Fernanda Soares Andrade, jornalista e autora do livro “Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira”, escreve para o Jornal da Ciência
A primeira eleição brasileira da qual se tem registro ocorreu no período colonial, em 1532, na Capitania de São Vicente, para a escolha dos representantes das Câmaras Municipais. O voto era direito unicamente dos “homens bons”, ou seja, um pequeno grupo de linhagem nobre, com algum negócio de importância ou com posses.
Com o passar dos anos, o sistema de voto foi mudando. Novos cargos passaram a ser eletivos, novos eleitores foram inseridos, até que se chegou ao formato de hoje, com eleições diretas para todos os cargos e sufrágio universal, garantido na Constituição de 1988.
Ao longo da história da votação no Brasil, se acumularam casos de fraudes eleitorais que vão desde “urnas emprenhadas” (chegavam já com votos ao local de votação), “voto formiguinha” (cédulas preenchidas eram entregues para o eleitor apenas realizar o depósito na urna), “mapismo” (preenchimento de votos brancos a favor de um candidato) e a famosa “compra de votos” (na qual o candidato prometia um benefício ao eleitor, caso eleito).
As eleições eram coordenadas, cada uma, por um estado da federação. Era comum haver duplicidade de títulos eleitorais, com um eleitor apto a votar em mais de um estado. Foi apenas em 1984 que o Tribunal Superior Eleitoral – TSE iniciou o processo de organização do sistema de voto no Brasil. Foram criados os Tribunais Regionais Eleitorais, de cada estado, responsáveis pelo cadastro dos eleitores, porém em cadastro único, sob orientação do TSE.
A partir de 1989, os Tribunais foram equipados com computadores e interligados por internet própria, desenvolvida especialmente para a comunicação entre cartórios, TRE´s e TSE.
Cinco anos depois, o ministro Carlos da Silva Velloso, ao assumir a presidência do TSE, convocou uma Comissão de Notáveis para nortear os parâmetros para a criação de um “coletor eletrônico de votos”, conforme previa o Código Eleitoral de 1932, que nunca foi posto em prática, devido à falta de tecnologia na época.
A premissa básica para a criação do coletor de votos foi definida: ELIMINAR A FRAUDE NO PROCESSO ELEITORAL! A partir dessa premissa, as equipes que atuaram na concepção dessa que hoje chamamos de urna eletrônica brasileira, conseguiram incorporar uma série de outros benefícios:
– inclusão dos analfabetos, já que o voto passa a ser numérico e com verificação através da imagem do candidato;
– diminuição de votos brancos e nulos;
– agilidade na votação;
– agilidade na apuração e divulgação do resultado;
– fim da fraude no processo eleitoral.
A urna eletrônica foi desenvolvida para atender às necessidades do Brasil e de seu eleitorado. Entre suas características básicas, a robustez para aguentar viagens aos lugares mais longínquos e de difícil acesso, e bateria interna para funcionar até 14 horas, sem necessidade de energia elétrica.
Em 1996, um terço do eleitorado brasileiro votou, pela primeira vez, utilizando as urnas eletrônicas. Nas eleições de 2000, todo o país já experimentava o novo sistema.A urna eletrônica brasileira possui 25 anos de existência. No início, o eleitor possuía curiosidade sobre o equipamento. Com o passar dos anos, a urna se tornou alvo de fake news e desinformação, por parte de grupos que veem mais vantagens na votação realizada em cédula de papel.
Algumas das fake news de grande circulação no país são:
– “Apenas o Brasil utiliza urna eletrônica” – atualmente, eleições com equipamentos eletrônicos ocorrem em 46 países.
– “As urnas são fabricadas na Venezuela” – as urnas foram projetadas, desenvolvidas e fabricadas no Brasil.
– “A urna é a mesma desde 1996” – apesar de manter a aparência física, as urnas evoluíram com o avanço da tecnologia e incorporam, a cada ano, novas ferramentas para garantir a segurança dos pleitos.
– “A apuração das eleições é realizada em sala secreta no TSE” – a própria urna eletrônica realiza a apuração dos votos ao final da votação, ao imprimir o Boletim de Urna, que pode ser visto por qualquer cidadão.
– “A urna brasileira já foi hackeada” – a urna eletrônica brasileira não possui nenhum dispositivo de rede que permita uma comunicação, o que a torna impossível de ser hackeada
– “Haverá um grande apagão de energia elétrica no dia da votação e as eleições não serão realizadas” – as urnas possuem bateria interna para operar por mais horas do que as necessárias para a votação.
– “A urna não pode ser auditada” – a urna é auditada antes, durante e após as eleições através de diversas ferramentas, como assinatura digital no código-fonte, auditoria paralela, teste público de segurança, impressão de zerésima no início da votação e impressão de boletim de urna ao final da votação.
– “Voto impresso é mais seguro” – a história atesta o contrário. Com a utilização da urna eletrônica brasileira, apesar de denúncias, nunca houve comprovação de fraude eleitoral.
As urnas eletrônicas foram criadas, na palavra de um dos servidores públicos que atuou na sua concepção, Antônio Ésio Salgado: “para que seja eleito o candidato mais votado”, algo que, por muitas vezes, não ocorria no Brasil.
Toda história do sistema eletrônico brasileiro de voto pode ser encontrada no livro “Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira”, disponível para download gratuito no site do SindCT (acesso neste link: https://sindct.org.br/sindct/comunicacao/livros-e-cartilhas/faca-o-download-do-livro-sobre-a-urna-eletronica-brasileira/).
Sobre a autora:
Fernanda Soares Andrade é jornalista profissional diplomada, assessora de imprensa do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial, autora do livro sobre a história da urna eletrônica brasileira.
* O artigo expressa exclusivamente a opinião de seus autores