O dia 10 de novembro de 2020 entrará para história pela proliferação de impropérios do Presidente da República. Começou o dia anunciando vitória contra seu inimigo político, o Governador de São Paulo, quando comemorou a interrupção, pela Anvisa, nos testes da vacina contra a Covid-19, em desenvolvimento no Instituto Butantan, interrupção essa que mais tarde se soube ter sido motivada por uma trágica morte, não correlacionada com a vacina. Ainda no mesmo dia, nos brindou com uma reclamação, quando disse que precisaríamos deixar de ser um “país de maricas”, reação típica do Presidente às medidas de precaução contra a disseminação da pandemia, tomadas no Brasil e no resto do mundo.
Não fosse o bastante, antes de encerrar sua inesquecível jornada, o lunático ainda decidiu desafiar os Estados Unidos, insinuando a possibilidade de um conflito bélico, pois “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, caso aquele país venha a impor sanções comerciais ao Brasil em razão da tragédia ambiental que se abate sobre a região Amazônica.
Em comentário televisivo no mesmo dia, foi relembrada uma excelente comédia cinematográfica chamada “O Rato Que Ruge”. Para quem não se recorda, ou não conhece, trata-se de obra britânica filmada em 1959 pelo diretor Jack Arnold, e estrelada por Peter Sellers, que encena vários papéis. No filme, um país hipotético chamado Fenwick, em razão do declínio das exportações de seu principal produto, o vinho, para os Estados Unidos, decide declarar guerra àquela nação. O plano original era ser, obviamente, derrotada e então receber verbas para sua reconstrução como ato magnânimo daquela poderosa nação. Ocorre que o plano saiu errado, pois o pequeno exército de 22 guerreiros desembarcou armado com arcos e flechas em Nova York num dia em que a população estava toda reclusa, em razão de um exercício militar com uma nova superbomba. Como resultado, não havia quem os detivesse. Ao final de muitas peripécias, eles sequestram o cientista chefe do experimento e sua filha, e ainda levam a tal superbomba para seu país. Os Estados Unidos, no final, se rendem, e atendem às suas exigências.
A hilária e impossível história deixou uma interessante marca cultural, pois desde então bufões, mandatários de países insignificantes, conscientemente, ou não, caíram na armadilha de se comportar como a remota Fenwick.
De volta ao caso brasileiro, por sermos um país pacífico e com chefes de estado relativamente mais sensatos, ou melhor assessorados neste assunto, nunca havíamos nos colocado nesta situação ridícula. Para nossa tristeza, não é mais o caso.
Por outro lado, os Estados Unidos vivem, como nós, uma situação inusitada. A nação que foi por séculos um símbolo do processo democrático, ao menos no que se referia aos mecanismos de representação e escolha dos seus dirigentes, vê-se em uma situação que lembra as notórias Repúblicas de Bananas. Temos dois políticos que se declaram presidente simultaneamente, e grupos políticos opostos, cada um a seu modo, dizem que as coisas estão voltando ao normal – quando normalidade é o que menos existe por lá no momento. Enquanto isso, a maioria da população daquele país, como a da comédia citada, permanece hipnotizada frente às TVs, assistindo àquela que será lembrada como a mais incompetente apuração eleitoral de sua história. O outrora bastião da democracia provavelmente continuará a ser admirado quando tudo passar, porém, também para a tristeza de muitos, com inúmeras aspas e reservas.
Se decidirmos encarar o mundo como uma comédia, para não nos desesperarmos de vez, poderíamos até imaginar que nosso Presidente e seus generais de plantão levariam a empreitada da pólvora contra a saliva adiante, enviando uma tropa de Caçadores, Atiradores e Colecionadores voluntários para, depois de se municiarem nas lojas de armas de Miami, rumarem para a capital americana para tomar o país.
Poderiam, inacreditavelmente, lá chegar justo no dia da reunião do tal Colégio Eleitoral. Encontrariam ruas vazias, e ninguém para detê-los. Tomariam os jardins da Casa Branca e declarariam vitória. Exaustos de tanta confusão, os Estados Unidos aceitariam a derrota.
Para encerrar o pesadelo, no Rato Que Ruge, o mandatário de Fenwick impôs, nos termos de rendição, o que lhe parecia ser o mais vantajoso para seu país – uma indenização de um milhão de dólares, e a retomada da exportação de seu vinho para os Estados Unidos. Em nosso caso, talvez o presidente, em consulta com seu chanceler, também decidisse pelo que ambos entendem ser o melhor para o nosso país: que Biden ceda o lugar para um segundo mandato de Trump!
As luzes do cinema finalmente acendem e a saída fica ao fundo. Mas será à esquerda, ou à direita?