Crime ambiental organizado pode voltar, alerta climatologista Carlos Nobre
Crime ambiental organizado pode voltar, alerta climatologista Carlos Nobre

Crime ambiental organizado pode voltar, alerta climatologista Carlos Nobre

Grande referência no mundo científico, Carlos Nobre conversa com OVALE sobre os desafios ambientais do país e alerta sobre avanço dos eventos climáticos extremos

Por Débora Brito

Se quisermos salvar o planeta, temos que deixar tudo enterrado, declara o climatologista Carlos Nobre sobre os combustíveis fósseis. Enfático, o cientista alerta que o crime ambiental organizado pode voltar a se sentir à vontade na Amazônia, depois da sinalização recente dada pela Câmara dos Deputados com a aprovação de medidas que enfraquecem a legislação ambiental.

O pesquisador alerta que, sem políticas ambientais de prevenção e adaptação às mudanças climáticas, cada vez mais pessoas ficarão expostas aos desastres naturais, como o que ocorreu em São Sebastião, no litoral norte paulista, em fevereiro deste ano.

Em entrevista a OVALE, o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo promoveu a transição energética e outras soluções alternativas para gerar desenvolvimento com as florestas em pé.

Presidente do Painel Científico para a Amazônia e integrante do conselho de administração do BNDES, que tem apoiado micro e pequenas empresas a descarbonizar as atividades econômicas, Nobre defende a bioeconomia e chama a responsabilidade do setor privado.

Foto: Luís Roberto Moreira

Confira abaixo os principais pontos da entrevista que Carlos Nobre concedeu à nossa reportagem, em razão do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho.

Como avalia o impasse entre os compromissos ambientais do governo e a articulação política no Congresso?
É um momento crítico, porque o Congresso está enfraquecendo demais as políticas ambientais em todos os sentidos. Nos anos do governo Bolsonaro era bastante óbvio que não tinha o que comemorar. E agora, tínhamos a expectativa de que o Brasil ia voltar a ser um líder ambiental, mas de repente o Congresso coloca tudo isso em enorme risco. Eu acho que vai ser muito importante, simbolicamente, a semana do meio ambiente. Esperamos ter uma reversão, que os congressistas percebam que quase a totalidade da população brasileira não aceita essas políticas que eles querem.

Qual o maior desafio da gestão ambiental hoje no Brasil?
Temos que zerar a exploração de novos postos de petróleo, de carvão, de gás natural, senão não vamos atingir os objetivos do Acordo de Paris, pelo qual os países, incluindo o Brasil, aceitaram fazer uma redução de 50% até 2030. E quase 70% das emissões dos gases de efeito estufa globais vem da queima de combustíveis fósseis. Nós cientistas climáticos somos muito claros: deixem enterrados o petróleo, o carvão e o gás natural, se quisermos salvar o planeta da emergência climática.

Qual o impacto do enfraquecimento da legislação ambiental?
O impacto político é grande, porque se o Congresso derrubar as leis ambientais, a imagem do Brasil cai muito. E pode ser o sinal verde para o crime ambiental organizado, que se sentiu totalmente capacitado no governo anterior, porque o discurso do ex-presidente era totalmente favorável ao desmatamento da Amazônia, do Cerrado, de tudo, aí o crime se sentiu protegido e explodiu. O novo governo prometeu combater a ilegalidade, mas com o Congresso o crime vai se sentir empoderado novamente e criar dificuldade para reduzir o desmatamento.

E no estado de São Paulo, a legislação também corre risco?
A política de adaptação no Brasil ainda é muito pouco efetiva, mesmo no estado mais desenvolvido que é São Paulo. Não existem políticas municipais e estaduais rigorosas, são muito genéricas e pouco eficientes. O Cemaden foi uma enorme modernização. No caso do desastre do litoral norte, por exemplo, o Cemaden lançou alertas com dias e depois horas de antecedência ao evento que matou todas aquelas pessoas. E a pergunta é: as pessoas que estavam expostas foram informadas? Não. Para diminuir o risco você tem que tirar os pobres e vulneráveis. O governador prometeu tirar milhares de pessoas que moram no litoral em áreas de altíssimo risco na inclinação da Serra do Mar. Começou a fazer, depois já mandou um monte de gente voltar. Quer dizer, essas políticas são pouquíssimas implementadas. O Cemaden fez um estudo mostrando que 2 milhões de brasileiros estão vivendo em áreas de altíssimo risco de desastres e 10 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco. Esse número certamente será muito maior quando sair o censo de 2022. Aqui nas regiões tropicais os eventos extremos aumentaram mais de 40%. A ciência já apontou para todos os riscos, que não são futuros. Já estamos vivendo as mudanças climáticas de maneira muito séria.

E apesar de todas as evidências, ainda há negacionismo sobre a questão climática…
Existe sim uma minoria minúscula negacionista, como o ex-presidente Bolsonaro que era anticiência, contra a vacina e todas essas coisas absurdas. Ele seguia o presidente Donald Trump e tentou tirar o Brasil do Acordo de Paris. Houve uma reação muito grande, inclusive do agronegócio, porque se saíssemos do Acordo, os chineses e europeus deixariam de comprar os produtos brasileiros. Hoje a ciência não deixa nenhuma dúvida e mostra com toda a clareza que é a ação do homem que está causando os eventos extremos e as mudanças climáticas. Não existe nenhum direcionamento ideológico nas mudanças climáticas. E o Brasil está entre os países em que a população está mais preocupada com as mudanças climáticas. Os brasileiros sempre foram pró-ciência, tínhamos os maiores índices de vacinação do mundo. Acontece que setores econômicos responsáveis pela maior parte das emissões dos gases de efeito estufa têm muita força política.

Qual a solução para conter isso?
Tem muito a ver com a questão educacional e com o respeito pela democracia. Mais de 90% da população brasileira é favorável à proteção da Amazônia e de todos os biomas e o Congresso tem que representar a nossa vontade e não a vontade de pequenos setores do agronegócio expansionista.

Qual a força de soluções como a bioeconomia?
A bioeconomia tem um enorme potencial, o Brasil tem toda a condição de se tornar a primeira potência ambiental das fontes de biodiversidade, gerando economia com floresta em pé. O Brasil tem que criar políticas de apoio ao desenvolvimento dessa nova bioeconomia, esse é o caminho e também investimentos do setor privado, do mercado financeiro.

Inclusive o ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) tem ganhado força entre as empresas.
Sem dúvida, a proteção ambiental melhora todos os negócios do mundo. A agropecuária regenerativa é muito mais produtiva, protege contra os eventos extremos e e é mais lucrativa. No setor industrial, hoje, as energias renováveis já são mais baratas do que a energia de base fóssil. Hoje economicamente faz muito mais sentido a transição, porque beneficia o meio ambiente e também a economia. Então, é muito importante que o setor empresarial adote o ESG muito rapidamente. É muito preocupante o greenwashing (propaganda sustentável enganosa) que existe. E o consumidor tem uma enorme responsabilidade. Se os brasileiros fossem ao supermercado e só comprassem carne com selo verde, que não vem de área desmatada, o Brasil já reduziria demais as suas emissões de gases de efeito estufa.

Publicado por: Jornal O Vale

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