Não, não falamos das estações do ano, melhor seria. Apenas lembramos de uma série de TV de sucesso na qual esta expressão era utilizada em analogia ao perigo, à incerteza e ao provável sofrimento.
Que tempos vivemos! Recentemente veio ao Brasil o mi(bi)lionário Elon Musk para servir a uma agenda política da Presidência da República. Submeteu-se ao vexame por antever a possibilidade de lucros fáceis por aqui. Enquanto isso, nosso Presidente, com a rastejante subserviência que lhe é peculiar frente aos poderosos, implorou para ser liberado para delinquir em certa rede social sem ser cancelado.
De resto, Musk espera poder vender ao Brasil serviços de um sistema de comunicações desnecessário, posto que o Brasil já tem outro em operação para atender a áreas remotas, assunto que já foi tema do Jornal do SindCT em dezembro passado: https://sindct.org.br/sindct/comunicacao/jornal-do-sindct/aproximacao-entre-elon-musk-e-fabio-faria-constrange-anatel/.
Por ocasião da visita também retornou a ladainha do uso dos mesmos satélites de comunicação para apoiar o combate aos desmatamentos na Amazônia, assunto já extensamente explorado na mídia, primeiro por se saber que a constelação Starlink não faz imagens, segundo por já termos um dos melhores sistemas do mundo com esta finalidade, desenvolvido e operado pelo INPE, terceiro por também ser de conhecimento amplo que o que falta não é informação, mas ação, já que apenas um percentual mínimo dos alertas de desmatamento leva a alguma ação repressiva (menos de 3%, segundo o Monitor da Fiscalização do MapBiomas, em notícia de 3/maio/2022 na Folha de S.Paulo).
Ainda na questão do desmatamento e queimadas, embora os números apurados pelo INPE só façam piorar há muito tempo, tornou-se uma obsessão do atual governo anunciar de tempos em tempos sistemas tecnológicos para tentar enganar os desavisados, passando a impressão de que estão sendo diligentes na busca por soluções. Não bastasse propor recorrer ao sistema da SpaceX, aquele capaz de “captar os sinais sonoros das queimadas”, soubemos do lançamento esta semana (dia 25/maio), pela mesma SpaceX, do par de satélites radar Carcará I e II, parte da constelação finlandesa ICEYE encomendados pela Força Aérea em cumprimento ao Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE).
Os dois novos pássaros da FAB foram anunciados como “capazes de gerar imagens de altíssima resolução, que podem ser obtidas a qualquer hora do dia ou da noite, independentemente das condições meteorológicas, pois o sinal emitido atravessa as nuvens. Dessa forma, é possível o monitoramento continuado de áreas de interesse do Brasil.”, em nota da Força Aérea. Em razão desta habilidade, ainda nas palavras da FAB, suas imagens serão utilizadas em múltiplas aplicações, dentre elas o “combate à mineração ilegal, … visualização de queimadas”, dentre outras. Na melhor das hipóteses, se tais informações forem de fato geradas, acabarão tendo o mesmo destino dos alertas do INPE: nada será feito, ou poucas ações serão tomadas. Na pior das hipóteses, os dados não serão capazes de fornecer informação para tanto, perdendo-se na burocracia técnico-militar, sem que se saiba seu destino. A conferir.
Mas já que estamos falando em nuvens que encobrem a realidade no solo, é necessário observar que também paira sobre esta missão com satélites radar a bruma do desconhecimento. Nas palavras do ex-diretor do INPE Gilberto Câmara para o site G1 em 26 de maio, “Já temos um sistema de fiscalização que é admirado no mundo todo. O trabalho do Inpe tem 1.500 artigos científicos. Esses dois satélites não têm comprovação científica. Na ciência não existe alegação, existe prova e evidência científica. Falam de uma tecnologia rara, mas não se sabe se é real. Toda semana o Inpe atualiza a situação mapeada com alertas. Esses novos emitirão como?“, indaga. E vai além “Posso assegurar que não tem nenhum sistema que oferece hoje a qualidade do que o Brasil faz para o monitoramento de florestas tropicais. Nosso sistema é o único que tem as características necessárias”.
Mas a diligência para com a Amazônia não para por aí. Desde setembro de 2020 a Polícia Federal conta com imagens do sistema Planet, amplamente noticiado à época da contratação. Em nota do MundoGEO de 3/setembro/2020, o sistema é anunciado como “O uso dessa tecnologia foi possível a partir da incorporação do Programa Brasil M.A.I.S. (Meio Ambiente Integrado e Seguro) como um dos projetos estratégicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em comparação com tecnologias em uso atualmente, o Brasil M.A.I.S permitirá receber cinco vezes mais imagens, com resolução sete vezes melhor. Com isso, será fortemente minimizado o problema de captação de imagens de satélite em regiões com muitas nuvens (como a Amazônia). E mesmo em regiões sem predominância de nuvens, torna-se possível a obtenção de imagens de melhor qualidade.”. Quem achou que já havia ouvido essa história de que precisávamos contratar um novo sistema em razão das frequentes nuvens que pairam sobre a região, não se enganou. Resta saber em que termos a história se repetirá.
A pergunta que fica é: o que tem sido realmente feito para debelar o desmatamento? Aos sistemas de informação legados do passado a Polícia Federal somou o seu em 2020, e agora a FAB também adiciona mais um. E daí? Quais são os resultados disso tudo?
Após quase quatro anos da atual política ambiental, somados a um perceptível declínio anterior na capacidade de repressão aos delitos ambientais, caminhamos para um momento de decisão no qual não apenas esta questão estará em jogo, mas, talvez, também o próprio regime democrático (com defeitos, sim, mas é o que temos) esteja ameaçado.
Caso o dano maior venha a acontecer, decisões questionáveis sob o ponto de vista técnico e de políticas públicas, seja na área ambiental, como também em muitas outras, poderão se tornar cada vez mais frequentes, sem que se possa interferir, ou mesmo questionar.
Pensemos nisso, pois, se o inverno chegar, “será longo, e a escuridão virá com ele …”.