Painel: O Meio Ambiente no Brasil para a Construção de uma Sociedade Sustentável
Painel: O Meio Ambiente no Brasil para a Construção de uma Sociedade Sustentável

Painel: O Meio Ambiente no Brasil para a Construção de uma Sociedade Sustentável

Participantes: Paulo Eduardo Artaxo Netto (mediador), Izabella Mônica Vieira Teixeira, Carlos Alfredo Joly e Carlos Afonso Nobre Netto

Shirley Marciano

Carlos Joly explica que o Brasil passa por um processo de destruição do meio ambiente. Para ele, não há nada comparável na história. “Infelizmente, esse processo acelerou ainda mais esse ano, prevendo uma mudança no governo em 2023 e, portanto, um acirramento das questões de fiscalização e de mudança na forma como a área ambiental é tratada pelo atual governo”.

Ele descreve os vários estudos, documentos e tratados internacionais gerados ao longo dos anos, com significativo protagonismo atribuído ao Brasil na elaboração de políticas, mas também pelo engajamento e boas práticas. Mas, ele avalia que houve uma ruptura nesse caminho positivo sob o governo Bolsonaro, sobretudo com impactos ambientais ao país em todas as áreas, causados não só pelos problemas de origem global, mas por negligenciar a legislação brasileira vigente, no que tange a fiscalização e a punição, e também pela criação de uma série de arcabouços jurídicos altamente questionáveis.

Ele ressalta que o Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), apesar de recente, produziu importantes relatórios, tanto do ponto de vista metodológico quanto em questão de valoração da biodiversidade.

“Tenho acompanhado muito as negociações internacionais –não só das convenções da diversidade e serviços de ecossistemas– mas, principalmente, da IPBES. Em 1992, tivemos a assinatura de três convenções do Rio [Eco-92]. A convenção de mudança climática definiu o IPCC como o painel científico para produzir os relatórios para os quais são tomadas as decisões nas conferências. Infelizmente, para a biodiversidade, nós não tínhamos um órgão equivalente ao IPCC, e levou praticamente 20 anos para que IPBES fosse criado”.

Para ele, a legislação brasileira é bem construída, mas o governo a teria ignorado completamente. Inclusive, “trabalhou ativamente para destruí-la no Congresso, através de decretos, em decisões infralegais e em resoluções”.

Joly destaca a importância de priorizar a área ambiental em 2023 num próximo governo. “Precisa retomar o comando e o controle por parte do Estado nas áreas de vegetação nativa, amazônica e em todos os nossos biomas. Na transição, precisa rever essa legislação infralegal dos últimos quatro anos”.

Ele aponta caminhos e finaliza, dizendo que é muito importante parar o desmatamento na Amazônia, construindo soluções combinadas entre a Ciência e o conhecimento do povo originário da região.

A questão do clima é um dos temas mais discutidos sobre os impactos ao meio ambiente e seus desdobramentos, e o pesquisador Carlos Nobre traz ao painel esse assunto, discorre sobre os grandes riscos futuros e alguns fenômenos extremos, que já são resultantes desse processo.

“Os riscos são muito grandes com relação ao clima global, e nós não conseguiremos controlar as emissões de gases de efeito estufa de modo rápido. Se verificar o 3° IPCC, lá diz que que o gelo do Ártico só iria desaparecer durante o pico do verão, no século 22. Depois, com o avanço da Ciência, com o entendimento do que estava acontecendo com esta região, essa previsão foi revista. Neste último relatório, pode ser que o gelo se derreta até 2050, mesmo com muito sucesso do acordo de Paris”, diz.

Essas ondas de calor que vêm acontecendo na Europa têm chamado bastante a atenção nos noticiários atuais, e ele comenta que esses fatos foram previstos no IPCC 3 ou 4 para acontecer em 2050. Ou seja, adiantou 30 anos.

“O último relatório do IPCC mostrou de forma bem contundente e colocou o dedo na ferida ao afirmar que essa frequência de eventos climáticos extremos, como secas, ondas de calor, chuvas intensas, fogo, quebra de safra e ressacas, são resultados de emissão de gás de efeito estufa na atmosfera”, explica Nobre.

E ele avisa que há risco de passarmos do ponto, de não haver mais retorno de vários sistemas que armazenam centenas de bilhões de toneladas de gás de efeito estufa. “Posso citar, por exemplo, a Amazônia, que armazena de 150 a 200 bilhões de toneladas, a floresta da África Equatorial e o sudeste asiático, que estão ambas com pouco menos do que na Amazônia”.

Ele afirma que existe a possibilidade de desaparecer até 70% da Amazônia entre 30 e 50 anos, e que há a possibilidade do planeta chegar ao século 22 numa condição de aquecimento que o torne inabitável.

“O Brasil foi o 4° país que mais emitiu no mundo, sendo que 80% das nossas emissões são de desmatamento, historicamente, da Amazônia, da Mata Atlântica, do Serrado, do Pantanal, do Pampa e da Caatinga”.

“Éramos heróis ambientais, mas agora somos vilões, páreas. Emitimos tanto quanto os chineses e os alemães e quase como os americanos, considerando números percaptos populacionais. Então, é muito importante uma mudança governamental em suas políticas”, finaliza Carlos Nobre.

Bráulio Dias, em sua exposição, alerta que o próximo governo herdará um problema de meio ambiente e de legislação ambiental. “Se quisermos avançar, temos que encontrar formas de restituir o diálogo entre os diversos setores, pois nos últimos anos houve uma radicalização”.

Ele traça uma relação entre a biodiversidade e a bioeconomia. Mas vê hoje um grande obstáculo, por haver necessidade de investimento em Ciência e Tecnologia e por não existir no Brasil uma política nacional para a bioeconomia.

“O Brasil poderia ser um grande campeão mundial na produção de alimentos e fibras e um grande campeão de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Temos hoje a maior biodiversidade do mundo, mas estamos correndo o risco de perdê-la”.

Para a questão da Amazônia, ele destaca algumas ações pontuais, como a criação de mais institutos de pesquisa na região, mais universidades na área de Ciência e Tecnologia e incentivos a jovens empreendedores, para que tenham renda a partir da biodiversidade.

“A perda da diversidade é um grande problema brasileiro, mas a extinção das espécies é o mais grave, por não existir formas de recuperar”, diz.

Ele ainda diz que o atual governo abandonou a Agenda 21 e propõe que o novo governo reestabeleça as comissões neste tema.

Izabella ratifica o que foi exposto pelos demais painelistas, fala sobre a transformação do mundo e dos quatro principais desafios mundiais, que são: mudanças climáticas, tensões políticas, desigualdade e tecnologias digitais/sustentabilidade.

Paulo Artaxo é Doutor em Física Atmosférica pela USP. Trabalhou na NASA (Estados Unidos), Universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (Estados Unidos). Atualmente é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP. Trabalha com física aplicada a problemas ambientais, atuando principalmente nas questões de mudanças climáticas globais, meio ambiente na Amazônia, física de aerossóis atmosféricos, poluição do ar urbana e outros temas. É membro do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU e coordena o Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais. É vice-presidente da SBPC.

Izabella Mônica Vieira Teixeira é Co-chair do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente e ex-Ministra do Meio Ambiente.

Carlos Alfredo Joly é Biólogo formado na USP, é Prof. Emérito da UNICAMP, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, e Coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Atualmente atua na área da interface ciência – política de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Atuou na Academia, no 3º Setor e no Governo, tendo recebido inúmeros prêmios por seu trabalho, sendo o último o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Ciência em 2022.

Carlos Afonso Nobre é um dos mais renomados climatologistas do país e um dos cientistas brasileiros mais conhecidos mundialmente. Com graduação em Engenharia Eletrônica ITA em 1974 e doutorado em Meteorologia pelo em 1983. Foi pesquisador do INPA e INPE. Foi Conselheiro Científico do Panel on Global Sustainability da ONU. É membro da Academia Brasileira de Ciências, Academia Global de Ciências e membro estrangeiro da Academia de Ciências dos EUA e Royal Society da Grã-Bretanha. Participou de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), inclusive do Quarto Relatório de Avaliação do IPCC, agraciado com o Prêmio Nobel da Paz (2007). Recebeu vários Prêmios nacionais e internacionais. É atualmente pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e o Copresidente do Painel Científico para a Amazônia (www.theamazonwewant.org), que produziu a mais rigorosa avaliação científica para a Amazônia e apontou caminhos para um futuro sustentável. É também o proponente do Projeto Amazônia 4.0 (www.amazonia4.org), que busca demonstrar a viabilidade de uma nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo para a Amazônia, incorporando conhecimento científico e inovações tecnológicas com conhecimentos de povos indígenas e comunidades locais.

Bráulio Ferreira de Souza Dias possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília (1975) e doutorado em Zoology pela University of Edinburgh (1981). Atualmente é UN ASG and Executive Secretary of CBD da Secretariat of the UN Convention on Biological Diversity e Professor Adjunto 4; TP da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia Aplicada.