As vozes compartilhadas neste artigo não são apenas testemunhas de discriminação e resilência individual. Elas são expressão de um projeto institucional maior: o compromisso do SindCT com equidade racial, diversidade e inclusão nas instituições de ciência, tecnologia e serviço público que representa.
O SindCT como agente de transformação
O Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT) representa as servidoras e servidores públicos federais em instituições de excelência como INPE, DCTA, AEB e CEMADEN. Sua missão vai além da representação corporativa tradicional: o SindCT assume o compromisso com valores de justiça social, equidade racial e inclusão como componentes estruturais de sua atuação.
A publicação de “Trajetórias Negras na Ciência e no Serviço Público: Vozes que Transformam o Futuro” não é uma iniciativa isolada de responsabilidade social corporativa. É expressão de uma postura política deliberada: a de que sindicatos que representam trabalhadores em instituições científicas têm o dever de questionar quem está sendo representado, quem está sendo ouvido e quem permanece invisível.
Diversidade como imperativo científico e democrático
Para o SindCT, a inclusão de pessoas negras em ciência e tecnologia não é questão apenas de “representatividade cosmética” ou de “respeito à diversidade” em sentido abstrato. É questão de qualidade científica e de democracia substantiva.
Ciência produzida apenas por pessoas brancas é ciência incompleta. Problemas de saúde pública que afetam desproporcionalmente pessoas negras não serão adequadamente investigados se não houver pesquisadores negros no processo. Políticas públicas desenhadas sem participação de pessoas das comunidades afetadas perpetuam inadequação. Tecnologias desenvolvidas sem pluralidade de perspectivas tendem a replicar os vieses dos poucos que as concebem.
Um sindicato que representa servidoras e servidores públicos federais em instituições científicas tem responsabilidade de questionar: As instituições que representamos estão produzindo conhecimento que serve a todo o Brasil, ou apenas a parcelas privilegiadas? Os públicos das nossas pesquisas e desenvolvimento tecnológico são diversos, mas nossos pesquisadores são homogêneos – isso faz sentido?
Demandas estruturais do SindCT para equidade racial em C&T
Com base nas vozes ouvidas neste artigo e no seu compromisso com equidade, o SindCT demanda:
Fortalecimento de políticas afirmativas e monitoria de permanência: Cotas nos concursos públicos para servidores e pesquisadores são passo importante, mas insuficiente. É necessário que haja programas robustos de acompanhamento, mentorias e progressão profissional que garantam que pessoas negras não apenas entrem nas instituições, mas prosperem nelas.
Políticas de liderança interseccional: A representatividade em cargos de chefia, posições estratégicas e órgãos de decisão deve refletir a população brasileira, com atenção particular à dupla discriminação enfrentada por mulheres negras. Metas de representatividade devem ser estabelecidas e monitoradas.
Investimento em educação básica de qualidade: As instituições que o SindCT representa não podem ser ilhas de excelência em um mar de precariedade educacional. É responsabilidade das instituições federais de C&T criar pipelines de acesso, programas de educação científica em escolas públicas, bolsas de iniciação científica priorizando estudantes negros.
Revisão crítica de processos seletivos: O SindCT defende que editoriais de seleção, critérios de avaliação e composição de bancas sejam auditados regularmente quanto a viés. Critérios aparentemente “neutros” frequentemente perpetuam históricos de exclusão.
Grupos de trabalho permanentes sobre diversidade nas instituições: Comissões temporárias não produzem mudança estrutural. O SindCT defende a criação de estruturas permanentes, bem financiadas, com poder real de influência nas políticas institucionais.
Diálogo contínuo com movimentos negros: As instituições não devem ser espaços herméticos que decidem sozinhas o que é equidade. Movimento Negro, mulheres negras, coletivos de resistência têm sabedoria que precisa informar políticas públicas.
Documentação e transparência de dados: Desigualdade que não é medida tende a ser negada. O SindCT demanda que instituições de C&T publiquem regularmente dados desagregados por raça/cor sobre: admissão, permanência, progressão, distribuição por áreas, representatividade em lideranças, remuneração, casos de discriminação e ações tomadas.
Sindicatos como espaços de consciência racial
O SindCT reconhece que sindicatos tradicionais frequentemente reproduzem, em suas estruturas internas e prioridades de negociação, as mesmas hierarquias raciais que existem nas instituições que representam. Homens brancos ocupam desproporcional número de posições de liderança sindical. Pautas de mulheres negras e homens negros são frequentemente subordinadas a “pautas gerais”.
O compromisso do SindCT, portanto, passa também por autoavaliação crítica: Quem são as lideranças do sindicato? Quem tem voz nas negociações? Como a agenda sindical incorpora as demandas específicas de trabalhadores negros? Como a organização sindical avança em equidade racial interna?
Um chamado à solidariedade entre instituições
Sindicatos ligados a ciência, tecnologia e serviço público têm papel importante em rede. ASFEPSE, ASPPF e outras organizações precisam se reconhecer como aliadas na luta por equidade racial. Essa não é pauta segregada – é pauta que fortalece toda a classe trabalhadora em C&T quando bem compreendida.
Profissionais negros em ciência não competem com profissionais brancos por oportunidades em um jogo de soma zero. Quando pessoas negras prosperam em carreiras científicas e tecnológicas, as instituições se fortalecem, o conhecimento produzido melhora, a democracia se aprofunda. É interesse de toda a classe de trabalhadores em C&T que equidade racial seja meta institucional. Retomando a perspectiva de Djamila Ribeiro, a demanda é clara: pessoas negras reivindicam transitar de objeto de estudo a sujeitos protagonistas da pesquisa e da divulgação científica, produzindo e legitimando seus próprios saberes.
Conclusão: do testemunho à ação
As nove vozes que ecoam neste artigo fazem mais que contar histórias de resistência pessoal. Elas apontam para contradições estruturais que o Brasil precisa resolver: Como pode um país que é maioria negra e parda ter instituições científicas que são maioria branca? Como pode chamar-se democrático se conhecimento é produzido por parcela tão restrita da população?
O SindCT assume o compromisso de que essas contradições sejam objeto de disputa política permanente. Não apenas em novembro, Mês da Consciência Negra. Não apenas em iniciativas isoladas. Mas como componente estrutural de como a organização compreende sua missão e como trabalha para transformação social.
Aos colegas e à sociedade em geral, o SindCT transmite mensagem clara: equidade racial em ciência e tecnologia não é favor que pessoas brancas fazem a pessoas negras. É imperativo ético, investimento em desenvolvimento nacional, e compromisso com a democracia substantiva que o Brasil merece.
As trajetórias negras que transformam o futuro não são apenas responsabilidade individual de pessoas negras que conseguem perseverar apesar de tudo. São responsabilidade coletiva de toda instituição, de toda sociedade, de governo que precisa garantir que próximas gerações de meninas e meninos negros tenham caminho muito mais reto que o trilhado por quem hoje abre esses caminhos.
Que este artigo seja chamado à ação. Que sirva como espelho para reconhecer estruturas que precisam mudar. Que seja combustível para lutas que continuam. E que, nos próximos anos, o Brasil possa contar com muito mais trajetórias negras em ciência e tecnologia – não porque isso seja “diverso” ou “politicamente correto”, mas porque é direito, é justiça, e é essencial para conhecimento que nos dignifique a todos.
Luta por equidade racial em ciência é luta pela alma do Brasil.
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