Movimento Cientistas Engajados sai em defesa do Inpe e da Amazônia
Movimento Cientistas Engajados sai em defesa do Inpe e da Amazônia

Movimento Cientistas Engajados sai em defesa do Inpe e da Amazônia

O movimento Cientistas Engajados, formado por pesquisadores que buscam dar mais representatividade política à ciência no Brasil, divulgou um manifesto em defesa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em meio ao complicado contexto de reestruturação e desprestígio do órgão, encurralado pela política antiambiental do governo Bolsonaro. É com prazer que reproduzo o texto aqui no blog. Confira abaixo.

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Em julho de 2019, após reagir tecnicamente às acusações sem base factual feitas ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais pelo presidente Bolsonaro e seus colaboradores, o diretor Ricardo Galvão foi exonerado do cargo. Restando ainda por cumprir 13 meses de mandato, o Senhor Ministro nomeou como Diretor Interino um militar. Após dois meses de gestão, o diretor, num movimento atípico para um interino, convocou a comunidade interna do Inpe para informar que pretendia promover uma reestruturação do instituto. Segundo ele, essa reestruturação se daria a partir de supostos “profundos estudos” sobre a atuação, objetivos e fins dos diversos segmentos da instituição.

Como não apresentou nenhuma documentação que comprovasse o uso de um método reconhecido nos estudos realizados, nem tampouco apresentou evidências da suposta insuficiência de desempenho que justificassem a necessidade de uma reestruturação, o Diretor Interino foi, nas semanas seguintes, amplamente criticado pela atitude amadora e autoritária com que pretendia conduzir as mudanças por ele anunciadas.

Nesse meio tempo, a permanência do Diretor Interino no cargo foi se estendendo, não obstante a necessidade de busca pela normalidade na gestão do INPE, com estabelecimento rápido de um processo seletivo de Diretor mediante comitê de busca. Foram meses de espera para que o Ministro designasse o comitê de busca para escolha do novo diretor, mantendo no cargo um militar que não havia passado pelo escrutínio da comunidade científica, sem o qual não tinha credibilidade perante os colegas.

Somente no início de 2020, e após muitas críticas dos servidores do INPE e da comunidade científica nacional e internacional, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Marcos Pontes, entendeu por designar um Comitê de Busca para selecionar a lista tríplice que é usada como base para a seleção do Diretor. Para quem não conhece essa forma de escolha, é dessa lista que deve sair o futuro diretor do INPE, após um minucioso processo de seleção, com debates, questionamentos e exposições públicas. Os candidatos são selecionados para a lista tríplice, que depois é submetida ao Ministro, conforme os critérios e requisitos explicitados no Edital No 75/2020, publicado no DOU, 14 de abril de 2020, cujo prazo foi encerrado em 05/07/2020.

Ao transcorrer do tempo foi ficando clara a incapacidade do Diretor Interino de agregar e liderar qualquer processo de reestruturação interna, uma vez que está enfraquecido pela forma imprópria, do ponto de vista acadêmico, pela qual foi levado ao cargo.

Essa incapacidade foi ficando cada vez mais evidente, dado que, a partir de uma avalanche de críticas técnicas à forma de condução do processo, o diretor interino se recolheu e não mais voltou a apresentar proposta alguma de reestruturação.

Ao se dizer isso, constata-se um fato que não está vinculado a qualquer ilação sobre ausência de qualidades profissionais do Diretor Interino, o qual tem reputação ilibada e contribuições para o setor. No entanto, ao aceitar o papel que lhe foi prescrito pelo Ministro, na forma que lhe foi imposta, é natural que essa falta de legitimidade dificulte um trabalho eficaz à frente do INPE, gerando crises contínuas que atrapalham o bom andamento dos trabalhos. Qualquer reestruturação séria precisaria ocorrer de forma colegiada, cabendo ao Diretor apenas o papel de organizar e avaliar os debates, principalmente no caso de um Diretor com tão pouco tempo de casa e com pouca experiência de gestão de unidades de pesquisa do porte do INPE.

Não obstante a situação insustentável de uma gestão não legitimada pelos pares, recentemente, pesquisadores do INPE voltaram a descrever rumores de que novamente se gestava, desta vez em segredo, a tal propalada reestruturação, uma situação de falta de transparência impensável no ambiente acadêmico. Mais do que rumores, havia evidências de que o diretor interino não mais se reunia com os alguns dos responsáveis por postos estratégicos, preferindo tratar de assuntos relativos àquelas áreas com pessoas outras, não investidas legalmente em cargos públicos. Sobre isso, cabe invocar o princípio da publicidade, entre outros: a sociedade só consegue fiscalizar o governo se o responsável pela atividade estiver devidamente investido no cargo público, com nomeação formal e amplamente divulgada. Os princípios do Art. 37 da Constituição Federal e as demais previsões legais indicam que o gestor, com competência para tal, deve dar publicidade à escolha do servidor público que realizará uma determinada atividade.

Ignorando também a instância maior de assessoramento do INPE, o Conselho Técnico-Científico, prosseguiu o Diretor Interino com seu processo seletivo fora dos regulamentos e da publicidade, razão pela qual pode ser, inclusive, referido como autoritário, causando preocupação entre os pesquisadores da instituição principalmente no que se refere ao atendimento das previsões regimentais, outro instrumento de publicidade que explicita a forma como o órgão público se organiza.

Nesse ponto, cabe enfatizar que é OBRIGAÇÃO do servidor público representar contra uma possível ilegalidade, para que uma investigação possa transcorrer. Por essa razão, os membros da comunidade interna não se furtaram a divulgar documento público subscrito por todos os membros eleitos do CTC, do qual pode ser extraído o seguinte recorte: “Somente o Diretor Interino e poucos servidores que fazem parte da atual estrutura de gestão participaram da elaboração do novo Regimento Interno e das diretrizes do novo Plano Diretor, tendo, assim, conhecimento de seu conteúdo. Entendemos que, do ponto de vista organizacional e de sua interface com o MCTI, tanto o Regimento Interno quanto o Plano Diretor contêm informações relevantes para que cada candidato a diretor possa exprimir com clareza ‘sua visão de futuro e seu projeto de gestão’. Assim sendo, tanto o discurso de candidatos a diretor quanto a análise do referido discurso por parte do Comitê devem estar respaldados em informações disponíveis nos documentos acima. Entretanto, a ausência de informações sobre as novas versões destes documentos limita e/ou distorce a análise da ‘visão de futuro e projeto de gestão’”.

O texto do CTC traz evidência da existência de um processo de reestruturação em andamento, bem como de alterações estatutárias que, em condições de normalidade, se dariam dentro dos bem conhecidos ritos das decisões colegiadas que regem as unidades federais civis e, em particular, as de pesquisa, a saber: notas técnicas, apresentação de projetos, discussão pública, submissão às competentes instâncias internas e externas para avaliação, parecer jurídico e, finalmente, aprovação pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações. Porém, agindo em desacordo com o processo regular, em apenas 11 meses após sua nomeação como Diretor Interino do INPE, está prestes a concluir a primeira fase de um projeto de transformação institucional, sem que o devido controle interno, representado no caso pelas decisões colegiadas, pudesse se manifestar. Muito menos houve oportunidade de submeter à comunidade científica interna e externa os novos desígnios, que saíram de um grupo muito pequeno e sem representatividade.

Sem opção de manter escondida por mais tempo a intempestiva reestruturação, principalmente a partir da exposição pública da exoneração súbita da Dra. Lúbia Vinhas, tal propósito foi finalmente publicado no site do INPE no dia 13/07/2020 e ratificado pelo ministro Pontes na coletiva de imprensa que concedeu em 14/07/2020, para surpresa dos técnicos do INPE, que são, em última análise, os especialistas que detém, verdadeiramente, o conhecimento de décadas sobre o funcionamento institucional.

Em agosto, o INPE completará 59 anos. Desde a sua criação tem se mantido e comportado como uma instituição civil do Estado brasileiro e não a serviço de governos. Passou pelos turbulentos anos pré-golpe civil-militar de 1964, produziu com independência e autonomia científica durante todo o período da ditadura e chegou aos anos da redemocratização íntegro na sua missão científica. Nesse período, o INPE construiu espaços de transparência e maior participação de sua comunidade em órgãos colegiados e nas escolhas de seus dirigentes e gestores, uma forma moderna de gestão que garante o controle interno e qualidade de suas decisões.

Porém, nos últimos dois meses vive o INPE uma situação peculiar e única na sua história: convive com uma estrutura administrativa oficial, a que está no regimento atual e válido, e uma estrutura paralela, que opera, governa e decide sobre o INPE, mas que não existe na regulação administrativa e, portanto, não pode ser fiscalizada. Isso, por si só, já configura um problema a ser analisado no campo da probidade administrativa, pois coloca em risco a capacidade da sociedade de auditar o INPE. É importante ressaltar que essa estrutura paralela de gestão incluiu a verticalização e unificação de comando aos moldes das estruturas militares, claramente na contramão das tendências atuais de atuação matricial e em redes colaborativas, com liberdade acadêmica e autonomia científica.

A falta de transparência com que o assunto vem sendo conduzido tem outros desdobramentos além dos administrativos-legais, sobressaindo-se os éticos. Ao centralizar as informações institucionais em um pequeno grupo, sem transparência, o Diretor Interino passa a ter informações privilegiadas sobre a instituição, prejudicando a competitividade de outras candidaturas a Diretor. Essa situação é claramente antiética e um recurso de quem não estaria preparado para os processos de escolha típicos da academia, o que não se deseja acreditar que seja o caso do atual diretor. A sociedade em geral, e os os demais candidatos em particular, não tiveram acesso às propostas urdidas em silêncio e, aparentemente sob a anuência do MCTI. É impossível um concurso com igualdade de condições quando há falta de transparência sobre a nova estrutura de trabalho, que só foi apresentada após o final do prazo de inscrição de candidatos, quando seus documentos já estavam com o Comitê. Evidente que os candidatos sem o mesmo trânsito nos meios militares como o do Diretor Interino apresentaram Planos de Trabalho com base no Regimento Interno vigente, já que este é o Regimento Interno oficial e legalmente válido. É possível também que os membros do Comitê de Busca ignorem estes arranjos infralegais promovidos pelo diretor interino, promovendo uma indevida interferência no processo seletivo, que perde, por isso, a isonomia imprescindível aos princípios da Administração Pública previstos no Art. 37 da C.F.

Para uma instituição do porte e tradição do INPE, não há dúvidas de que a forma como o processo de reestruturação está sendo conduzido traz grande risco para o seu futuro. Também não faz sentido uma injustificada reestruturação num órgão que tem cumprido seus termos de compromisso de gestão.

Toda essa movimentação extemporânea, intempestiva, açodada e amadora corrobora com a percepção de que pode estar em curso uma tentativa de impedir que o INPE continue desempenhando seu papel de vigilância sobre o desmatamento da Amazônia, razão pela qual, nós, do Movimento Cientistas Engajados, solicitamos:

a) que o MCTI adote medidas de investigação sobre as condutas praticadas, principalmente no que tange ao estabelecimento de uma estrutura paralela. Esta investigação deve ter como meta tornar públicos todos os documentos referentes à estruturação em curso;

b) que o MCTI interrompa imediatamente o processo de reestruturação até que a investigação mencionada seja finalizada;

c) que o Comitê de Busca, durante o processo de escolha do novo Diretor, utilize como parâmetro para a seleção exclusivamente o regimento interno público e válido;

d) que o MPF abra investigação para avaliar condutas da Direção da instituição, visando garantir que as boas práticas de gestão colegiada, previstas no âmbito das Unidades Gestoras do Governo Federal, sejam observadas, interrompendo qualquer atuação da Direção fora do contexto do Regimento Interno válido;

e) que o Ministério exclua do Comitê de Busca membros cuja titulação

acadêmica esteja abaixo das requeridas dos candidatos no Edital.

ABAIXO, MATÉRIA ORIGINAL

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