O trágico desmanche ambiental
O trágico desmanche ambiental

O trágico desmanche ambiental

Esvaziamento de ministérios compromete o futuro da sociobiodiversidade

Água é vida.

O Brasil detém cerca de 20% da água doce do mundo, em grande parte graças à Amazônia e ao Pantanal. Esse bem, que parece amplo e inesgotável, escasseia a passos galopantes no planeta.

Observa-se processos de desertificação na Europa e aumento de áreas suscetíveis à desertificação no Brasil e em várias partes do globo. A água não pode ser tratada apenas como um produto, ou pior, como uma componente de commodities agrícolas exportada às centenas de toneladas como se fosse infinita. A água é muito mais do que isso, é componente inexorável para qualquer ser vivo, desde nós, seres humanos, até cada espécie que compõe nossa imensa biodiversidade. É inadmissível que o Estado brasileiro não compreenda esse valor em sua estrutura executiva, nem tampouco o atual contexto em que as mudanças climáticas ameaçam a segurança hídrica e, portanto, a humanidade.

Vemos com muita preocupação as recentes ações do Legislativo contra a proteção da água no Brasil. A Agência Nacional de Águas (ANA) e a integridade da política da gestão ambiental dos recursos hídricos precisam ser mantidas no âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Há uma profunda relação entre o meio ambiente e a disponibilização, conservação e manutenção da qualidade da água, desde os ecossistemas aquáticos à preservação de matas ciliares, da imensa biodiversidade aquática ao uso racional e sustentável de suas reservas. Tudo isso faz parte da expertise dos servidores que trabalham no MMA e em suas instituições vinculadas. São conhecimentos e capacidades acumulados por décadas de formação, sem equivalência em qualquer outro ministério.

O desmanche do MMA vai além, com a perda do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR foi concebido pelos órgãos ambientais como uma ferramenta revolucionária para o monitoramento das áreas de reserva legal e de preservação permanentes em imóveis rurais brasileiros. Sua proposição é fruto de uma necessidade urgente dos órgãos ambientais em fazer o reconhecimento dessas áreas, tornando possível o imenso desafio de monitorar um país tão vasto quanto o Brasil. Portanto, não faz sentido algum retirá-lo do âmbito do MMA, o que apenas iria diminuir sua efetiva implantação e dificultar sua validação, atrasando ainda mais o Programa de Regularização Ambiental.

Vemos a transferência da atribuição de demarcação das terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas/Funai para o Ministério da Justiça como mais uma ação violenta contra os povos originários, cuja pasta hoje é gerida por lideranças indígenas, que conhecem melhor do que ninguém suas demandas, territórios e a história e tradições de seus povos. Além disso, as terras indígenas, quando demarcadas, têm um papel fundamental na conservação dos recursos naturais e da biodiversidade no país, pois são barreiras efetivas contra o avanço do desmatamento. Isso se deve à forma como os povos indígenas se relacionam com o seu território, pois entendem a necessidade da conservação da mata, da biodiversidade e da água para a vida.

A parte da sociedade brasileira que se preocupa com o meio ambiente e com o futuro da sociobiodiversidade do país quer ver medidas protetivas, não atitudes desorganizadoras e destrutivas como as que ocorreram recentemente no Congresso.

Apoiamos a ministra Marina Silva (MMA) e todos os que estão lutando para um país onde a preservação da biodiversidade seja considerada um avanço e um mecanismo de desenvolvimento socioambiental, não um empecilho. O papel do Estado brasileiro é reforçar as leis e regulamentações existentes de proteção ambiental e dos direitos dos povos originários, acima da consideração econômica que maximiza os interesses de curto prazo às custas do futuro de todos.

Alexandre Gontijo – SFB/MMA

Claudia Codeço – Procc/Fiocruz

Flavio Coelho – EMap/FGV

Maria Isabel Sobral Escada – DIOTG/Inpe

Antonio Miguel Vieira Monteiro – DIOTG/Inpe

Mônica da Silva Nunes – DMed/UFSCar

Camila de Moura Vogt – UFSM

Ana Paula Dal’Asta – Inpe

Raquel Martins Lana – BSC, Espanha

Ana Claudia Rorato Vitor – LiSS/Inpe

Izabel Cristina dos Reis – Fiocruz

Todos os autores acima fazem parte do Grupo de Síntese Científica SinBiose Trajetórias

Marcia Castro – Harvard, colunista da Folha