Corte de verbas ameaça a ciência brasileira
Corte de verbas ameaça a ciência brasileira

Corte de verbas ameaça a ciência brasileira

Em entrevista ao Jornal do Clube de Engenharia, Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, alerta que, se levados a cabo, os cortes de R$ 600 milhões no orçamento do CNPq serão muito graves

Em outubro, a comunidade científica foi informada de uma alteração de última hora no projeto de lei PLN 16/2021,que alocava R$ 690 milhões para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Em ofício enviado à Comissão Mista de Orçamento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, solicitou a transferência de R$ 600 milhões previstos para o fomento da pesquisa científica para outras pastas. O remanejamento foi aprovado no dia 7/10 pelo Congresso Nacional.

A manobra do governo também reteve, em reserva de contingência, outros R$ 2,1 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), arrecadados de contribuições de empresas e fundamental para o financiamento da pesquisa científica no Brasil hoje.

Os cortes de recursos afetam gravemente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma das principais agências de fomento à pesquisa do país, e consequentemente tudo que depende dele, como bolsas e projetos.

Mesmo surpreendido, o mundo acadêmico mobilizou-se rapidamente e a imprensa deu ampla repercussão.

“Nós reagimos muito rapidamente, sim, porque ficamos muito chocados”, enfatizou o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, em entrevista ao Jornal do Clube de Engenharia. “Soubemos no dia 8, dia seguinte aos acontecimentos, e prontamente nos falamos. Primeiro, a Associação Nacional dos Pós-Graduandos propôs uma atividade para os dias 20 e 21, porém achamos que devíamos antecipar e fazer coincidir com o dia do professor, dia 15 de outubro, então do dia 8 ao dia 15 organizamos as atividades”, contou.

Segundo Ribeiro, no dia 11 houve uma reunião de diretoria da SBPC na qual se definiu que se realizaria no dia 15 uma mesa-redonda com parlamentares e representantes do ministério – dos quais acabou só vindo o presidente do CNPq. Paralelamente, as sociedades científicas e outras entidades foram conclamadas a também realizarem atividades. “Foi um êxito nesse sentido: em quatro dias, conseguimos organizar mais de trinta atividades com mais de cem palestrantes! Isso foi muito bom”, afirma.

Ainda no dia 14, carta (ver quadro) pedindo a liberação urgente dos recursos do FNDCT foi enviada ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, pelas entidades que integram o Comitê Executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) e o Fórum FNDCT.

Em 15/10 o Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Ciência começou com um tuitaço de manhã com as hashtags #SOSCiência e #LiberaFNDCT. À tarde, foi realizada pela SBPC a mesa-redonda online Cortes no orçamento do MCTI: qual a solução?, além de uma vasta programação de atividades online com o objetivo de sensibilizar o Congresso Nacional e pressionar o Governo federal.

Uma segunda mobilização foi realizada no dia 26/10, também com tuitaço pela manhã e, à tarde, o debate Quanto vale a ciência?, organizado e transmitido pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), que divulgou ainda uma agenda de atividades por estados. Centenas de veículos, entre imprensa, sociedades afiliadas e outros, repercutiram as mobilizações de outubro em defesa da ciência brasileira.

Mesmo surpreendido, o mundo acadêmico mobilizou-se rapidamente e a imprensa deu ampla repercussão.

“Nós acreditamos que o impacto foi bom, ainda mais levando em conta que todas as questões foram decididas em tão pouco tempo, com essa ação fulminante do Ministério da Economia. No dia 7, na hora do almoço, mudam o projeto de lei, que já estava articulado com todo mundo, inclusive com o Ministério de Ciência e Tecnologia. E no fim da noite, já estava tudo votado. Nossa mobilização foi depois, e mesmo assim teve um impacto político”, avalia o presidente da SBPC.

Ribeiro alerta que, se levados a cabo, os cortes de R$ 600 milhões no orçamento do CNPq serão muito graves, porque, como faz tempo que não existe um edital universal – isto é, uma oferta de auxílios para todas as áreas do conhecimento – há um grande número de laboratórios sem equipamentos, de bibliotecas desatualizadas, de material de pesquisa que não existe e de bolsistas de iniciação científica e de apoio técnico que não podem ser chamados para trabalhar.

“Tanto pesquisas em andamento quanto pesquisas novas correm um risco muito grande”, atesta. Segundo Ribeiro, que é professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, a visão mais otimista na mesa do dia 15 veio do senador Izalci Lucas (PSDB/DF), vice-presidente da Comissão Mista de Orçamento.

“O senador Izalci nos disse ter falado com o líder do governo no Senado, Eduardo Gomes, e ter cobrado dele a recomposição do orçamento do CNPq, além de ter atuado para que os R$ 2,1 bilhões que restarão depois dos R$ 600 milhões do CNPq e que são do FNDCT também sejam liberados. Agora, tudo isso depende de saber se do lado do Governo vai haver efetivamente o respeito a esses compromissos ou não. Ele disse que obstruiria a pauta da Comissão Mista de Orçamento e não deixaria aprovar mais nada caso não viesse um projeto de lei do Governo para liberar esses recursos. Esperamos que isso valha e que os outros parlamentares com quem dialogamos tenham força suficiente”, explica.

Mobilização em defesa da ciência

Ex-presidente da Capes de 2004 a 2008 e ministro da Educação em 2015, sem apoio do Governo, Ribeiro entende que os rumos possíveis para a ciência nacional ficam muito limitados, porque ela é basicamente sustentada com verbas públicas, que na verdade são verbas da sociedade brasileira que o Governo administra, e, no caso do FNDCT, destinadas a determinadas pesquisas.

Questionado sobre os cortes pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro da C,T&I, o astronauta Marcos Pontes, disse que ele próprio também havia sido pego de surpresa. Ao saber, teria enviado um ofício ao ministro Paulo Guedes, que teria prometido recompor a verba, mas não informou quando.

“Visivelmente, foi uma ação do Ministério da Economia, ao que tudo indica sem passar pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, com a finalidade de enfrentar o déficit do orçamento público, que está muito elevado. Então, como vão fazer? Eles
tiram de outras áreas. Nós vimos que o Governo pretende destinar dinheiro a várias políticas, inclusive ao auxílio Brasil, e também existem políticas feitas com deputados. Esse dinheiro gera um déficit substancial nas contas do Governo, e eles acreditam que a ciência seja uma área que não vai gritar, que não vai ter pressão, que não é tão necessária. Estão muito errados sobre isso tudo”, lamenta Ribeiro.

De acordo com o presidente da SBPC, há um diálogo constante com as autoridades, o CNPq e o Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele conta que o ministro Marcos Pontes em várias ocasiões se dirigiu à SBPC e à ABC para pedir apoio.

“Mas é um diálogo que, apesar de os dois lados afirmarem o compromisso com a ciência, sempre tem algumas dificuldades, especialmente no tocante ao FNDCT, em que há uma convergência quanto a questão da importância de liberar valor não reembolsável, até porque o reembolsável são empréstimos que as universidades não têm condições de contrair, porque não teriam condições de pagar os juros. Às vezes há uma certa discordância, mas o diálogo sempre se mantém”, esclarece.

Clube de Engenharia

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