e espaço negro.

Figura 1: Balanço Global de energia (de trabalho citado da NASA) 

Da parcela radiativa do Sol que atinge a superfície terrestre, aproximadamente 12,7% é refletida de volta para o espaço, enquanto que a fração de 87,3% é absorvida e convertida em calor. A energia absorvida alimenta a gigantesca máquina térmica terrestre e deve ser finalmente reemitida de volta ao espaço. Entretanto esta reemissão se dá no espectro do infravermelho.

Devido ao bloqueio representado pelo efeito estufa, parte da energia emitida no infravermelho é absorvida na atmosfera e reemitida para a superfície terrestre. O efeito final é que se cria um desbalanço entre a taxa de energia incidente no sistema terrestre e a taxa de energia sendo emitida pelo sistema terrestre. A este desbalanço é atribuído o termo “radiative forcing term”, que representa a taxa de energia que está sendo retida pelo sistema terrestre.

Como a capacidade térmica do sistema terrestre é muito elevada, embora não infinita, a temperatura do sistema terrestre aumenta até que a emissão se iguale à energia incidente e um novo equilíbrio seja atingido.

Levando em conta o histórico de extração e utilização de combustíveis fósseis ao longo dos dois últimos séculos, estima-se que a quantidade de gás carbônico introduzido na atmosfera é de aproximadamente 2.0 × 1015 kg.

Se esta quantidade de gás fosse concentrada numa única camada ao nível do mar, a espessura desta camada seria de aproximadamente 2.1 m.

O efeito estufa desta camada, em relação a um sistema originalmente em equilíbrio, resulta num desbalanço radiativo de aproximadamente 1.6 W/m2 em toda a superfície terrestre.

O desbalanço radiativo é a diferença entre a taxa de energia incidente, proveniente do Sol, e a taxa de energia emitida, reflexão da energia solar mais a emissão térmica.

A taxa de armazenamento de energia na Terra inteira, nesta situação, é de aproximadamente 8.2 × 1014 W, que é mais de uma ordem de grandeza superior à potência instalada em todos os países da Terra.

Os dados acima nos permitem afirmar que, devido ao efeito estufa, cada quilograma de gás carbônico adicionado à atmosfera eleva a taxa de armazenamento do sistema terrestre em aproximadamente 0.4 W.

O desbalanço radiativo ocasiona uma progressiva elevação da temperatura, até que um novo equilíbrio radiativo se estabeleça.

Dada a incerteza sobre o valor efetivo da capacidade térmica do sistema terrestre, é difícil determinar, com precisão, a taxa de elevação da temperatura até o novo valor de equilíbrio. Mas podemos afirmar que o período de tempo até o novo equilíbrio é de algumas décadas.

Para o desbalanço radiativo de 1.6 W/m2, um cálculo simplificado indica uma elevação de temperatura do sistema terrestre de aproximadamente 2.0°C.

Resulta daí que, por conta da quantidade de gás carbônico já injetado na atmosfera, temos “contratada” uma elevação da temperatura do sistema terrestre de aproximadamente 2.0°C.

Estima-se que, desde o início da era industrial até o presente, a temperatura do sistema terrestre já sofreu uma elevação de aproximadamente 1.0°C. Ou seja, mesmo que não haja novas emissões, teremos nas próximas décadas uma elevação adicional de 1.0°C por conta das emissões passadas.

A correlação entre a quantidade de gases de efeito estufa lançados na atmosfera e o aumento da taxa de armazenamento de energia no sistema terrestre pode servir de instrumento para a negociação de créditos de carbono.

Note-se também que regiões mais próximas ao equador terrestre e com maior média de insolação ao longo do ano têm maior potencial de reflexão da radiação solar incidente.

O levantamento de regiões mais propícias à aplicação da solução, o monitoramento e a verificação da implementação da capacidade refletiva constituem oportunidades de atuação de empresas das áreas de monitoração ambiental.

Estas atividades são importantes para a alocação de recursos e responsabilidades em programas globais de controle das mudanças climáticas derivadas do aquecimento global devido ao efeito estufa ocasionado pela queima de combustíveis fósseis.

É compreensível a resistência de países com grandes passivos de emissão de gases de efeito estufa a uma solução deste tipo. A maioria destes países está localizada em regiões afastadas do equador.

Por outro lado, o maior potencial de aumento da refletividade está em países localizados próximo ao equador terrestre, em geral mais pobres e com menores passivos de emissões de gases de efeito estufa.

Algum mecanismo de compensação deverá ser negociado para acelerar a implementação deste tipo de solução.

Uma preocupação adicional é o aparecimento de efeitos colaterais não intencionais ou, em casos extremos, “geoengenharia” com efeitos deletérios intencionais para algumas regiões.

Contra isto podemos argumentar que os efeitos do aquecimento global provocado pelos gases de efeito estufa são, muito provavelmente, mais danosos do que os possíveis efeitos colaterais das ações mitigatórias aqui propostas.

Autor

  • Tecnologista Sênior do INPE, possui graduação em Matemática pelo Fundação Universidade Regional de Blumenau, mestrado em Engenharia Aeronáutica e Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica e doutorado em Mechanical Engineering pela Rensselaer Polytechnic Institute.