Sessão Especial: O caso Cancellier
Sessão Especial: O caso Cancellier

Sessão Especial: O caso Cancellier

A operação Ouvidos Moucos, ocorrida em 2017, levou ao suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier.

O caso se tornou tema de um livro de Paulo Markun e de um documentário produzido pela TV GGN, canal do jornalista Luís Nassif.

O assunto foi tema de uma sessão especial na 74a Reunião Anual da SBPC, apresentada por:

Luís Nassif (ADVivo e Portal GGN),

João Carlos Salles (Reitor da UFBA) e

José Geraldo de Sousa Jr. (Ex- Reitor da UnB).

O Reitor João Carlos Salles comandou a mesa, iniciando os trabalhos com a leitura de um recado do autor do livro, Paulo Markun, sobre a importância de discutir o Caso Cancellier, reitor que sofreu com uma perseguição política, com acusações sem provas.

Salles comentou sobre o momento que vivemos, chamando-o de obscurantismo e negacionismo e apresentou os membros da mesa.

O ex-Reitor José Geraldo de Souza Júnior realizou sua apresentação sobre o tema parabenizando a SBPC pela discussão proposta, e ressaltando que foi um sacrifício pessoal do Reitor Cancellier.

Nas palavras de Souza, o Reitor Cancellier “respeitadíssimo no nosso campo”, não teve alternativa. Ao se ver vítima de um processo sem garantia constitucional de um devido processo legal, a única defesa possível para sua dignidade de conduta, cometeu o gesto mais fundante da dignidade e do sentimento de injustiça, o suicídio.

No autoritarismo há um rebaixamento da inteligência, pois se coloca como hostil à crítica e ao pensamento livre. As instituições de conhecimento são suas primeiras vítimas.”

Nós não somos gado que é colocado na linha do matadouro, intui que vai morrer, e não tem capacidade de reagir. Nós temos.”

Souza afirmou ainda que o gesto de Cancellier denuncia a situação de injustiça e o uso político do sistema de legalidade para articular projetos que mutilam a democracia e o pensar.

Reconhecemos que o sacrifício de Cancellier não foi uma rendição, mas um ato de justiça e revolta para nos alertar.”

Luís Nassif iniciou sua fala comentando que o ato de Cancellier foi o ato político mais relevante dos últimos anos.

A partir dessa afirmação, Nassif fez uma análise política, explicando como as redes sociais influenciaram pessoas, como as manifestações dos últimos anos foram articuladas e quais eram as organizações que as financiavam e como começaram os ataques às universidades.

Para exemplificar a “onda” que envolvia as pessoas que clamavam por “justiça”, Nassif citou o caso do jornalista Reinaldo Azevedo, que lançou uma campanha contra uma professora, por sua pesquisa sobre usuários de drogas.

O que houve naquele momento [refere-se às consequências das diversas manifestações com temas variados], desde 2010, eu só vi no tempo da ditadura.

É impressionante como uma sociedade toda se envolveu nesse discurso de ódio.”

O ocorrido com o Reitor Cancellier, Nassif chama de selvageria. Como a operação Ouvidos Moucos se baseou em documentos, ou na falta deles, para condenar, sem julgamento ou provas, o reitor de uma Universidade Federal.

Ao final da fala do jornalista Nassif, o vice-presidente do SindCT e irmão do Reitor Cancellier, Acioli de Olivo, foi convidado a compor a mesa de debates.

O Reitor Salles relembrou o bilhete deixado por Cancellier, que dizia: “a minha morte foi decretada quando proibiram minha entrada na universidade”.

Eu considero que o gesto de Cancellier foi um ato de sacrifício que, sem esse ato, o que aconteceria com a Universidade seria mais profundo e mais grave”, afirmou Salles.“Democracia é quando batem na sua porta às 5 da manhã e você supõe que é o leiteiro!”

Salles ainda disse que as ações de resistência devem ser recuperadas e que as universidades devem ser espaços de democracia e merecem ser respeitadas.

Acioli fez um breve, mas emocionante relato sobre conversas com seu irmão e os ensinamentos que recebeu.

“Os covardes mataram meu irmão com palavras. Primeiro com as palavras que estavam no inquérito. A acusação mais grave contra meu irmão era de obstrução à Justiça em um processo em que ele nem sabia que estava sendo investigado. As palavras no site da PF o mataram também, Mesmo no inquérito que não havia nenhuma acusação de desvio de recursos. Pois apareceu no site da PF que o Reitor era líder de uma organização criminosa que desviou 80 milhões da Universidade de Santa Catarina.

No dia que o Reitor foi preso, palavras foram pichadas na reitoria da Universidade. Palavras que diziam: Reitor Cancellier, devolva os 80 milhões que você roubou.

E, por último, as palavras da imprensa, que serviu como porta-voz da PF, replicando o que estava no site, sem o mínimo de investigação.

A morte do meu irmão não foi em vão!

Ele pensou em algo muito maior: a Universidade como uma instituição pública, importante para a formação da nova geração. Esse foi o legado do meu irmão.”

Soraya Smaili, ex-Reitora da Unifesp e membra da Academia de Ciências Farmacêuticas do Brasil, foi convidada para uma declaração. Ela relatou diversas ameaças a diferentes reitores de universidades, algo que continuou, mesmo após a morte do Reitor Cancellier.

“Em 2019, quando Bolsonaro assume, eles começam uma operação sigilosa, chamada de lavajato das universidades. Várias universidades foram vasculhadas em todos os seus procedimentos. Não encontraram nada, absolutamente nada!”

Finalizou exaltando as universidades, os professores e os reitores que se dedicam à educação no Brasil.

Cancellier será sempre lembrado num momento de enorme prejuízo para a nação, de enorme perseguição. Ao que ele foi submetido, de fato, não pode ser esquecido!”

Autor

  • Fernanda Soares é jornalista profissional, formada há 25 anos. É responsável pelas publicações Rapidinha, Jornal do SindCT e pelo canal WebTVSindCT. Em 2012 recebeu o prêmio Beth Lobo de Direitos Humanos das Mulheres, oferecido pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, por sua cobertura da desocupação do Pinheirinho. É autora do livro “A solução Brasileira - História do Desenvolvimento do Motor a álcool no Brasil”, publicado e distribuído pelo SindCT, de nove livros paradidáticos infantis, da editora Todolivro, e do recém-lançado "Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira", publicado pelo SindCT. Em julho de 2022, Fernanda ofereceu, gratuitamente, os direitos autorais do livro sobre a urna eletrônica ao TSE.