O título deste artigo se refere a uma publicação da Folha de São Paulo, datada de 05/12/2021.
Esta notícia chega na sequência de outras, associadas a assuntos de interesse para o programa espacial brasileiro e para o sistema nacional de telecomunicações, conforme comentado a seguir.
- Nos recentes anúncios do Ministério das Comunicações sobre o Edital para o 5G, foi repetido que o 5G será a solução para levar a internet para áreas remotas, escolas, estradas etc.
- Há um bom tempo também existe a iniciativa de lançar cabos ópticos ao longo de rios amazônicos, iniciativa apresentada como a solução possível para levar internet para populações ribeirinhas.
- Também recentemente, o Ministro das Comunicações disse estar em entendimento com a SpaceX / Starlink e outras operadoras para trazer para o país a operação de seus sistemas de satélites de órbita baixa para levar internet para áreas remotas do país.
- Agora, neste artigo da Folha de SP, fala-se em um eventual início de operações da SpaceX / Starlink já em 2022, acompanhado da chegada do 5G às capitais brasileiras.
- No mesmo artigo, é repetido o argumento de que esta constelação, e outras também interessadas em operar no Brasil, levariam internet onde “as teles não chegam”.
Em todos esses casos, fala-se no atendimento a comunidades desassistidas, em áreas remotas, e no uso por sistemas públicos, como é o caso das escolas…
A Telebras possui um programa com cerca de 11.000 Pontos de Presença, em funcionamento, instalados em:
- instituições públicas,
- entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, por meio dos quais é possível promover ou ampliar o processo de inclusão digital,
- instituições públicas de ensino, saúde, segurança e
- unidades de serviço público localizadas em áreas remotas, de fronteira ou de interesse estratégico.
Só nas escolas, mais de 2,5 milhões de alunos são beneficiados pelo programa.
Em 2015, a Portaria Interministerial nº 586, no âmbito do Programa Nacional de Banda Larga – PNBL, na região amazônica, deu o pontapé inicial para outro projeto, o Amazônia Conectada. Por meio dele, 1,2 mil quilômetros de redes ópticas foram instalados nos leitos dos rios Solimões e Negro.
Além de levar a internet para regiões mais remotas, a fibra óptica subaquática auxilia na detecção de movimentos considerados anormais nas águas, permitindo a identificação de barcos suspeitos nos rios.
As demandas citadas nas reportagens recentes são exatamente as mesmas que justificaram o desenvolvimento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas – SGDC, mais especificamente a sua banda Ka, sob a responsabilidade da Telebras.
O mais preocupante é que as alternativas citadas nas reportagens, como o 5G, são sistemas que ainda levarão anos para serem implantados no interior, ou demandarão enormes investimentos adicionais para sua implantação e manutenção, como os cabos; ou então, serão totalmente dependentes de provedores estrangeiros como One Web e Starlink, renunciando a um aspecto caro a qualquer programa espacial ou infraestrutura nacional crítica, que é a autonomia.
Como explicar aspectos centrais destas iniciativas, considerando que o SGDC já está em órbita desde 2017, terá vida estimada de mais de 15 anos, cobre 100% do nosso território, está sob controle integralmente nacional, e com todos os investimentos de implantação do sistema já realizados?
Como explicar que nenhuma autoridade se dê ao trabalho de esclarecer como estes novos sistemas seriam integrados aos já em operação?
Será que ignoram sua existência para não terem que admitir que esta foi uma iniciativa de governos anteriores, aos quais se opõem, ou seria algo ainda pior?
Como se não bastassem as dúvidas acima levantadas, o artigo da Folha de SP ainda atribui ao ministro o anúncio de uma inusitada e inexplicável tecnologia a laser, capaz de “captar os sinais sonoros das queimadas”! Até mesmo os filmes de ficção científica modernos têm mais pudor e cuidado para não falar bobagens do tipo.
Para encerrar, o jornalista da Folha também comete um deslize ao mencionar que a AEB “… também está preocupada porque, ao permitir que tantos satélites de baixa altitude trafeguem sobre o país, poderá criar uma barreira para futuros lançamentos de equipamentos de maior porte que precisam ser lançados a mais de 35 mil quilômetros do solo.” Certamente, e provavelmente por desconhecimento, ele involuntariamente se uniu aos parvos que acham ser possível revogar a Lei da Gravidade.
De fato, os satélites passarão sobre nosso território, quer a AEB, a Anatel, ou o governo brasileiro queiram ou não. É um fato da física. Também é fato que o excesso de satélites em órbita é motivo de crescente preocupação, mas este não é o caso em questão. O congestionamento que se discute neste caso está no campo do espectro eletromagnético, não nas posições orbitais ocupadas por estas novas constelações.