Descoberta de Fosfina em Vênus explicada por especialista em Astrobiologia do INPE MCTI
Descoberta de Fosfina em Vênus explicada por especialista em Astrobiologia do INPE MCTI

Descoberta de Fosfina em Vênus explicada por especialista em Astrobiologia do INPE MCTI

A detecção da molécula fosfina (PH3) na atmosfera de Vênus, anunciada no paper “Phosphine gas in the cloud decks of Venus” de Greaves et al. em https://www.nature.com/articles/s41550-020-1174-4, é um excelente campo de provas para a possível existência de atividade biológica na alta atmosfera de Vênus, nos chamados “cloud decks” ( camada de nuvens).

A fosfina é encontrada na Terra e sua origem é ligada à atividade biológica terráquea, que repõe a fosfina decomposta pela intensa atividade química na atmosfera terrestre (oxidante, que arranca os átomos de H). Ela é também encontrada em outros pontos do Sistema Solar, mas nos planetas gigantes, em que o tipo de atmosfera (redutora) permite sua sobrevivência em quantidades que permitem a detecção a partir da Terra.

A identificação da fosfina em Vênus foi felta por medidas com o rádio telescópio ALMA, localizado no Chile, e com o telescópio óptico James Clerk Maxwell Telescope (JCMT), localizado em Mauna Kea, Havaí. O projeto inicial era testar um modelo de identificação de fosfina e compará-lo com um modelo terráqueo de produção anaeróbica da mesma molécula. Surpreendentemente, os resultados indicaram uma quantidade claramente identificável de PH3 na atmosfera venusiana.

O que foi encontrado? Assinatura espectral clara da molécula de fosfina na alta atmosfera de Vênus, tanto nas medidas do ALMA quanto nas medidas do JCMT. Os resultados foram testados para verificar existência de contaminação por outras moléculas ou algum tipo de ruído que pudesse reproduzir o espectro de absorção da fosfina. O espectro do PH3 é observado mais claramente em latitudes médias (30 – 60 graus) e em altitudes médias (cerca de 50 – 60 km). Não ha detecção nos polos e o sinal é visto muito mais fracamente na região equatorial de Vênus.

Porque é incomum? Não há especies químicas, além da fosfina, capazes de produzir a transição molecular que gere o espectro observado. Além disso:

  1. a mesma transição molecular foi observada por dois instrumentos diferentes em comprimentos de onda diferentes,
  2. o espectro de absorção mantém a mesma forma passando por diferentes processos de análise de dados,
  3. a soma dos espectros obtidos pelo ALMA e JCMT não mostra nenhuma característica consistente além da linha da fosfina
  4. não há outra transição conhecida para essa linha de absorção que não seja a fosfina.

A presença, mesmo residual (algumas partes por bilhão) é totalmente inesperada e incompatível com uma atmosfera oxidante, em que compostos contendo oxigênio dominam sobre compostos contendo hidrogênio. Vários cenários para criar PH3 na atmosfera de Vênus foram testados, em cima do conhecimento atual do planeta, e todos os que se referem a atividade geológica ou atmosférica foram descartados.

Perspectivas? Se nenhum processo químico conhecido pode explicar o PH3 na atmosfera superior de Vênus, então ele deve ser produzido por um processo não considerado, de início, viável nas condições venusianas, tais como processos fotoquímicos ou geoquímicos desconhecidos ou, eventualmente, processos biológicos.

Entretanto, a detecção de PH3 não é evidência robusta para a existência de vida, apenas caracteriza a presença de processos químicos anômalos e inexplicados.

Existem problemas conceituais substanciais para a idéia de vida nas nuvens de Vênus, pois o ambiente é extremamente desidratante, bem como hiper acídico. No entanto, os autores excluem a maior parte das rotas químicas para a formação de PH3, com as mais prováveis, ficando muito aquém do necessário para confirmar esse tipo de reação.

Para discriminar ainda mais entre processos fotoquímicos e / ou geológicos desconhecidos que poderiam ser a fonte do PH3 venusiano, ou para determinar se há vida nas nuvens de Vênus, modelos mais robustos e testes experimentais em laboratório são essenciais.

O artigo “Phosphine on Venus Cannot be Explained by Conventional Processes“, de William Bains e colaboradores, está sendo revisado por pares e será publicado no periódico Icarus. Ele é ansiosamente esperado para uma discussão mais aprofundada das possibilidades astrobiológicas da detecção de fosfina. Leia-o já em https://arxiv.org/abs/2009.06499. Veja figura desse artigo, mostrando a camada de nuvens ( clouds) da atmosfera de Vênus, abaixo.

camada de nuvens

ABAIXO, MATÉRIA ORIGINAL

Autor

  • Graduado em fisica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado em Astrofísica pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e doutorado em Astrofísica pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com estágio sanduíche na Universidade da Califórnia, Santa Barbara. É pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Tem experiência na área de Astronomia, com ênfase em Cosmologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Radiação Cósmica de Fundo (RCF), Cosmologia, Emissão Galáctica em Microondas, e Instrumentação em Radio Astronomia.