Apagão de dados sobre o Cerrado afeta credibilidade do Brasil, afirmam organizações ambientais
Apagão de dados sobre o Cerrado afeta credibilidade do Brasil, afirmam organizações ambientais

Apagão de dados sobre o Cerrado afeta credibilidade do Brasil, afirmam organizações ambientais

Segundo maior bioma da América do Sul, Cerrado deixará de ser monitorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a partir de abril por falta de verba.

Por Poliana Casemiro, g1 Vale do Paraíba e Região

Impactos na agricultura, nos recursos hídricos e na credibilidade do Brasil entre países que cobram preservação do meio ambiente. A descontinuidade anunciada do fim do monitoramento do Cerrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a partir de abril, terá consequências que vão da área ambiental à política.

A verba que mantinha a equipe de monitoramento do Cerrado se encerrou em 31 de dezembro. Para manter a equipe, formada por vinte pesquisadores, seriam necessários R$ 2,5 milhões ao ano.

Sem projeção de investimento do governo federal ou de outros programas, a maior parte dos pesquisadores foi desmobilizada da pesquisa e o fim da publicação dos dados tem data prevista.

Em entrevista ao g1, representantes do WWF-Brasil, do Instituto Cerrados e do Inpe listam os impactos que a medida terá.

“Um governo que abre mão disso e de toda a informação, perde a capacidade de planejar melhor como a gente usa o território brasileiro. Toda essa inteligência é feita pela ciência, está jogando no lixo todo um capital científico por causa de valores irrisórios e por não ter a ciência como base na sua gestão”, analisa Edegar de Oliveira Rosa, diretor de conservação e restauração de ecossistemas no WWF-Brasil.

O impacto político para a imagem do Brasil no exterior está ligado ao estímulo ao senso de impunidade, como explica Rosa.
“O risco para esse bioma é não ter dados oficiais, a gente continuar sem um mecanismo de comando e controle efetivo e aumento de desmatamento e senso de impunidade. E não vamos ter informações para poder comprovar esse desmatamento e pensar formas de combater tanto com políticas, quanto com o mercado voluntário”, disse.

Importância do Cerrado na disponibilidade de água nas bacias do Brasil — Foto: Arte/G1
Importância do Cerrado na disponibilidade de água nas bacias do Brasil — Foto: Arte/G1

Mensuração ambiental em xeque

O Cerrado é o segundo maior bioma no Brasil, com mais de 2 milhões de km² e concentra oito nascentes das 12 bacias importantes para o consumo de água e geração de energia no país. A preservação dele pode influenciar em situações de crises hídricas, já que o bioma está ligado ao abastecimento de oito das 12 regiões hidrográficas do país (veja mapa acima).

Na região da bacia do Rio Paraná, que abastece Itaipu, o Cerrado responde por quase 50% de toda a vazão. As regiões do São Francisco, do Parnaíba e do Paraguai – esta última ligada ao Pantanal – têm uma dependência hidrológica ainda maior: o bioma é responsável por aproximadamente 94%, 105% e 135%, respectivamente, de toda a vazão.

Além de ter extrema relevância para o desenvolvimento do país, abriga um celeiro de produção agrícola de grãos como soja e milho, além do algodão e da pecuária.

Para além das informações que norteiam decisões sobre a economia, o apagão de dados também reflete nas medidas de contenção do desmatamento. No último levantamento, o Inpe apontou que o bioma havia registrado mais de 8.531 km² de área desmatada. A extensão corresponde a cinco vezes a cidade de São Paulo.

Yuri Salmona, do Instituto Cerrados, explica que o apagão vem no compasso do aumento no desmatamento no Brasil e critica a posição do governo alegando que há risco não só ambiental, como econômico.

“A falta de políticas de controle parece ser uma política do estado não olhar para isso. As consequências disso vão ser gravíssimas. Somos líderes de exportação de carne e commodities. Esse volume de compra tem a ver com preço e lastro ambiental, que precisa ser provado. Com um apagão como você prova isso? Como mantém a atividade econômica? ”, diz.

O Instituto Cerrados publicou nesta segunda-feira (10) uma nota que analisa alguns pontos sobre o fim do monitoramento do Cerrado pelo Inpe (leia a íntegra).

O Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) também publicou nesta segunda-feira uma nota na qual afirma que prepara uma alternativa, caso o projeto do Inpe seja desmobilizado, como foi anunciado (leia na imagem abaixo).

Mapbiomas publicou nota sobre fim do projeto de monitoramento do Cerrado pelo Inpe — Foto: Reprodução

Mapbiomas publicou nota sobre fim do projeto de monitoramento do Cerrado pelo Inpe — Foto: Reprodução

Valorização da ciência na berlinda

“O monitoramento é um dado do estado brasileiro, que tem a responsabilidade sobre ele. Isso é cobrado em acordos internacionais. É uma loucura que a gente como país deixe de ter uma informação como essa fora de nossas mãos”, explica Jean Ometto, especialista no bioma e pesquisador do Inpe.

Um dos acordos internacionais ligados ao bioma é o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), feito em parceria com o Japão.

“Os dados serem do Inpe significa credibilidade em ciência robusta e independente. Não importa quem esteja no governo, quem os usa tem a certeza de que eles têm interesse exclusivo científico”, comentou Ometto.

A reportagem do g1 acionou o Ministério da Ciência e Tecnologia, mas aguardava o retorno até a publicação.

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